8ª dose

982 97 81
                                    

Tenha alguém que a defenda e jamais estará só

Passei dois dias trancada em meu quarto dividindo o meu tempo entre chorar e conversar com Yara. Pode ser egoísta da minha parte, mas a única pessoa que recebeu mais do que "oi, estou bem. Não irei à escola" foi ela. Era como se ela soubesse o que eu precisava ouvir.

Ouço um barulho na porta e segundos depois Jessica aparece em meu quarto.

— O que aquele idiota fez com você?

Antes de responder, fito Jessica por longos minutos. Ela está ofegante e com um semblante triste. Ela me encara procurando alguma coisa que não sei o que é. Estou deitada na cama e permaneço assim. Não quero me mexer, não quero sair dessa posição. Jessica se senta na beira da minha cama e passa a mão em seus curtos cabelos, colocando uma parte para trás da orelha.

— Que merda aquele otário fez com você? — Ela repete com mais ênfase.

Não respondo. Não consigo formular uma frase que faça sentido. O que ele fez comigo? Será que é motivo para eu me isolar ou estou exagerando? Jessica espera pacientemente minha resposta, mas quando não vem, ela caminha até minha cozinha. Consigo ouvir seus passos e as portas dos armários sendo abertas. Ela procura algo que não sei o que é.

Escuto seus passos vindo até mim. Ela abre a porta do meu quarto com mais força do que pretendia. A encaro e vejo uma frigideira da minha mãe na sua mão direita, sendo segurada como se fosse um taco de baseball. Não sei qual intuito de Jessica, mas resolvo responder algo.

— Primeiro eu quero saber o que você está fazendo com a frigideira da minha mãe.

— Não muda de assunto, Julia Souza! O que aquele idiota fez com você?

Então, explico com detalhes minuciosos toda a história. Tento deixar claro tudo o que sinto e toda vez que falo algo, sinto que meus sentimentos estão transbordando mais do que eu gostaria. Jessica se irrita, anda de um lado para o outro, berra que quer o endereço de Ítalo, diz que ela teria ido comigo se ele tivesse dito que não iria, e eu compreendo sua raiva. Ela queria estar na consulta e eu não deixei porque Ítalo disse que estaria comigo. Eu fiquei sozinha e ela nunca me deixa só.

— Sua mãe me ligou dizendo que você está há dois dias trancada no quarto e só sai para comer e ir ao banheiro. — Jessica solta um suspiro me olhando com preocupação. — Ela não sabe o que houve e pediu para que eu viesse aqui conversar com você. Caramba Julia, você só disse que escutou o coração do bebê e que ele está bem, mas não falou mais nada.

— Pensei em tudo o que ainda vai acontecer e fiquei mal. Não é assim que eu queria fosse.

Sinto uma lágrima rolar dos meus olhos e não limpo. Estou ficando acostumada a ter meu rosto molhado com todo esse sentimento que transborda de mim.

— Mas é assim que vai ser! Pelo o bem do meu sobrinho, você não pode ficar mal assim. Tem que se acostumar com a sua nova vida — ela modifica o tom para algo mais baixo. Sempre faz isso quando vai falar algo mais profundo. — Você sabe, Ju. Nós nos acostumamos com tudo. Até com coisas ruins. Ítalo pode não ser o melhor cara do mundo, mas é o pai do nosso bebê. Precisamos dele — ela sorri, alisando minha barriga invisível. — O idiota mandou mensagem depois disso?

Seu toque em minha barriga me deixou com uma sensação estranha. Cada vez fica mais real do que eu gostaria. Não toco em minha barriga e nem me olho mais no espelho. Tento deixar a situação invisível como se um dia eu acordasse e tudo não passasse de um pesadelo.

Jessica fica me encarando, esperando uma resposta. Então, conto para ela que Ítalo me mandou mais de vinte mensagens, e não é hipérbole. Ele realmente encheu meu celular de mensagens. Vinte e seis, para ser exata. Não respondi nenhuma. Apenas ignorei como ele fez comigo no dia da consulta.

Quando estiver sóbrio (COMPLETO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora