26º dose

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Abro a porta com a chave que Yara me deu e que ainda não devolvi. Ao entrar no quarto, vejo Ítalo deitado na cama, dormindo profundamente. Observo seu rosto por um momento, tentando decifrar sua expressão.

— Acorda! — balanço o ombro de Ítalo. — Você tem que trabalhar.

— Hoje eu não vou — ele diz puxando a coberta. — E o que você tá fazendo aqui?

Não suportei ficar em casa pensando em como ele está. Precisei vir aqui antes dele sair para o trabalho e ver com meus próprios olhos como aquele assunto o afetou. Não disse nada para Jessica. Fiz o oposto do que ela me aconselhou, mas me sinto melhor assim. Não consegui dormir direito, atormentada pelo que aconteceu ontem.

— Queria ver sua avó — minto. — Por que não vai trabalhar?

Ele não responde. Insisto algumas vezes, mas ele continua em silêncio, então presumo que tenha voltado a dormir ou esteja me ignorando. A segunda opção parece mais provável. Decido ir até a cozinha tomar café com Yara. Saí de casa tão cedo para encontrar Ítalo que não consegui comer, nem beber nada. Estava enjoada, e o bebê resolveu dar uma festa na minha barriga.

— Ele não quer trabalhar — conto.

— Deixa ele, minha querida. Pode não parecer, mas ele fica muito mexido com o assunto dos pais. Depois ele liga para o patrão dele.

— Ele não deveria se importar. Não os conheceu mesmo.

Solto uma frase amarga sem perceber. Não sei o que se passa na cabeça de alguém que foi rejeitado pelos pais, mas estou tão puta com tudo isso que esqueci que essa história não é minha. Não posso julgar os sentimentos alheios.

— É complicado. Ser rejeitado pelo os dois e ter a vida toda alguém da família querendo contar histórias como se Ítalo precisasse saber, foi algo bem ruim. É bom ele ficar assim.

— Bom?

Fico nervosa e chateada. Yara é bastante amorosa, mas não consigo entender como Ítalo ficar mal é a coisa certa. Acho que ele deveria falar sobre isso, se abrir de alguma forma, ao invés de se fechar e deixar que isso o afete.

— Ítalo passou anos fingindo não se importar com nada. É bom mostrar algum sentimento.

— Mas ele te ama e deixa isso bem claro. Amor é sentimento — afirmo.

— Algum sentimento que não seja por mim.

Ainda não entendo aonde ela quer chegar, mas decido tomar meu café em paz e não perguntar mais nada. Não quero ficar triste, mas é deprimente ter que ir à terapia para me dar bem com o pai do meu filho. Uma terapia que faz Ítalo ficar tão mal que se recusa a sair da cama. Me sinto culpada por ele estar assim por isso vim aqui. Se não fosse a briga que ele tem comigo, nada disso estaria acontecendo. Se meu anticoncepcional não tivesse falhado e nem a camisinha estourado, ele estaria bem agora.

Volto para o quarto e vejo que Ítalo agora está deitado de barriga para cima, fitando o teto. Ele parece tão distante, tão perdido em seus próprios pensamentos. Me encosto na porta fechada, sentindo um nó se formar na garganta.

— Você é um idiota e me magoou muito, mas estou aqui, Ítalo. Deixa eu te ajudar.

— Não preciso de ajuda — ele diz, sem olhar para mim.

— Todo mundo precisa. Deixa o nosso filho te ajudar então. Ele está agitado hoje.

Penso em como aquelas palavras soaram idiotas e o quão ridículas foram, mas percebo que fiz a coisa certa quando Ítalo me olha, seus olhos cansados dizendo mais do que qualquer palavra. Ele não diz nada. Apenas estende a mão em minha direção, e eu a seguro, vendo-o abrir um espaço para mim na cama. Me deito de costas para Ítalo, e ele me abraça. Naquele momento, somos nós três, juntos, e nada mais importa.

Quando estiver sóbrio (COMPLETO)Where stories live. Discover now