Prólogo: sacrifício em holocausto - Parte 4 de 8

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Lembra-te que do pó vieste e ao pó hás de retornar.

Outros homens, tomados pelo desespero, pela fé, pela covardia ou pela vergonha (e realmente importa a motivação?) correram em direção ao fogo, atirando-se, almejando encontrar a salvação nos braços do excêntrico deus, desejando descansar em Geena, cuja existência era garantida pelo santo Genésio.

Ao todo, mais de uma dezena de homens se lançaram às chamas, adicionando mais tormento ao circo dos horrores no qual a noite se transformava.

O pútrido cheiro de carne queimada cobria o ar. Antônio, ao chão, percebeu o que havia feito. O que todos haviam feito. Encontraram Geena, o local de suplício eterno pelo fogo e tormenta intensa. O inferno.

Apenas o grito de Madalena fizera Antônio acordar de seu transe. Havia um som de... choro? Dentro da não mais imaculada casa de Deus, a história continuava.

– Antônio... – sua mulher o chamou. Seu rosto tangia a transparência. Olhando-a, ele teve a certeza de que ela estava morrendo. Mas... o que ela segurava nos braços? Aquele pequeno boneco vivo, que ele poderia jurar pela própria alma que fora queimado pouco antes, estava sobre o colo de sua esposa. Questionando sua sanidade

(Deus, será que enlouqueci?)

Antônio olhou para fora da capela; os homens se dispersavam com os olhos baixos, como criminosos que se juntaram para um único trabalho – como se nunca houvessem se conhecido. E o fogo ainda estava lá, crescente, dominante, maligno. Era possível ver os ossos se enegrecendo sob a chama e sentir o cheiro de vísceras queimadas. Ele voltou os olhos para Madalena, levantando-se, e pôde sentir o espírito dela se esvaindo. Seria tudo fruto de um pesadelo?, indagava-se. Talvez fosse. Um pesadelo do qual ele nunca

(NUNCA)

acordaria.

– Antônio... – a voz estava mais fraca. As mulheres, apreensivas, observavam-no, como se olhassem através dele, como se o diabo as aguardasse na porta da igreja, pronto para levá-las ao inferno.

– Madalena!

A criança chorava. Ele se abaixou junto à sua família. Um menino. Outro menino. Tinha o lábio rachado. Um mau presságio. Um péssimo presságio. Os olhares das mulheres pesavam sobre eles; Antônio sentia em sua pele que elas os culpavam.

(A CULPA É DE VOCÊS, DESGRAÇADOS! TROUXERAM O INFERNO PARA MUNDINHO! TROUXERAM O ANTICRISTO EM CARNE E OSSO! A PERDIÇÃO!)

– Este é o nosso milagre, Antônio... ele trará a prosperidade para nós... – soltou um sorriso fraco. – Antônio...

– Madalena, por favor, não... não...

Ele cuidou de nós. Nos salvou. – Sua testa ardia em febre. A mente delirava com a enfermidade se apossando do corpo. Com a morte reivindicando o corpo. – Nossa criança se chamará Genésio, Antônio... Genésio Segundo...

Com essas palavras, as mulheres começaram a correr, abandonando os pais do demônio com a certeza de que o recém-nascido era o Anticristo; aquele que traria a perdição para o mundo.

– Madalena, não...

Me prometa, Antônio. Me prometa que cuidará dele e que lhe dará o nome de Genésio. Você não entende? – ela começou a tossir. Sangue. – Ele nos permitiu um novo filho. Nos tirou um, mas nos deu outro! Seu sacrifício... ele deu sua própria vida por nós, Antônio. Por nossos pecados.

Um Perverso Tom de VinhoWhere stories live. Discover now