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Acordei com o som de panelas batendo na cozinha. Suprimindo um gemido, rolei pela cama e enfiei a cabeça sob o travesseiro. Mercedes. A velha, boa e barulhenta Mercedes.

Era sábado. Os dois últimos dias haviam passado morosamente, sem nenhum grande fato espetacular a ser mencionado. Trabalho, trabalho, trabalho, Ana. Trabalho, trabalho e, ontem à noite, Melanie. Mais ou menos nessa ordem. E nessa exata frequência.

Tudo bem, vamos por partes.

Ponto um, o trabalho. A Companhia estava entrando numa fase de transição. Há pouco mais de um mês, haviam acontecido alguns pequenos problemas que fizeram com que alguns diretores importantes fossem afastados. E os novos estavam em plena fase de adaptação, o que exigia uma atenção redobrada. Adivinhem de quem? Pois sim, do bom e velho Herrera aqui. Para piorar, as coisas se complicaram na medida em que São Pedro resolveu parar de colaborar. Chuva, muita chuva. A pior companheira para quem lidava com companhias aéreas. Aeroportos fechados, vôos atrasados, passageiros reclamando e funcionários estressados. Um ciclo tão estressante, quanto óbvio, aliás.

Apertei o travesseiro com mais força contra a cabeça, a sonolência ainda se recusando a se dar por vencida. Apesar de os barulhos continuarem ali perto. E aí entrava o ponto dois, o porquê de todo aquele cansaço e torpor. Melanie. Requebrante e oferecida, ela aparecera no escritório ontem, quase no fim do expediente. E acho que já deixei claro que não iria procurá-la, mas caso ela aparecesse e, você sabe, eu não seria forte o suficiente para recusá-la. E foi o que aconteceu. Fomos jantar fora, em seguida rumamos para o seu apartamento. Saí de lá e deixei-a dormindo pouco depois das três da manhã. Ser acordado antes das nove, então, era quase um martírio.

Contudo, Mercedes não parecia que ia desistir do que estava fazendo assim tão fácil. Soltando um longo suspiro, joguei o travesseiro para o lado e me sentei, esfregando os olhos. Ponto três, Ana. Havíamos nos visto três vezes, contadas nos dedos, desde a conversa no elevador e o comunicado sobre Peg. E em todas elas, ela se mostrara sociável e expansiva. Sorria, provocava (porque aqueles olhares maliciosos definitivamente eram provocações), em duas vezes chegara a tocar meu peito e braço com dedos distraídos, mas no fim, invariavelmente, acabava fugindo. Digo, se afastava sorrindo, como se não tivesse acabado de instaurar a terceira guerra mundial em meus hormônios. Estava na hora de uma atitude ser tomada. E era o que eu faria quando a visse da próxima vez.

Quando apareci na cozinha, entendi o porquê de toda aquela barulheira infernal de minutos atrás. Mercedes lavava as panelas e o tabuleiro em que, pouco antes, fizera panquecas e muffins deliciosos. Quer dizer, pareciam deliciosos pelo cheiro.

Alfonso: juro que se isso estiver tão bom quanto parece, nem vou te jogar pela janela por ter me acordado tão cedo.

Mercedes virou-se, assustada, mas logo um sorriso desprendeu-se de seus lábios, receptiva.

Mercedes: senhor Alfonso, me assustou - eu sorri e peguei um muffin ainda quente. Quente demais, na verdade. Logo larguei-o de volta na travessa. - Está quente. Desculpe se o acordei com o barulho, sou um tanto desajeitada, como o senhor já deve ter percebido.

Eu? Percebido? Imagina.

Alfonso: sem problemas, Mercedes - mantive o sorriso. - Mas você podia ter avisado antes que estavam quentes - brinquei, olhando os dedos.

Ela sorriu, sem jeito. Mercedes era mexicana. Já na meia idade, era introspectiva e envergonhada. E se recusava terminantemente a abolir a palavra 'senhor' de seu vocabulário. Com o tempo, acabei desistindo de insistir que ela o fizesse. O que importava é que era de confiança. Tinha as chaves do apartamento e a entrada liberada na portaria, vindo todo sábado para uma faxina geral. E eram nesses dias que eu sentia falta da comida de casa. Congelados poderiam ser muito úteis, mas definitivamente não eram nada apetitosos.

O Pecado Mora Ao LadoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora