1ª dose

1.3K 85 46
                                    

Um ano depois

Se você tem certeza que superou, espera até vê-lo novamente.

Enquanto Jessica tentava dar um jeito no seu uniforme cinza e azul totalmente sem graça da rede pública do Rio de Janeiro, eu retirava os inúmeros papeis de bala que surgiram magicamente em minha mochila lilás.

— Esse fim de semana vai ter festa aqui! — Jessica disse toda animada fazendo um nó na sua camisa e escondendo por dentro da calça jeans cintura alta. — Eles deveriam dar uma olhada em algum site de tamanhos, pois esse M está mais para GG. É muito grande e olha que eu nem sou magrinha.

— Seu corpo está incrível, e quanto a festa não irei.

Jessica saiu da frente do espelho e me olhou dizendo com toda a calma do mundo que, tirando o Carnaval, essa é a segunda festa que ela mais espera no ano. Me explicou com detalhes desnecessários o motivo de eu ter que ir e lembrou que sua lista de amigas tem o total de uma pessoa que no caso sou eu, e ela não quer ficar sozinha com uma bebida na mão esquerda e um cachorro quente na direita.

O Morro do riacho, comunidade onde Jessica mora, fecha a rua todos os anos para fazer essa festa. Tem parque, shows e barraquinhas — e carros com som alto tocando funk estendem a festa para depois de meia noite. É quase uma festa junina. É sempre a melhor festa que tem, e todas as pessoas conhecidas vão e outras que deveríamos conhecer vão também, palavras de Jessica. Mesmo assim eu não queria ir.

Há duas semanas a escola fechou o bimestre e mesmo sem professor de geografia fomos obrigados a entregar trabalho sobre um tema aleatório. Cheguei ao limite do estresse quando, junto com a representante que se conforma com tudo e Jessica que argumenta muito bem, fui parar na diretoria por ter me alterado quando quiseram aproveitar o professor Joaquim do segundo ano para aplicar uma prova. Ele nunca nos deu aula e, após as minhas explicações de que o último ano é extremamente importante por causa do Enem e não deveríamos ser prejudicados, a diretora decidiu por um trabalho só para calarmos a boca e não citarmos o governo ou o IBGE, ou outra coisa que só pensamos e falamos na hora.

Sinceramente, eu só queria passar o final de semana inteiro assistindo série, mas Jessica já enfrentou muitos lugares tediosos e nada mais justo que eu me esforçar um pouco por ela. É só um final de semana e ainda vou poder dormir na casa dela depois.

Diego, meu crush do 2B, deu uma esbarrada no meu ombro no corredor. Ficaria muito feliz se isso fosse um romance estadunidense extremamente clichê, mas ao invés dos meus livros caírem no chão e ele me pedir desculpas; a minha garrafa que caiu, mas por sorte estava vazia. Vi os amigos dele rirem de mim quando me abaixei, mas só debocharam de mim quando Rafael, o cara que fala mais alto em toda a escola, seguiu a conversa me chamando de "a mimizenta da 3A". Não fiz questão de responder, mas anotei mentalmente que eu deveria começar a "crushar" alguém que tenha qualidades reais e que não caia na pilha da 2B que, gentilmente, iria emprestar o seu professor que eles xingam secretamente de vários nomes, para a minha turma fazer uma prova que não estudamos assunto nenhum. Virei o meu corpo e fui em direção ao pátio onde Jessica conversava animadamente com Patrício.

As horas passaram com rapidez hoje e eu agradeci porque meio dia e vinte o sol está bem quente para eu correr até o ponto para pegar o ônibus.

Aceitei ir à festa. Não tinha motivos para eu negar. Eu ia me divertir, beber um pouco e comer muito, talvez. Tudo ia ficar bem e eu ainda ia esquecer o estresse do último ano de escola. Respirei fundo enquanto passava uma maquiagem bem fraquinha em meu rosto. Tentei fazer um delineado de gatinho, mas após a minha segunda tentativa e meu rosto já estar vermelho, Jessica sentou ao meu lado e com toda a destreza do mundo fez nas duas pálpebras em menos de dois minutos.

Quando estiver sóbrio (COMPLETO)Where stories live. Discover now