Que possa ocupar o seu lugar

Contendo um suspiro de lamuriação, a afastei de meu ombro.

Alfonso: acho que você precisa de um café forte. Urgente.

Anahí: não - disse, tentando afastar os cabelos do rosto, desajeitada. - Preciso de mais disso - pegou a garrafa de uísque pela metade. Eu tirei-a de sua mão. - Poncho! - brigou e eu me senti um bobo, com vontade de sorrir somente pelo fato de ela ter me chamado daquele jeito outra vez. Quantos anos eu tinha mesmo?

Alfonso: chega de bebida. Se embebedar não leva a nada.

Anahí: leva à cama - gargalhou, achando graça de sua própria piada de duplo sentido sensacional.

Alfonso: leva à uma dor de cabeça maior do que a que está sentindo agora, no dia seguinte - disse. - Então chega disso. Fique quietinha aí, vou preparar um café forte para você.

Anahí: eu odeio café - resmugnou, com uma careta. - Sabe, tia Sara adorava - murmurou e sua expressão mudou completamente. Em segundos, ela voltava a chorar de forma sentida. Suspirei e ajeitei-me ao seu lado, puxando-a para outro abraço. - Ela morreu - disse, entre soluços. - E agora eu estou completamente sozinha - apertou o rosto em meu peito. - Não tenho mais ninguém.

Alfonso: shiii - murmurei em seu ouvido, abraçando-a apertado. - Você não está só, tem seus amigos, tem Dulce...

Anahí: não é a mesma coisa - contrapôs, soluçante. - Ela era minha única família, a única...

Eu não sabia o que dizer. Lembrava bem de como ela era apegada à tia no passado. A mulher podia se ranzinza e controladora, mas Anahí a amava muito, e buscava nela o conforto e carinho que não tinha da mãe, que morava longe e tinha sérios problemas de saúde. Apertando o abraço em volta de seu corpo, deixei-a chorar, confortador.

Alfonso: você tem a mim - murmurei, as palavras saindo involuntariamente de meus lábios. Ela se afastou e me encarou, a desolação estampada no rosto. - Eu não vou te deixar sozinha.

Ela soluçou.

I've seen enough and it's never enough

Eu já vi tudo isso e isso nunca foi o suficiente

It keeps leaving me needing you

Isso continua me deixando precisando de você

Anahí: você já deixou, uma vez.

Alfonso: não é verdade - acariciei seu rosto, enxugando suas lágrimas, ternamente. - Você foi embora.

Anahí: você me usou - balbuciou, a voz entrecortada.

Alfonso: não é verdade, Annie - suspirei. Como era angustiante dizer algo tantas e tantas vezes e não conseguir um pingo de credibilidade em nenhuma delas. - Eu era louco por você. Louco.

Anahí: mentira - disse, mas, contraditoriamente, aproximou o rosto do meu. Fiquei a alguns centímetros de beijá-la. - Você era um estúpido.

Alfonso: era - confirmei baixinho, encostando a testa na dela. - Mas te amava.

E era verdade.

Quando ela foi embora, dez anos atrás, e eu me vi sozinho, demorei apenas alguns dias para perceber que meus sentimentos não se limitavam a um encantamento juvenil passageiro. Pela primeira vez, eu realmente me apaixonei por alguém. E sofri quando perdi.

Se aquilo não tinha sido amor, não tinha porque ter doído tanto.

Take me away

Leve-me embora

Take me away

Leve-me embora

Ela balançou a cabeça e roçou os lábios contra os meus, os olhos fechados.

Anahí: eu não consigo acreditar. Não consigo.

Alfonso: nós devíamos falar sobre tudo o que aconteceu, talvez assim...

Anahí: não - interrompeu, apertando os olhos e rechaçando aquela ideia enfaticamente. - Eu não quero falar disso. Não quero.

Respirei fundo, correndo os dedos por seu pescoço, enlaçando-o.

Alfonso: então nunca vamos esclarecer as coisas.

Anahí: não importa, eu não quero - murmurou, dando uma leve mordida em meu lábio inferior. Eu a observei. - E, além do mais, eu estou bêbada - afastou-se e me encarou, quase ultrajada. - Você está se aproveitando de mim! - deu um tapa estalado em meu braço, pegando-me de surpresa. Eu não consegui conter a risada divertida ante sua variação brusca de humor.

Bêbados.

Alfonso: você me beijou, eu nem me movi.

Anahí: mas devia ter se movido, estúpido!

Alfonso: eu não vou me aproveitar de você - disse, ainda achando graça da situação.

Anahí: você não está se aproveitando de mim - revirou os olhos, desdizendo a própria frase de segundos atrás. - Como você é burro.

Balançando a cabeça, levantei, em meio à uma risada.

I've got nothing left to say

Não tenho mais nada a dizer

Just take me away

Apenas me leve embora

Alfonso: não se mexa daí, vou fazer um café forte.

Anahí: não! - disse brusca, ao mesmo tempo em que agarrava minha mão e a puxava. Desequilibrado, caí sobre ela, no sofá. - Eu não quero que você vá.

O Pecado Mora Ao LadoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora