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Luna Oliveira

Hoje estava acontecendo um confronto pesado na Cidade de Deus, mas eu não sabia dizer se eram os policiais tentando invadir para botar medo ou algum grupo rival do morro.

A troca de tiros estava intensa desde a parte da manhã, o que me fez desistir de ir para o colégio e, provavelmente, não conseguiria ir para o trabalho também. Portuga ficaria zangado comigo, mas eu não podia fazer nada; em dias de invasão à Cidade de Deus, o toque de recolher era rigoroso, e ninguém podia sair de casa até que a situação se acalmasse.

Sempre que ocorria uma situação assim, meu coração se apertava ao lembrar que foi em um dia exatamente como esse que eu perdi meus pais. Eles tinham acabado de sair de casa quando tudo começou de repente, e não tiveram tempo de voltar ou se abrigar em algum lugar seguro. Foram assassinados pela polícia antes mesmo de terem a chance de reagir.

Disseram que foram confundidos com bandidos quando fui em busca de respostas. Tudo mentira. Meu pai não andava armado, muito menos a minha mãe. Ambos eram trabalhadores, sempre viveram pelo caminho correto e nunca se envolveram com coisas erradas, apesar das muitas dificuldades.

Já eram quase oito da noite quando finalmente os tiros cessaram e os fogos de artifícios foram disparados. Vencemos.

Olhei pela fresta da janela e vi as dezenas de corpos, com e sem fardas, sendo retirados das ruas. Os vizinhos começaram a se aglomerar em frente às suas casas, ansiosos para fofocar sobre o dia de hoje.

Assim que me sentei no sofá, alguém bateu na porta da minha casa. Franzi o cenho e estranhei, me levantando.

— Gabi? O que veio fazer aqui uma hora dessas? — Perguntei, puxando-a para dentro da minha casa. — Você sabe que é perigoso ficar andando por aí com toque de recolher.

— Eu sei, amiga, mas vim ver se você estava bem. Você não atendeu nenhuma das minhas ligações. — Ela falou com o semblante preocupado.

— Eu... — Olhei em volta da sala e não encontrei o meu celular. — Devo ter deixado ele lá no quarto, desculpa.

— Tudo bem, você dorme lá em casa? Não gosto que fique sozinha aqui quando o morro está assim. — Ela pediu com uma carinha de pidona. Suspirei, mas concordei com a cabeça. Odiava ficar o tempo todo sozinha em casa, me sentia muito solitária.

— Deixa eu só pegar minha mochila e as coisas da escola. — Falei subindo as escadas com ela me seguindo logo atrás. Entrei no meu quarto e comecei a recolher minha bagunça.

— Podemos fazer a noite das meninas, o que acha? O mercado do lado da minha casa já estava abrindo.

— Se pegarem fazendo isso, eles estão ferrados. — Comentei baixinho. Russo não deixava nada ficar aberto em dia de invasão, exceto a UBS. Apesar de ele ser um canalha bastardo, sempre foi um frente respeitado pelos moradores, desde que todos seguissem as leis da favela.

— Não vão pegar nada, no grupo da escola estão dizendo que ele tomou um tiro. — Gabriela falou simplesmente, como se fosse a coisa mais normal do mundo. — Tem foto e tudo dele sangrando igual um porco no abate. Nojinho. — Fez cara feia. — Quer ver?

— O quê? De jeito nenhum! — Parei de guardar meu uniforme na mochila para encará-la. — Apaga isso agora do seu celular, pode dar ruim para você.

Gabriela deu de ombros, indiferente, mas começou a mexer no celular.

— Satisfeita? — Ela mostrou a galeria vazia do seu celular.

— Muito! — Respondi, terminando de ajeitar minhas coisas e fechei o zíper da mochila.

Antes de irmos para a casa da Gabi, passamos no mercadinho que ficava na mesma rua e compramos um monte de besteiras para comer durante a noite, por insistência dela.

Sombras do Amor [M]Where stories live. Discover now