Capítulo 6: das cinzas como eu, papai - Parte 1 de 2

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Distante de Nessuno, os gritos de Genésio retumbavam, sonâmbulos, pelo casebre e assombravam as crianças no quarto escuro que compartilhavam com os ratos.

Não, papai! Eu não quero ir! NÃO!

Elas gemiam, agarrando as mãos umas das outras. O cheiro nauseante de carne queimada, para essas crianças, era pior que o mais absurdo monstro que poderiam imaginar.

NÃO, PAPAI! EU NÃO QUERO! POR FAVOR, PAPAI! NÃO!

Após o último grito, o silêncio recaiu sobre o local. Não saberiam dizer se era melhor assim.

A menina recém-capturada – que não mais poderia ir às missas de que tanto gostava – não parava de chorar. O garoto que estava ao seu lado, talvez um ano mais velho, ou dois, apertou-lhe a mão.

Calma... alguém vai nos tirar daqui – ele tentava manter a voz firme, mas as lágrimas por seu rosto. O medo se tornava sua religião.

Eu tô cum fome – ela disse, com seu jeito infantil de se expressar. – Eu me molhei... – sentia-se envergonhada. A mãe a reprimiria deveras se soubesse que havia se molhado; é assim que uma menininha deve se portar? Pu favô, não conta pra mamãe...

Eu não conto – disse o menino que também havia se molhado várias vezes ao longo dos dias em que estava naquele lugar. Mas para ele isso não o importava. Não era o cheiro de urina que pesava, e sim um cheiro de alguma coisa queimada.

Tô cum medo... – a menininha levou as mãos ao rosto para enxugar as lágrimas.

Eu também...

Qual o seu nome?

Nícolas. E o seu?

Antes que pudesse responder, a porta rangeu. As crianças, presas pelas cordas, puderam notar que o dia se esvaía. Alguns tornaram a urinar-se, apesar da pouca água que ingeriam dos potes dispostos ao longo do miserável e úmido cômodo, que dividiam com os ratos. Bebê-la era algo ao qual se submetiam apenas em última instância.

– Tão com fome? – Todos estavam famintos, mas ninguém ousou responder. Não para o homem de boca rachada. – Não se preocupem. A comida já vem.

E a porta se fechou.

Rita... – a menininha disse, quebrando o silêncio, e voltou a chorar.

Um Perverso Tom de VinhoWhere stories live. Discover now