Prólogo: sacrifício em holocausto - Parte 5 de 8

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Foram oito horas de caminhada sob um frio intenso, para o oeste, até Antônio avistar uma vila um pouco maior do que Mundinho. Genésio Segundo, nomeado após o assassinato de seu primogênito – e que ele jurara proteger –, permanecia vivo. Antônio teve a leve impressão de que mesmo que fossem dias de caminhada, ele permaneceria vivo. Sentia-se intimidado pelo garoto e envergonhado por isso.

Como nunca soubera falar neerlandês – Madalena cuidava dos diálogos, quando necessário –, o homem se deparava com outro obstáculo. Entretanto, era sabido (por ele e pelos outros homens) que um puteiro, por menor que fosse, possuía alguma estrangeira traficada por algum execrável que lhe prometera uma vida melhor. O mundo tem o péssimo costume de ser cruel com pessoas sonhadoras.

E para o bordel ele se deslocou.

Não foi difícil achar o lugar; homens degenerados desenharam o caminho para Antônio, que foi recebido com surpresa por trazer uma criança nas mãos. Como supunha, havia, sim, uma portuguesa no local. Chamava-se Maria; uma mulher muito gorda e com o cabelo descolorido mostrando a negra no topo da cabeça. O provável é que fosse uma judia tentando negar suas origens para fugir do triste destino sob a regime tirânico do Führer. Antônio não a julgaria por isso. Negar o próprio passado era o que ele faria dali em diante.

Antônio ofereceu o dinheiro que tinha a Maria para ajudá-lo com a criança. Ela aceitou, deixando o puteiro para cuidar do menino.

– Qual o nome dele? Genésio? Que nome horrível.

Antônio concordava.

– Onde está a mãe dele?

Antônio não queria falar sobre isso e demandou que ela nunca mais tocasse no assunto.

E assim ela o fez.

O improvável casal viveu sob o mesmo teto por um ano. A vila era mais próspera que Mundinho. Havia comida, mesmo que pouca, e com o tempo a carestia abandonava o solo holandês, mas deixando graves sequelas para lembrar a todos de sua passagem. A guerra acabara e Adolf Hitler morrera. Maria até mesmo se afeiçoara a Genésio. Paz... paz... paz...

Antônio, porém, afundava-se na bebida. Dedicava todo tempo livre à tentativa de esquecimento do passado.

(Ladrão!, assassino!, herege!, onde está seu filho? QUEIMADO! COVARDE!)

Um dia chegou em casa e viu Maria deitada com outro. O pequeno Genésio estava ao lado. O estopim de seu ódio, porém, foi observar as feridas na boca do homem que se postava nu, com o pau apontando em sua direção, assustado: as mesmas malditas feridas que lhe apareceram na boca e no seu próprio pau não havia muito tempo. As feridas faziam-no lembrar-se da boca de Genésio. Tal pai, tal filho. Isto apenas o encheu mais de ódio. A puta o havia enchido de doenças, pensava. Fodia com outro infeliz e passava-lhe suas enfermidades poucas horas depois. Puta desgraçada. Ela teria o que merecia. Oh, sim, teria. E Genésio, com seu lábio defeituoso, presenciaria tudo.

Para Antônio, que já matara antes, quebrar a garrafa no crânio do desgraçado não fora nenhum problema (afora o desperdício de alguns bons goles). Os gritos de Maria não o abalaram... nem quando ele afundou a garrafa quebrada em sua grande barriga... uma... duas... dez vezes.

Ela teve o que merecia, pensara Antônio.

Mais que a doença o que brotava em seu corpo, era o asco pela própria vida.

Genésio quase recebeu sua dose de fúria. Antônio bem que desejou (OH, COMO, SENHOR!) afundar o pedaço de vidro no pequeno corpo e acabar com aquela história. Seria fácil, mas... ele havia prometido. E com o braço levantado frente ao pequeno, que o olhava, curioso; ao lado de dois corpos nus, Antônio soube que levaria sua promessa até ao caixão. Por mais que quisesse, não teria coragem de

(quebrar sua promessa com a esposa morta; a mesma que deixara apodrecendo na capela do antigo vilarejo)

matá-lo.

Fugindo da autoridade local e de sua trágica história naquele país, Antônio seguiu mais para o oeste com Genésio nos braços. Por fim, embarcou em um navio clandestino que seguia para o Brasil, deixando para seu capitão todas as joias que ele e Maria possuíam. O capitão não lhe perguntou de onde vieram as joias ou a criança; algumas pessoas aprendem que na vida às vezes é melhor não saber de algumas coisas.

Um Perverso Tom de VinhoWhere stories live. Discover now