6ª dose

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Uma hora tudo desmorona e você tem que escolher se é aquela que coloca tudo abaixo ou morre entre as pedras. Eu escolhi os dois.

Depois da conversa que eu tive com Ítalo percebi que era hora de comunicar aos meus pais sobre a gravidez. Esperei dois dias. Dois intermináveis dias em que eu acordava, jogava minha coberta no chão e olhava minhas roupas procurando um sangramento. O mesmo que aparece em filmes onde a cena não é uma adolescente querendo que sua vida volte como antes.

Não consigo me olhar no espelho. Sinto que me tornei uma péssima pessoa só por estar grávida. Tenho vergonha de mim, mas preciso encarar isso. Não posso ficar adiando uma notícia dessas. É mais fácil eles descobrirem por mim antes da minha barriga denunciar o que está acontecendo. Eles merecem sinceridade, mas falar em voz alta torna tudo mais real, e eu estou com medo.

Minha mãe chega do trabalho antes do que o meu pai e, pode parecer estranho, mas conversar com ela me dá mais medo do que com ele. Meu pai é mais tranquilo, creio que não vai surtar igual a minha mãe e igual a mim. Ele vai respirar pelo menos umas vinte vezes até dizer algo. Bom, eu acho. Sempre cometi infrações leves, nada como uma gravidez para testar a paciência dele.

Olho para as minhas unhas e percebo que todas estão roídas. Um nervoso começa a aparecer enquanto a hora da minha mãe chegar se aproxima. Decidi contar para os dois juntos. Não sei nem como começar a contar, então não quero precisar fazer isso duas vezes.

Tentei me acalmar um pouco, mas não consegui. Às vezes me acho muito madura, mas a verdade é que eu só tenho dezessete anos, então uma notícia dessa vai afetar a vida de todos. Nós temos uma percepção totalmente distorcida. Até umas semanas atrás eu me sentia extremamente madura e independente, hoje eu sou só uma adolescente querendo correr para baixo do cobertor dos pais porque fiz algo errado.

— Comprei a banana que você pediu. — Minha mãe diz assim que entra em casa. — Tá tudo caro! Logo vou ter que pagar trinta reais em um cacho de banana.

— Mãe? — chamo

Meu pai chega logo atrás e, pela a altura que minha mãe fala, ele escutou a reclamação antes de abrir a porta.

— Mas também, né? A tendência é sempre piorar, Eliza. — Ele me olha. — Oi, Ju. Pensei que você estivesse com Jessica. Como ela está?

Digo que ela está bem e respondo as perguntas que eles fazem. Estou com medo. Péssimo dia para a minha mãe reclamar do preço das coisas. Necessito urgentemente arrumar um trabalho, mas, sem gravidez era difícil, agora é duas vezes mais. Minha mãe comprou algumas coisas e meu pai encontrou com ela no mercado. Não sei se o universo tem algo a ver com isso, mas os dois chegando juntos diminuiu um pouco a minha tensão.

Espero que eles tomem um banho e os reúno na sala. Relembro alguns sites que li sobre a conversa com os pais. Eles me olham assustados e eu sei que quanto mais rápido contar, mais rápido ficarei livre desse segredo. Mandei uma mensagem antes para Ítalo dizendo que contaria agora e ele apenas me respondeu "boa sorte". Queria que ele estivesse aqui. Ou não. Sei lá. Está tudo muito confuso.

— Mãe, pai — respiro fundo. — estou... — travo.

Parece que vou perder o ar a qualquer momento. Estou sufocando, suando e tremendo. Estou com vontade de vomitar, mas respiro fundo porque chegou a hora. Não posso adiar.

— Está o quê, Julia? — minha mãe pergunta.

— Tá doente? — meu pai me olha preocupado levando a mão até a minha testa para ver se estou com febre.

— Estou grávida! — digo de olhos fechados e mordo um pouco meu lábio inferior. Abro os olhos.

É hora de encarar a realidade.

Quando estiver sóbrio (COMPLETO)Where stories live. Discover now