41ª dose

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A vida está ficando boa e calma. Eu fico em casa curtindo a minha gravidez, a companhia de Jessica e meus pais. Ítalo curte Rômulo e Yara, e passa às vezes aqui para satisfazer algum desejo que finjo ter apenas para vê-lo. Para não ser a estraga-prazeres e deixar Ítalo curtir o momento com Rômulo sem que eu diga algo errado ou olhe para ele com cara feia, mandei uma mensagem para Ítalo dizendo que estou com muita vontade de comer esfiha de espinafre, e é por esse motivo que ele está agora deitado em minha cama devorando um hambúrguer enquanto me sujo com o meu desejo inventado.

— Isso aqui é tudo muito doido! — Ítalo confidencia.

— Sim, como eles têm a ideia de colocar espinafre em uma esfiha?

Ele ri e diz que não está falando sobre isso. Pergunto sobre o que é e ele diz que a nossa vida é louca e que tudo mudou muito rápido. Ítalo está usando boné. Quando pergunto o motivo, diz que é porque não cortou o cabelo. Tem uma barba bem ralinha crescendo. Apesar de eu amar seu rosto liso, ele está ainda mais bonito. Tento não me apaixonar mais e falho.

Enquanto tento esfregar com um guardanapo a sujeira de ketchup que fiz em minha camisola velha demais, porém grande e confortável, Ítalo diz em um tom baixo:

— Acho que gosto de você — ele sorri. — Tá bom. Eu não acho, tenho certeza que gosto.

Fico mais de cinco minutos sem saber o que dizer. Paro de mastigar um pedaço de esfiha que tinha colocado na boca antes e quase me engasgo ao ouvir a voz dele me dizendo isso. Será que ele está se declarando? Como ele gosta? Como mulher? Amiga? Mãe do filho dele? Milhares de questionamentos começam a rodear a minha mente.

— Como... — gaguejo. — Bom, você está se declarando?

— É uma possibilidade!

Ítalo abre o sorriso mais bonito que já vi e seu telefone começa a tocar. Yara não está se sentindo muito bem, então ele beija a minha testa e vai para casa deixando claro que vai me dar notícias sobre ela. Penso em Yara e penso no que ele disse. Queria saber mais, dizer que gosto dele também e nem me importo com a forma, pois gosto de todos os jeitos. Fico mexendo no celular a cada segundo esperando uma mensagem de que Yara está bem e que ele gosta de mim como eu quero que goste.

Ligo para Jessica e ela atende no segundo toque. Após o trabalho, ela saiu com Scott, mas já está na porta de sua casa quando me diz alô.

— Então vocês estão sérios? — pergunto.

— Acho que encontrei o homem da minha vida.

— Serei madrinha do casamento, né? — digo, feliz por Jessica ter se apaixonado.

— Só se eu for do seu com Ítalo.

Sei que é agora que devo contar o que ele me disse. Limpo a garganta e digo:

— Ele disse que gosta de mim, mas não sei de que forma.

— Você sabe sim. Só quer confirmação como sempre. Falta você se declarar agora. Vai em frente!

Finalizamos a ligação e quando penso em ligar para ele, meu celular toca. Ítalo está nervoso. Não consigo muito bem entender o que ele diz.

— Fala devagar, Ítalo.

— Minha avó está morrendo.

Após o impacto das palavras dele me acertarem em cheio, travo uma briga sobre eu querer ir para o hospital e Ítalo dizer que não é bom por causa de bactérias, etc. Quando me passa o endereço e eu pago um Uber para chegar mais rápido, vejo Ítalo sentado em uma cadeira na sala de espera. O semblante dele faz meu coração bater mais rápido. Sei que ele não inventaria nada disso, mas poderia ser um exagero. Não é! Ele me abraça forte e eu ando o hospital inteiro procurando um médico ou enfermeiro que possa me dar uma notícia que seja. Não escuto coisas boas. Choro no banheiro antes de voltar para perto de Ítalo.

— Você não pode ficar aqui.

— Eu vou ficar aqui!

Ítalo levanta com raiva e diz que sou muito teimosa. Tento acalmá-lo contando que Valentim está agitado e guio a mão dele para a minha barriga sentindo seus dedos tremerem. Não funciona dessa vez. Ítalo fica com a mão por um minuto e depois desvia. Parece que uma eternidade se passa sem nenhuma notícia.

Depois de exames e horas de espera, temos a notícia que Yara tem câncer em estágio avançado. Lembro das vezes que ela passou mal e disse que não era nada. Me culpo por não ter me preocupado mais. Sinto a mão de Ítalo tremendo quando o médico diz que está tão avançada que uma quimioterapia não seria o aconselhável e que agora devemos conversar sobre outras opções e cuidados paliativos. Tento lembrar sobre coisas que li sobre o câncer e o bombardeio com perguntas vendo o semblante de impaciência no rosto dele ao responder cada uma e dizer que há outros pacientes.

— Ele é um médico recém-formado. Não sabe porra nenhuma sobre câncer!

Ítalo sai desesperado querendo mais informações. O oncologista não é um novato e o diagnóstico está certo, disseram. Cabe a nós procurar outro hospital ou entender que é isso mesmo. Dói, mas é a verdade.

Bernardo foi me buscar a pedido de Ítalo. Ele dormiria no hospital e eu iria para a minha casa tentar me acalmar para o Valentim ficar bem.

— Isso tudo é muito escroto! — Bernardo bate com força no volante parando na frente da minha casa. — Conheço Yara desde moleque e não poder fazer nada é ridículo.

— Bernardo...

— Não precisa falar nada pra me confortar.

Então, sem vergonha alguma, Bernardo tira o cinto, encosta a cabeça no volante e chora alto. Encosto a mão em seus ombros que tremem a cada soluço e fico quieta, pois sei que nenhuma frase é capaz de amenizar esse sofrimento. Choro também, pois eu amo Yara e sentir essa inutilidade é uma das piores coisas. Bernardo religa o carro e diz que precisa se acalmar para ficar com Ítalo no hospital.

— Eu queria ficar com ele.

— Vou cuidar bem dele.

Abraço forte Bernardo e choro um pouco mais sabendo que estou molhando a camisa polo dele. Diferente de mim e dele, Ítalo não chorou e tenho medo quando ele não aguentar mais esconder esses sentimentos.

Antes de sair do carro, vejo Jessica chegando ao meu portão e fica parada me esperando sair do carro. Não precisamos falar nada, pois quando nos abraçamos as lágrimas caem e ficamos assim por mais tempo que imaginei. Apesar de pouco tempo, Yara é a mulher que todos querem e deveriam conhecer, então essa notícia abala todos.

Tomo um banho, me deito na cama e Jessica mexe em meu cabelo enquanto tentamos lembrar tudo de bom que Yara nos disse e todas as perguntas inconvenientes.

— Ela está viva, Ju! Vamos ter esperanças.

Sei que Jessica é cética demais para isso e também sei que ela só está querendo me acalmar. Enquanto comemos um saco de jujubas que ela me trouxe, converso com Ítalo no WhatsApp tentando o deixar calmo. Rômulo não foi ao hospital e devo dizer que não estou surpresa, mas sei que Ítalo está com a melhor companhia.

Ítalo: Será que as coisas nunca vão dar certo pra mim? - 04:09

Escrevo que o amo, mas não envio. Não consigo me declarar nesse momento. Tento o acalmar com frases clichês, mas prefiro dizer que estou do lado dele para qualquer coisa.

Quando tudo está bem parece que sempre há algo para atrapalhar. Mas não perderei a fé. Yara vai sair dessa.

Quando estiver sóbrio (COMPLETO)Where stories live. Discover now