14 - Bom homem

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E o olhar... Eu odeio seus olhos. Odeio que sejam escuros, pretos e sombrios, sem um único traço de gentileza ou carinho. Olhos duros e cruéis. Como eu.

Entro no quarto e começo a me despir, me desfazendo do vestido e retirando as presilhas irritantes do cabelo em seguida.

Odeio essas coisas brilhantes e apertadas que machucam o couro cabelo, e odeio igualmente usar um penteado que faz com que eu me assemelhe a uma boneca. Uma dessas coisas perfeitas e polidas demais que eu jamais serei, e não tenho aptidão para ser.

Assim que o vestido e as presilhas caem no chão com um farfalhar, desembaraço as mechas do meu cabelo, o soltando e deixando que ele cubra meus seios.

Em silêncio, vou até o guarda-roupa que fica ao lado do  canto da cama que costumo dormir. Cuidadosamente roubo uma de suas camisas, ela é preta é tem uma caveira com chifres bem macabra, provavelmente de alguma banda bizarra que ele escutava na adolescência.

A visto pela cabeça e com um suspiro pesado me volto para a cama.

Se eu dormir no sofá, isso poderia deixar evidente que estou afetada. Preciso ser normal, agir como sempre, fazer as mesmas coisas. Se ele achar que não me afeta, isso vai ferir seu ego o bastante para não tocar em tal tópico novamente.

Subo no colchão, me deitando e arrastando-me para baixo do edredom que o cobre.

Assim que minha cabeça toca o travesseiro, Greg se remexe ao meu lado, resmungando alguma coisa inaudível.

Ele se vira, rolando, e joga o braço por cima de minha barriga, assim como sua perna.

Prendo a respiração.

Gregori parece farejar meu calor, ele engatinha na minha direção, seu rosto sonolento se enterrando na curva de meu pescoço.

Fecho os olhos, querendo emitir todos os xingamentos que conheço em ordem alfabética.

A respiração pesada dele toca minha pele, e não me movo, não posso. Greg é quente e agradável assim.

— Você é a única coisa que eu não posso arriscar perder — sussurro, segurando seu braço. Eu quebro coisas demais. Já quebrei coisas demais.

Posso quebrar todos. Já quebrei a mim mesma.

Não há nada que eu toque que permaneça inteiro por muito tempo, e é por isso que não posso toca-lo demais. Tê-lo.

Não me importo que o mundo inteiro se parta, sendo bem honesta, dor alguma me afeta nas entranhas de meu ser, lá no fundo, nada me fere mais. Exceto a dor dele.

****

A sensação de frio e vazio me incomodam, e é justamente isso que me faz abrir os olhos pela manhã.

— Achei que tinha entrado em coma — sigo a voz, procurando seu dono, o qual soa bem desperto.

Me sento na cama, atordoada, me deparando com o careca em pé na frente de seu guarda-roupa abotoando os últimos botões da camisa azul-escura.

Pisco, confusa.

— Er, oi — é tudo que consigo dizer.

Gregori Smith se vira totalmente, me dando o segundo vislumbre na semana do homem elegante que ele pode ser quando veste uma roupa social.

Deveria ser um crime alguém como ele usando roupas como essas.

Meus neurônios mal acordaram, no entanto, minha boca saliva ao vê-lo completamente arrumado.

Meus hormônios andam falando mais alto do que eu.

— Como foi o fim da exposição? — pergunta, com algum interesse oculto.

Esfrego a parte de trás da mão nos olhos e sinto o rímel borrar. Minha cara deve estar um nojo, mas quem se importa? É só o Greg. Repito. É só o Greg.

— Razoável — entediante, minha mente estava em qualquer lugar, menos na galeria.

Gregori contorna a cama, indo até os sapatos que estão perto da porta.

Sua bunda fica muito bem em calças justas...

— Aposto que sim — concorda. — Uma pena ter esquecido de devolver o blazer de seu amigo — comenta. — Parece Armani, ele provavelmente sentirá falta.

Isso funciona em meu cérebro como uma dose de cafeína, me acordando de uma vez.

— Ele pode comprar outros Blazers — meu tom é neutro, porém me sinto nervosa, quase apreensiva, e me esforço o bastante para que a voz não fique trêmula.

Tinha esquecido da peça de roupa, não que a existência dela importe. Por que importaria? É só o blazer de um cara.

Greg ri, baixo, se divertindo, no entanto, sua mandíbula está contraída.

— Reed, não se faça de sonsa — se abaixa para pôr os sapatos. — Não cai bem em você.

— Estou apenas te respondendo — rebato.

— Se esquivando — corrige. — Você sabe o que eu quero saber, aonde quero chegar — replica, direto.

Gregori nunca enrola, e antes isso nunca fora um problema, era, inclusive, uma qualidade sua que sempre apreciei.

Atualmente essa característica me assusta. Ninguém deveria ser tão transparente.

— Dormiu com o dono do blazer, Reed? — não consigo identificar qualquer pista do que ele quer de mim.

Ergo uma sobrancelha, sentada na cama usando sua camisa.

— Isso importa? — rebato. Com quem eu durmo ou deixo de dormir é problema meu.

Gregori se ergue, com os sapatos calçados, vai até o batente e sorri para mim.

— Não, definitivamente não — responde. — Exceto se pensou em mim enquanto estava com o ricaço — acrescenta. — Pensou?

Deslizo na cama, voltando a me deitar.

Não sou obrigada a lidar com esse tipo de coisa, e me recuso a fazê-lo.

Me cubro com o edredom até a cabeça, me escondendo do mundo e dele. Sou uma tartaruga em sua concha impenetrável.

Sua risada ecoa no quarto.

— Essa resposta serve, por agora — cantarola, se referindo ao meu silêncio. — Quando eu chegar, iremos conversar, seriamente.

— Não tenho nada para falar com você — bufo embaixo das cobertas.

— Não seja malcriada — posso imaginar perfeitamente o sorrisinho pretensioso em seu rosto.

— Vai se foder — esbravejo.

— A vovó está me esperando — avisa. — Vejo você a tarde — claro, é domingo, é o dia que ele dedica a vê-la, não importa o que aconteça ou o tamanho da ressaca. Domingos são sagrados, Gregori tem um compromisso semanal de passar um dia inteiro com sua amada avó, e ele nunca decepciona Blair Smith.

Ele é extremamente leal. E essa foi uma das razões que me levou a confiar nele de olhos fechados, a ama-lo.

Gregori é incapaz de trair. Ele não fere ninguém sem um bom motivo e cuida de sua própria vida, nunca se mete nos assuntos alheios.

Mesmo com uma reputação problemática, os péssimos hábitos e o longo histórico de mulheres, Gregori é a real definição de bom homem. Não, Greg é o melhor deles. Ele só não sabe disso, mas eu sei, eu sei há muito tempo.

E é por isso que delimitei uma distância segura entre nós.

Ele é bom, mas eu não sou.

E não pretendo ser.

Abaixo o edredom até altura dos olhos, apenas para vê-lo sair do quarto e ir embora.

2 •Esqueça Ela - Blue Sky CityOù les histoires vivent. Découvrez maintenant