Chegou no décimo andar e entro na salinha. O diabo loiro me fuzila com o olhar, mas ignoro com fervor. Calvin está do outro lado da sala, com a cara fechada, como fez a semana inteira. Os dois não trocam mais do que duas palavras, em casos extremamente necessários. Dylan está alheio a tudo e a todos, mas me cumprimenta com um leve aceno de cabeça.

— Vê se não enche? Você tá com merda na porra da cabeça?! O festival é essa semana, caralho. - Grace esbraveja, balançando as mãos de um lado para o outro, só para mostrar sua indignação.

— Eu tô aqui, não tô? Vamos acabar logo com isso. - Termino o café, jogando o copinho do expresso no lixo. Tirando isso, mal coloquei nada na boca hoje. Ainda estou disperso, do mesmo jeito que estava quando sai do apartamento de Rose.

— Darrell, qual é cara? Por que está agindo como um babaca a semana toda? - Dylan pergunta, do jeito indiferente dele. O conheço bem, para saber que não gosta de problemas. Com ele tudo é prático e rápido.

— Não tô agindo como um babaca. - Retruco, dando de ombros. Pego minha guitarra e a tiro do suporte, depois me posiciono em frente ao microfone.

— Cara, até eu que já me acostumei com esse seu jeitinho de cuzão não estou aguentando mais essa sua energia bad vibe. - Cal admite, indo em direção à bateria.

Bad vibe? Jura? - Pergunto, julgando-o descaradamente.

— Não fode. - Ele senta e pega as baquetas, mostrando suas habilidades ao gira-las nas mãos. - O que eu tô querendo dizer é: você tomou uma decisão idiota, agora precisa seguir em frente ou achar uma solução. E a solução não é ser um babaca com Deus e o mundo.

Ergo uma sobrancelha para ele. Quieto e observador, esse é Calvin depois de O Diabo Loiro. Deveria ter faltado a merda do ensaio. Pelo menos agora estaria perto de um copo de alguma coisa que me faria esquecer de tudo. Esquecer. Nunca usei tanto essa palavra na minha vida e estou odiando, sinceramente.

— Concordar com o Cal é a última coisa que eu queria hoje, porém... Ele tem total razão, Darrell. - Dylan afirma, curvando a boca para o lado com um sorriso solidário do tipo "você se ferrou meu amigo".

— Eu também. - Alice no país dos diabinhos concorda.

— Que porra deu em vocês em? Isso é uma intervenção por acaso? - Desvio dos três pares de olhos piedosos que tenho diante de mim. Fito a parede à minha frente, onde colocamos uns posters de bandas dos anos oitenta. Finjo ajeitar minha guitarra, só para ter o que fazer.

— Não, mas a referência a How I Met Your Mother foi muito boa. - Cal brinca e é a minha vez de fuzila-lo com os olhos. Ele levanta as mãos em sinal de rendição. - Tudo bem, tudo bem. Vou demonstrar mais respeito por sua bad vibe. - Debocha, chocando as baquetas contra a bateria. Levanto o dedo médio para ele, com um sorriso forçado nos lábios.

— Chega vocês dois. Não aguento mais isso aqui. - Grace repreende, como uma boa mãe faria com dois pestinhas em casa. Faço sinal para a porta, mostrando que pode sair a qualquer momento, mas paro de provocar pois não quero mais problemas. - Vá se foder, Darrell. Estamos só tentando te ajudar aqui.

— É cara, estamos sendo solidários. - Dylan leva a mão ao peito, fingindo a tão falada solidariedade. Reviro os olhos, mas o mesmo continua falando. - Não sei como é a dor de um fim de relacionamento... Para falar a verdade nem esperava que você, algum dia, soubesse. - Fico em silêncio, pois, por incrível que pareça, concordo com ele. - Mas... Não acho que como está lidando com o fato, seja a forma certa de resolver. 

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