Capítulo 27: o paradoxo da saudade - Parte 2 de 3

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 Ei! – seu pai gritava, bêbado, como sempre. – Onde você tá, seu infeliz?

Ouviu-se um golpe na parede. Genésio abraçou com mais força os joelhos. Seu corpo já doía.

– Aí está você, seu pequeno assassino ingrato. – Acertou-lhe com a fivela do cinto. – Matou sua mãe no dia em que nasceu... – Seu pai insistia em repetir-lhe essa história várias e várias vezes. Sua mãe; seu irmão; a miserável vida de seu pai. A culpa era toda dele. Toda.

Um novo golpe lhe acertou o rosto. Já tinha dezesseis anos.

– Papai...

– CALADO! – gritou, acertando-lhe um tapa na orelha. – Seja um bom garoto e vá buscar uma garrafa pro seu pai. – Ele se escorava na parede daquela mesma casa, sentando-se aos poucos. – Se não Moloque certamente fará churrasquinho de você! Um pequeno sacrifício ainda é um sacrifício, seu monte de estrume.

Genésio tentou sair correndo; buscar logo a bebida do pai. Não queria decepcionar Moloque, muito menos o pai. Não queria, nem podia, ser queimado, se não quem cuidaria de seu papai? Seria um filho ainda mais decepcionante... e essa ideia, mais do que tudo, o assombrava.

Seu pai começou a gargalhar, fazendo-o recuar um passo.

– Você sabe por que se queimam as crianças, filho? – ele ria e Genésio prestava atenção às suas palavras. Seu pai era sua única fonte de sabedoria, já que nunca fora à escola. – Queimam – disse, arregalando os olhos – para salvar a alma do mundo! Pela prosperidade – gargalhava. – É o que Moloque nos pede. É o que ele nos pediu, seu assassino de família. Um sacrifício em holocausto, alguém uma vez me disse... das cinzas tudo virá! Das cinzas você veio, desgraçado! Você! – Genésio invejou o comprometimento dessas pessoas; sacrificavam seus próprios entes queridos pelo bem do mundo. – Vá buscar a maldita bebida, desgraçado! – ele gritou, lançando sobre o filho uma garrafa vazia. Genésio se esquivou da garrafa atirada, correndo para buscar outra bebida. – E DEPOIS VAI CAÇAR PARA TERMOS O QUE COMER! – seu pai gritou. – E TRAGA OS COGUMELOS. POR MOLOQUE! ELES SÃO SAGRADOS, FILHO! AH, SE SÃO! – gargalhou.

Genésio guardou as palavras e saiu correndo para cumprir suas ordens. Risadas somadas a choro distanciavam-se no cômodo em que o pai estava se deitando.

Genésio jurou que um dia salvaria seu papai. Salvaria ele e o traria das cinzas, como Moloque fez com ele. Salvaria seu papai e o faria ter orgulho de si.


Um Perverso Tom de VinhoWhere stories live. Discover now