35ª dose

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Acabei pegando no sono de madrugada. Não sei bem a hora, mas lembro que Ítalo já tinha terminado uma garrafa inteira de vodka e permanecia sentado no chão. Enquanto eu dormia tranquilamente, ele continuava ali, imerso em seus próprios pensamentos, perdido em tantas emoções.

Ele está trancado há meia hora no banheiro. Posso ouvir que está vomitando e escuto reclamar de dor de cabeça. Já bati na porta duas vezes, mas ele diz que é melhor eu não ver seu estado lamentável. Digo que vou até a cozinha pegar algo para comer e o chamo para ir também. Ele se recusa a ficar de frente com Rômulo e eu não digo nada, pois faria o mesmo.

— Então você é a mulher do meu filho?

Rômulo chega atrás de mim enquanto estou procurando remédio para Ítalo. Penso antes de responder algo, mas não consigo compactuar com essa cena ridícula de "a volta do pai". Estou com raiva. Ele sabe que me tira do sério, por isso continua com suas piadinhas irritantes. Queria ficar quieta, mas ele insiste em provocar, como se quisesse que eu brigasse com ele, que eu saísse do sério. Parece que ele está buscando uma reação minha, e isso só me deixa ainda mais furiosa.

— Não sou mulher dele e, me desculpa a sinceridade, mas ser pai não é só questão de sangue, então tenho duas respostas negativas pra você.

Aquele homem à minha frente não é o pai de Ítalo. Ele é um qualquer que resolveu desprezar a paternidade. Mais um dentre milhares que abandonou o filho e não foi punido por isso.

— Minha querida, ele não quer abrir a porta.

Os olhos de Yara estão lacrimejando e ela carrega uma expressão que eu nunca tinha visto. Uma parte de mim quer que ela expulse Rômulo e o despreze, mas a outra entende que é o filho dela e que eu provavelmente faria a mesma coisa.

Acho o remédio e pego o almoço que Yara colocou para Ítalo. Sei que não vai querer, mas eu tenho paciência de insistir que ele precisa comer algo. Dou um abraço em Yara antes de sair. Ela realmente não merece isso.

Ítalo acabou de tomar banho e está deitado na cama apenas com uma toalha enrolada na cintura. Seus olhos estão fechados e suas mãos estão pressionando algum ponto da cabeça enquanto uma careta de dor surge. Conto sobre Rômulo querer puxar assunto comigo. Ele fica quieto, inexpressivo.

— Ítalo, você tá bem com tudo isso?

— Muito bem.

— Admitir algo não é fraqueza!

— Peraí, tenho que sentir o quê? Eu nunca vi esse homem. Não dá pra sentir porra nenhuma por ele.

— Tirando amor, você pode sentir a porra toda por esse cara.

Ítalo levanta e fica de pé perto da janela semiaberta. Ele encara a rua. Pede desculpas por ser grosso, mas diz que realmente não sabe o que sentir, e é por isso que não quer ver sua avó. Diz que ela vai esperar alguma reação dele, mas vai se frustrar, porque ele não vai demonstrar nada. Vejo seu semblante inexpressivo e, por mais que eu queira acreditar que não está sentindo nada, sei que está. Essa máscara de cara forte e sem sentimentos está caindo aos poucos.

— Finge que ele não está aqui, ok?

Deixo a comida e o remédio na mesa do computador e o abraço por trás. Ele não recua.

— Só sinto pena da minha avó.

Ele alisa minha mão e se vira. Fica me encarando enquanto eu deixo minhas mãos no peitoral dele.

— Vamos ver o que acontece, tudo bem? — É a única coisa que consigo dizer.

Ele assente e coloca a mão na minha barriga. Eu sei que dói, mas eu nunca vou poder saber qual é a intensidade. Ítalo pode até ser um idiota, mas não merece passar por algo desse tipo. Ninguém merece.

Quando estiver sóbrio (COMPLETO)Where stories live. Discover now