42ª dose

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Pode ser um pensamento horrível, mas coisas ruins só deveriam acontecer com pessoas ruins. Yara é boa demais para enfrentar isso, mas eu ficarei ao lado dela até o último momento que espero muito que demore.

Yara fica dois dias no hospital após passar por uma equipe de cuidados paliativos que tenta acalmá-la nesse momento até conseguir alta. Ela aceita bem quando o médico diz que sua doença está em estágio terminal, apesar de confidenciar que ama viver e querer mais tempo. Ela é bem forte. Apesar das dores que surgem e do mal-estar, Yara consegue sorrir como se não estivesse passando por nada. Mas está, e a cada dia piora.

Quando voltou para casa, eu estava lá, me mudando novamente para ajudar. Porque Yara estar em casa não significa que ela está boa demais para ficar no hospital, significa que ela escolheu esse momento para estar em seu lar. Li que é bom. Se ela ficar bem, sua morte pode até demorar um pouco mais. Farei de tudo para ela não se sentir mal. Também estou aqui porque, nos últimos dois dias, senti medo de olhar para o meu telefone. Medo de receber uma ligação e ouvir aquelas palavras que eu nunca quero ouvir. Toda semana, alguns médicos de diferentes especialidades vão controlar os sintomas físicos e emocionais e nos guiar nessa fase de cuidar de um paciente terminal.

Yara pede para não sentirmos pena dela porque sua vida foi boa, e eu me tranco várias vezes no quarto para chorar. Ítalo não chorou nenhuma vez, mas seu semblante é de uma tristeza imensa. Diminuiu o horário do trabalho para passar mais tempo em casa. Seu patrão foi bem empático quando ele explicou a situação e deixou claro que se não pudesse ficar menos tempo, ele largaria. Sei que precisamos de dinheiro principalmente agora, mas também sei qual é o medo de Ítalo. Minha família, Jessica e seus amigos estão ajudando com tudo o que Yara precisa. Cada minuto é válido.

Raramente fico sozinha em casa. Sempre tem um dos amigos de Ítalo aqui, Jessica ou meus pais. Todo mundo está ajudando, mas não diria que é mais fácil. Ver Yara com o rosto amarelo e magro faz meu coração se partir em um bilhão de partes, mas ela mantém o bom humor. Diz para eu pensar em coisas boas e que a morte é apenas um descanso. Quero acreditar nisso, mas o meu cérebro só consegue pensar no quanto isso é injusto.

Ítalo, que reclama tanto da minha obsessão por pesquisas, está empenhado. Diz que a sobrevida de alguém com carcinoma hepatocelular — sim, agora ele usa termos médicos — chega a cinco anos e que podemos insistir com o médico sobre a quimioterapia. Diz coisas como: "Podemos perguntar ao oncologista se a terapia alvo com sorafenib pode ser utilizada em um câncer já em estágio terminal. Vai que ele consegue retardar o crescimento, né?" ou "Fígado se regenera, então eu posso falar com ele para fazer os exames e vê se é possível eu doar uma parte do meu para ela. Vale tentar, né?".

— Vai dar tudo certo — sussurro.

— Pai, amanhã podemos verificar se somos compatíveis para doar uma parte do fígado.

Não me sinto confortável quando ouço Ítalo chamá-lo de pai, mas isso não tem nada a ver comigo. Sei que ele está feliz, e merece isso. Não sei como é viver sem meu pai. Não sei como agiria se eu estivesse no lugar dele. Sorrio, pois vejo que ele tem esperança de que tudo dê certo e transmite isso para mim, mas meu rosto fecha quando Rômulo diz que não quer passar por cirurgia alguma e que cicatrizes são horríveis.

— Foda-se você então — digo a Rômulo. — Ítalo, podemos perguntar ao médico se transplante é uma opção. Tenho certeza de que qualquer pessoa que ama Yara vai ajudá-la.

— Foda-se você então — Ítalo repete, encarando Rômulo.

Estou dormindo no quarto do bebê. Não quero forçar novamente a barra. Valentim parece que está pressionando a minha bexiga, então tenho que levantar às três da manhã. Ítalo e Rômulo estão conversando na sala.

Quando estiver sóbrio (COMPLETO)Where stories live. Discover now