Capítulo 30: o ápice da felicidade - Parte 2 de 2

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É o medo que nos derrota no fim. Impede-nos de puxar o gatilho antes que seja tarde demais, paralisa-nos frente ao perigo eminente e aflora em nosso peito quando mais precisamos de coragem. Vença seu medo e será muito difícil derrubá-lo.

É o medo, também, que desacelera os nossos passos nos momentos em que a pressa é bem-vinda.

Com as armas em mãos os detetives seguiam pela mata, buscando o caminho de onde a pequena aparecera, arrependidos pela decisão que tomaram. Devíamos ter deixado isso para os PMs. Tinham as camisas empapadas de suor, resultado do calor, da agonia e do estresse. Fontes seguia na frente; Silas na retaguarda. Não sabiam ao certo o que encontrariam. Um monstro? Mas monstros não existem.

(Ou existem?)

Um sentimento conflitante imperava nos dois detetives: os homens que desejavam se tornar heróis, salvando os pequenos desaparecidos, disputavam espaço com as assustadas crianças que temiam abrir o armário à noite. Estavam amedrontados. Ambos pensaram em dar meia volta, dizer que não encontraram nada; esperar por reforços, tomando uma bebida quente e fumando um cigarro (ou algo mais forte). Longe de ser uma atitude nobre, mas quem eles queriam enganar? Até o ouro de suas correntes era falso.

A despeito disso, seguiam em frente...

As árvores pareciam maiores à medida que evoluíam no percurso, mais tortuosas; os troncos adquiriam rostos. Os sons dos animais começavam a se transformar em risos. Risos humanos. E, apesar de estarem no meio da tarde, até o sol parecia se esconder. O estômago se contorcia dentro de suas barrigas. Fontes sentia a mão esquerda tremer; Silas sentia as duas tremerem.

– Zé... – Silas chamou o amigo, aproximando-se, agachado.

– Humm – a respiração pesava.

– Acho melhor voltarmos, cara... isso... isso tá cheirando a merda.

Fontes se virou para o amigo, surpreendendo-se ao observar o quão seu rosto estava inchado. Queria voltar; muito. A machucada de seu amigo, porém, estampava mais que feridas; trazia uma dura verdade: se voltassem de mãos vazias, o próprio Suíço os mataria. Simples assim. Poderiam fugir, mas para onde? Mendigar em Belo Horizonte? Sumir para o Pará? Arriscar a vida em São Paulo? Não... Nessuno os possuía. Ademais, o Suíço era, na concepção de ambos, pior do que qualquer monstro que pudessem encontrar neste caminho.

– Silas, cara... – Fontes passou a mão no próprio rosto, explicitando, também, seus dedos faltantes. – Se voltarmos... – respirou fundo. O silêncio era explicação suficiente.

– Cacete! Que isso? – Silas gritou após ouvir um barulho próximo a eles.

Alguns pássaros-pretos voaram das árvores, assustando-os, fazendo-os pular, apontando a arma para todos os lados.

– Cacete... – Fontes falou baixo, levando a mão ao peito. Enfartaria, com certeza, até o final daquele dia.

– Eu não quero morrer, Zé... porra, eu não quero morrer mesmo. Fodam-se essas crianças. Foda-se o Suíço! Vamos fugir, cara. É o melhor que podemos fazer. – Falava baixo, tomado por um alto nível de estresse. Havia medo e melancolia em seus olhos.

Fontes, olhando para o amigo, pensou nas crianças, nas mães, nas histórias que lia no jornal... pensou em si mesmo e sobre sua própria vida: suas dificuldades e seus medos. Pensou no inferno que o aguardava após a morte e nas palavras que seu pai lhe dizia: "um ato, filho... um ato de redenção para limpar os pecados de toda uma vida. No fim, é isso". Seu velho era um homem temente a Deus, a despeito de ter seguido pelos descaminhos da vida, cobrando dinheiro para os agiotas da cidade.

Fontes não era um grande católico, mas a ideia de passar a eternidade no inferno, ardendo em chamas, pagando por seus malditos pecados, não lhe agradava. Não lhe agradava nem um pouco.

Um ato...

– Silas – disse. – Se você quiser ir embora, agora é a hora. Eu não vou parar... porra, eu vou salvar essas crianças. Eu tenho que salvar essas crianças.

– E como você sabe que vamos ao menos encontrá-las?! – indignou-se. – Até onde sabemos, podemos estar andando à toa, caralho! – dizia, mas sentia que não era verdade. Sentia que havia algo não muito longe dali. Sentia um cheiro...

(Fogo.)

Fontes olhou-o por um instante, desviando o rosto em seguida e voltando a caminhar.

– Faça o que quiser.

Desgraçado, será que você... – começou a discutir, mas era em vão. – PORRA! – Alguns animais se agitaram na mata com o grito, dando-lhe outro susto. – Porra! – E seguiu o amigo.

O cheiro

(cheiro adocicado de carne queimando)

tornava-se mais perceptível, começando a arder as narinas.

(Fogo...)

Compartilhavam um pensamento e um medo: o inferno nos aguarda.

Um Perverso Tom de VinhoWhere stories live. Discover now