Os gêmeos aguardavam Fontes no café da Lúcia. O dia estava quente e eles tomavam uma Skol, ao som de Raul Seixas. Viraram seus copos e caminharam para o meio-fio,assim que notaram a C-10 se aproximar. Fontes não submeteria seu Dodge Dart às estradas de terra para as quais seguiriam.
– Prontos, senhores? – Fontes perguntou, ainda ao volante, com o motor ligado.
Ambos assentiram, já abrindo as portas.
– Ei, ei! Não tão rápido! Façam o favor de buscar umas latinhas de Skol pra mim antes de entrarem. Hoje tá quente como o inferno!
Uílson, abrindo a porta do passageiro, olhou para Uílton que, entendendo o recado, foi buscar a bebida para o senhor Detetive, contrariado, segurando-se para não falar algo que o colocasse atrás das grades, ou pior, debaixo da terra.
– E manda um beijo pra Lúcia!
Uílton voltou com um punhado de latas numa sacola.
– Aqui, sinhô – disse, fechando a porta.
– Muito obrigado, meu caro – pegou a bebida e deu um longo gole, engatando a primeira marcha, sem fazer a menor questão de oferecer alguma cerveja para os dois. – Espero que gostem do grande Tim Maia – colocou uma fita cassete no som e sorriu. – Agora sim! Podem me apontar o caminho. Vamos logo com isso.
"O caminho do bem... o caminho do bem... o caminho do bem... já iniciou... está acontecendo..."
Após dez minutos já não se viam as casas de Nessuno e, meia hora depois, Uílton disse para Fontes virar à esquerda, seguindo um estreito caminho de terra, mais feito para cavalos que para os poucos carros da cidade. Ainda bem que não vim com meu Dodge, pensou Fontes.
A rota levava a uma cachoeira de queda mediana, onde viam-se capivaras bebendo água e alguns índios se refrescando, nus, tentando amenizar o calor. A mata ao redor era densa; o cerradão protegia seus segredos da luminosidade do sol e impedia que aventureiros arriscassem um passeio à noite, encontrando aconchego na luz da lua.
Fontes parou a camionete a alguns metros da piscina formada pela queda d'água, sob a sombra de uma árvore solitária em meio à clareira. Podiam-se ouvir os pássaros; lindos cantos de sabiá. O detetive desceu e acenou para os indígenas, que retribuíram o aceno, curiosos com a situação. Os homens seguiram os passos de Fontes, repetindo seu ato, mais por medo do que por qualquer outra coisa; temiam aquela raça de homens de pele vermelha que habitavam a mata. Feiticeiros, selvagens!
– Pelo menos teremos um pouco de sombra – o detetive disse, olhando para o alto, observando as copas das árvores, ao seu redor.
A dupla apenas se entreolhou. Não gostavam da ideia de estar naquele lugar, e gostavam ainda menos do fato dos índios terem posto os olhos sobre eles; mas o senhor Detetive não era homem que você desejaria desagradar, logo era melhor pôr um rápido fim na situação, mostrar-lhe os ossos – dos quais nunca deveriam ter falado – e dar o fora dali!
– E, ah, cavalheiros... – Fontes os chamou, mostrando-lhes sua .38 na cintura. – É melhor nem pensarem em tentar alguma gracinha.
Eles engoliram em seco.
– É por aqui, sinhô – Uílson puxou a fila.
Fontes seguia atrás do par de caipiras que, hesitantes, penetravam na mata. Era irritante ver o medo e o cuidado com que eles prosseguiam; como paravam, atentos a cada barulho e olhando para ele como se implorassem para que os deixassem voltar.
– É bom continuarem... – Fontes disse em resposta aos olhares.
E assim o fizeram.
– Como vocês caçam aqui, afinal? Parecem que têm medo da própria sombra – Fontes afastava do rosto os galhos que atrapalhavam seu caminho.
YOU ARE READING
Um Perverso Tom de Vinho
Mystery / ThrillerNuma cidade boêmia como Nessuno, tem-se a impressão de que a noite existe para abrigar os fracassos, os pecados e os prazeres mundanos. Esvaziar um copo de bebida quente com a lua dominando o céu torna-se o sentido da vida. Vez ou outra, um novo mem...