38ª dose

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Para provar que não está magoado, Ítalo voltou a ser o mesmo de antes. Na noite anterior, foi à balada com seus amigos e postou o mesmo vídeo idiota de sempre, mas agora sem nenhuma mulher. Até Bernardo estava virando uma garrafa de vodka. Sua ironia e mau humor voltaram também e, por mais que ele tenha me irritado a gravidez toda por ser assim, gostei do retorno do Ítalo Moraes rabugento e sem filtro.

Por razões maiores, voltamos com a terapia. Ítalo reclamou muito, mas eu consegui fazer com que ele aceitasse. Todas as vezes, fiz questão de ser atendida primeiro, mas dessa vez eu quis que ele entrasse na minha frente. Sinto que ele precisa falar com alguém, e sinto que também preciso. Não está nada fácil.

— Como se sente com a volta do seu pai?

Não sei se é antiético, pois não sei muita coisa sobre terapia alternativa. Apenas sei que se fosse com um psicólogo, não poderia fazer o que ela está fazendo, mas é alternativa, então, quando ela me entrega um tablet dizendo que está implementando imagens ao seu método e que vai começar testando comigo e Ítalo, eu não reclamo. A sala é gravada e eu continuo ouvindo tudo pelo fone. Antonella cruza suas mãos em cima de seu joelho. Seu coque está bem feito, sem nenhum fio fora do lugar. Ela encara Ítalo e agora eu encaro também.

— Chame de Rômulo apenas — Ítalo diz ríspido e ela balança a cabeça gentilmente. — É como se ele não estivesse ali. Normal!

— Mas ele está ali. O que mudou?

— Nada!

— Acha que vai mudar?

É óbvio que ela sabe que algo mudou. Não precisa ser uma profissional para perceber isso. Ítalo diz que não vai deixar que nada mude e ela insiste. Pergunta se ele acha que Rômulo está arrependido pelo que fez. Ela expressa isso como se Ítalo tivesse sido simplesmente deixado de lado por um tempo, como se fosse apenas um incidente após o horário escolar. Ela não trata a situação com a gravidade que tem. Não consigo entender como isso vai dar certo.

— Óbvio que não.

— Você já sentou e conversou com ele?

— Pensei que essa terapia fosse para eu ficar de boa com a Julia. Até agora não falou nada sobre ela. Estou no direito de pedir meu dinheiro de volta então — responde de forma rude.

— Me desculpe! — ela diz com um sorriso no rosto. — Você e Julia estão se dando bem?

— Uhum.

— A volta do seu pai vai mudar algo entre vocês dois?

Ele revira os olhos e eu rio da expressão dele. Antonella insiste. Quer fazer com que Ítalo fale o que está sentindo. Posso até entender que faz parte da terapia, mas não consigo achar isso legal. Era tudo sobre Ítalo e eu, como isso passou a ser sobre Rômulo?

— Não tenho pai.

— Negação é a primeira etapa quando ocorre um problema, Ítalo.

— É mesmo? — ele ri. — Deve ser por isso que ele negou a paternidade. Era visto como um problema, né? Dane-se! Quando quiser falar da Julia, me avise.

Ele levanta e sai da sala. Ela não o impede. Quando ele vem até onde estou e diz que só estamos perdendo tempo, eu tenho que insistir para que fique até acabar a minha vez. Confesso que não gostaria de entrar na sala dela hoje, mas, se Ítalo enfrentou isso, eu também posso.

Entro. Antonella faz perguntas normais e eu rezo que continue assim. Não quero falar sobre Rômulo. Não quero magoar Ítalo. Mas ela pergunta, insiste e eu acabo falando.

— Tem medo de algo?

— Tenho receio que Rômulo o machuque emocionalmente.

— O que você acha que Rômulo quer?

— Desestabilizar Ítalo. Deve ter cansado da vidinha sem responsabilidades e resolveu aparecer.

— Não acredita que ele possa ter boas intenções?

— Boa intenção? Sério?

Eu não sei o que Rômulo quer, tampouco o que Ítalo sente. Não consigo ser aquela que pensa sempre no melhor das pessoas. Dezoito anos sem aparecer. Ítalo não precisa mais de um pai, pois ele já é um. Ele só precisa de Yara, seus amigos e Valentim. Rômulo é uma distração desnecessária. Penso, mas não digo. Sei que Ítalo está do outro lado escutando e não quero magoá-lo. Apesar das brigas, eu cresci em uma família unida. Meus pais nunca pensaram em me largar, então o sentimento de desprezo por parte dos pais, eu não sei como é, então tento ter cautela com as coisas que irei dizer. Não quero feri-lo. Acho que Ítalo tem razão quando diz que estamos perdendo tempo aqui.

Pedi para não falar sobre Rômulo e conversamos um pouco mais sobre Yara, Valentim, meus pais, Bernardo e Ítalo. Quando saio da sala, Ítalo está com seu celular e o seu próprio fone. O tablet está em cima da mesa, intocado. Não me importo se ele não ouviu nada. Sinceramente, essa sessão nem deveria ter acontecido. Concordo que a volta de Rômulo afeta tudo, mas a terapia não é sobre ele. Ítalo não precisa se sentir tão mal fazendo algo que é para deixá-lo bem. Também concordo que é um longo caminho a ser discutido. Ele treme quando Rômulo diz ou faz algo. Talvez Ítalo precise tratar esse desprezo, mas não com Antonella. Alguém especializado em abandono familiar.

Uma hora depois, já estou em casa. Não na minha casa, mas na casa de Ítalo. Queria saber como ele ficaria depois.

— Como foi a terapia, minha querida? — Yara diz ao sentar no sofá.

Olho em volta e parece que Rômulo não está. Vejo tintas da cor cinza na frente do quarto de Valentim e por um momento fico tensa e irritada, mas não pergunto nada a Yara. Não quero tocar no assunto. Do jeito amoroso que ela é, cedeu o quarto para ele. Ítalo se tranca e decido deixá-lo sozinho.

— Antonella fica falando sobre Rômulo. Não sei se vale a pena continuar indo.

— Minha querida, se algo vai mal temos que tratar só uma parte ou tudo?

— Mas Ítalo fica triste.

— Mas é uma tristeza necessária.

Não quero falar mais nada. Me sinto mal sentando em uma poltrona e medindo as palavras que vou dizer porque alguma coisinha errada pode ferir Ítalo. Não consigo passar a mão na cabeça de pais que abandonam seus filhos e voltam achando que isso é normal e não tem efeito nenhum na vida de ninguém. Tem sim, e eu estou vendo isso de perto.

Vou ao quarto e Ítalo está dormindo. Não quero voltar à sala e conversar com Yara. Ela está achando tudo muito maravilhoso e não tem pensado em como Ítalo se sente. Eu amo o jeito dela, mas não conseguiria carregar o mundo nas costas como ela faz. Rômulo deve ter puxado ao pai porque a mãe eu tenho certeza que não foi. Eu tenho que saber o que ele quer. E rápido.

Deito ao lado de Ítalo e durmo. Quando acordo, ele está de toalha procurando uma roupa. Diz que vai sair e eu me levanto para ajeitar meu cabelo e ir embora. Ele diz que posso ficar, mas prefiro ir para casa. Tenho que falar com Jessica e passar algumas roupas do Valentim.

— Obrigada — sussurro.

Não tenho intenção de que ele escute, mas ele me olha e pergunta o motivo. Sinto vontade de chorar e digo que agradeço por ele não ter me deixado, por ser diferente de Rômulo, por não me deixar encarar tudo sozinha. Começo a agradecer por tudo, pois quero que ele saiba que é melhor do que toda essa situação. Ele sorri meio sem jeito e me abraça. Por um momento, penso que vai me beijar, mas estamos indo com calma, então apenas beija minha testa e diz que não preciso engrandecer tudo o que fez e que errou demais. Diz que é sua obrigação ficar ao meu lado. Finjo que ele não disse nada e o abraço mais. Não ligo se ele está de toalha e seu corpo molhado está bem próximo ao meu, me fazendo pensar em coisas que não deveria. Só ligo que, apesar de todas as suas falhas e infantilidade, ele está aqui sem intenção nenhuma de deixar o Valentim crescer sem pai. Ítalo Moraes pode ser o cara mais idiota que conheci na minha vida, mas ele não me deixou sozinha.

Quando estiver sóbrio (COMPLETO)Where stories live. Discover now