Capítulo 32: o covil do diabo - Parte 1 de 1

96 18 9
                                    

Todo demônio possui seu covil, a boca que desafoga na garganta que ele toma como lar. O covil daquele que assombrava Nessuno era uma roça no meio do cerradão com um espaço para horta cheio de capim, um curral de gado há muito vazio e um casebre de pau a pique no meio da abertura na floresta. A maldade transbordava do lugar.

Após vários minutos caminhando pela mata, sentindo o cheiro de fumaça tornar-se mais intenso, os detetives pararam antes do início de uma clareira. Os instintos alertavam, aquele era o lugar.

O inferno os aguardava.

Seus corpos sentiram um calor grande proveniente do espaço, o medo os cobriu; a fogueira ardente acusava: contemplavam o covil do diabo. Após anos de profissão, os detetives enfim se encontraram diante de uma situação na qual sentiam que o mundo não seguia regras compreensíveis. Tiveram medo antes, mas entendiam o porquê. Neste momento, o medo que sentiam era incompreensível. Olhando o fogo queimar, lembravam-se de não conseguir dormir à noite com medo de algum monstro os levarem. Era o medo do inimaginável.

E, como as lendas sempre dizem: aproxime-se destas coisas e o mal emergirá.

Um homem grande se movia no local, como Cerberus a guardar uma entrada proibida. Então, por um segundo, os detetives se entreolharam. E os olhos encontraram a carroça perto de um curral caindo aos pedaços. Era o mesmo homem que estava no posto dias antes. O mesmo. Estiveram a um palmo do filho da puta que procuravam, mas, ainda assim, fizeram tudo errado. Os detetives haviam atirado para o lado certo, mas erraram o alvo e acabaram mexendo com quem não deviam. Com as pessoas erradas. Como puderam ter aceitado a imagem daquele ser em meio à cidade? Como, pelos céus, não perceberam? COMO? Era uma pergunta que não saberiam responder.

A mão de Fontes latejava... seria diferente se tivesse olhado para o infeliz com outros olhos; e a dor estaria ali, fantasma, para sempre, para lembrá-lo disso.

Mas quanto dura o sempre?

O casebre de pau a pique, bronzeado pelo fraco sol que anunciava o crepúsculo, parecia tomado por uma aura ruim. O barro exalava toda a podridão da qual o mundo tentava se livrar. Era um cheiro doce e queimado de...

A ideia nauseou Fontes, que se escorou no colega. Este ainda não entendia.

"Fogo...", a pequena havia dito.

A vontade que o acometia era de gritar, chorar... matar-se. A ideia do que se passava naquele lugar o fizera perder a vontade de viver. Lembrou-se, então, dos corpos deixados para trás...

Isso é o ser o humano? Isso é ser humano?

O fim estava próximo, ele sentia, e... o inferno nos aguarda... o inferno aguarda a todos.

A mão de Silas pressionou seu braço fortemente. Ele percebera a verdade também; apontava em direção ao homem, em direção à fogueira. Ele via a verdade.

Silas mordeu o lábio, forçando-se a guardar o grito, e sangue escorreu por seu queixo. O homem carregava, amarrado a um pedaço de madeira, um menino, segurando um facão na outra mão.

Ele o levava para o fogo.

Silas não conseguiu se segurar. Fontes tentou firmar seu braço com mais força, mas ele se libertou com facilidade.

NÃO! – gritou, saindo da clareira e brandindo sua .38.

O menino já estava muito próximo ao fogo. O calor já o dominava.

Genésio, ouvindo o grito, largou-o, virando-se para o intrometido que invadia seu ritual.

Houve um tiro.

Bang!

SEU DESGRAÇADO!! – Silas gritava, puxando o cão da arma e correndo em direção ao homem, que apenas o olhava. Estava se aproximando. – MONSTRO!

Outro tiro. Estavam, então, a cinco pés um do outro.

O barulho fez com que Genésio saísse de sua inércia. Rugindo, brandiu o facão e correu em direção ao detetive, que parou, congelado.

O medo...

AAAH! – Genésio berrou, acertando o braço que segurava a arma, decepando-o e derrubando a arma, revelando osso, carne e sangue jorrando onde antes estava o cotovelo.

Silas fitava-o incrédulo, temente, não tirando os olhos do vão do globo ocular do homem. Infernal. A morte o beijaria da pior forma possível.

Sua boca era rachada.

AAAAAAAAAAAAAAH!! – Genésio rugiu, novamente, acertando o facão deitado na barriga de Silas, deixando um corte horizontal gigantesco na altura do estômago. Silas, babando sangue, pôs o restante do braço dilacerado sobre o corte.

Genésio preparava outro golpe, quando Fontes

(Deus... isso não é um pesadelo)

saiu do mato, sacando sua arma.

NÃO! – gritou. – PARE!

O monstro o olhou. Estava todo pintado de vermelho. O sangue de seu amigo.

NÃO! PORRA! NÃO!! – Continuava apontando a arma.

Genésio sorriu, urrando uma outra vez, avançando sobre o detetive Fontes. Ele tentou atirar, mas

(isso não pode estar acontecendo!)

a mão doía de modo tão intenso que ele não conseguiu, deixando a arma cair em uma horrenda tentativa de defender-se.

Estava paralisado.

Arregalou os olhos, boquiaberto, esperando o pior.

O homem vinha correndo, em fúria.

(Tudo aconteceu tão rápido.)

A morte se aproximava.

Fechou os olhos, virando o rosto para o último grito de seu carrasco. Não passava de um refém do medo...

E então houve um estouro.

BANG!

Fontes abriu os olhos. O homem desacelerara o passo.

BANG!

O monstro bamboleou após o segundo estranho barulho. Sangue escorria de sua boca. O facão caiu ao

(Deus, é você?)

chão e, em seguida, ele desabou.

Fontes não podia acreditar no que via. Era um menino, o menino, com parte do corpo queimada... ele erguia a arma ensanguentada de Silas.

O garoto sorriu – havia deleite em seu sorriso, havia paz – e também caiu.


Um Perverso Tom de VinhoWhere stories live. Discover now