(57)

862 74 4
                                    

(Oito anos antes)

David e Any estavam desfrutando de uma paz incomum. Quem os olhasse agora, sem conhecer o passado ou o futuro, poderia jurar que ambos tinham tudo para dar certo. E a paz era tamanha que, por ocasião da chegada do Réveillon, ambos decidiram viajar para a Disney. Ou melhor, a decisão foi tomada por Any, que também arcou com os gastos. Afinal, David nunca foi o mais afortunado entre os dois.

Naquela época, Joaquim tinha oito anos e vivia com medo das ocasionais brigas entre seus pais. Qualquer palavra dita um pouco mais alto por David ou Any já era capaz de acelerar o coração do garoto. Normalmente, em casa, quando as discussões tomavam espaço, Joaquim costumava ir para o seu quarto e fechar os olhos, a fim de esperar até que o silêncio voltasse a vigorar novamente. Às vezes, isto funcionava, mas nem sempre. O tamanho extenso da casa ajudava o pobre menino a não escutar certas coisas.

Mas na viagem em questão, foi impossível para Joaquim evitar ouvir de perto as trocas de palavras ofensivas entre seus pais.

Tudo ia bem, ou quase bem. Joaquim até se sentia feliz. Estava na Disney com seus pais e o seu irmão mais novo. Parques temáticos. Uma infinidade de brinquedos. E deliciosos sorvetes. O sonho de qualquer criança. Ou será que não?

Às vezes, quando olhava para Cauê, que ia no carrinho sempre segurando um brinquedo, Joaquim sentia inveja. De certa forma, queria ser seu irmãozinho. Pois ele parecia mais feliz, mais tranquilo. Afinal, recém-chegado à família, Cauê ainda não entendia muita coisa. Joaquim por sua vez... Pobre alma! Já entendia muito. Entendia, inclusive, a tensão entre Any e David, que, volta e meia, acusava a morena de traição, pois não acreditava que Cauê fosse mesmo o seu filho.

Mas, tentando não se abater, Joaquim resolveu desfrutar da viagem. Brincou bastante. Comeu tudo que coube no estômago. E sorriu nas fotos.

"Talvez," pensou, "meus pais tenham realmente feito as pazes. Talvez, agora, sejamos uma família feliz. Talvez, eles estejam finalmente se amando de verdade".

Não se pode culpar uma criança por pensar assim. Afinal, até onde a sua mente ingênua pode ir? Joaquim não era maduro o suficiente para perceber que o que havia entre os seus pais naquele momento não era amor propriamente dito. O relacionamento entre Any e David estava seguro por um fio, como sempre estivera. Mas, para um garoto de 8 anos, ver seus pais se beijando e sorrindo, ou até brincando um com o outro, pode significar muita coisa, inclusive amor. Ele jamais poderia imaginar que a próxima briga estava a menos de um passo.

Era tarde da noite. Joaquim e Cauê estavam dormindo sozinhos no quarto de hotel enquanto Any e David estavam fora, em um bar.

À certa altura, Joaquim acordou e viu que já se aproximava da meia-noite. Olhou para cama de casal ao lado da sua e teve medo ao vê-la vazia. Então se levantou e foi até o berço, a fim de se certificar de que Cauê estava bem, pois assumiu a responsabilidade de cuidar dele enquanto seus pais estavam fora.

Tendo visto que seu irmão dormia tranquilamente, Joaquim voltou para sua cama e embrulhou pé e cabeça, fechando os olhos para espantar o medo. Quando, então, ouviu a porta do quarto ser aberta de uma vez, nem precisou escutar qualquer palavra, pois logo soube que estava diante de mais uma briga de seus pais.

David- A próxima vez que você bancar a espertalhona comigo daquele jeito eu vou te...

Any- Espertalhona, David?! Foi você que disse que não queria dançar.

David- Isso não significa que você pode sair por aí dançando com o primeiro idiota que aparece na sua frente.

Any- Ué! Mas eu queria dançar!

David- Se continuar assim, você vai dançar no inferno, porque é pra lá que eu vou te mandar!

David se sentou sobre a cama e arrancou os sapatos, jogando-os de lado, enquanto Any riu insolentemente. Ambos estavam bêbados e Joaquim logo soube, sem nem precisar abaixar o cobertor para ver.

Any- O engraçado é que você pode comer com os olhos tudo quanto é mulher, mas eu não posso dançar com um cara. Justo! Muito justo da sua parte, David! (Any prosseguiu, trocando o sorriso nos lábios por um semblante irritado)

David- Que mulher, Any?

Any- Não se faça de tonto, imbecil! Eu vi você com o zoião em cima daquelas gringas lá!

David- Você é doida!

Any- Tão doida quanto você que não confia no seu taco e me inferniza por causa de uma dança.

David- Uma coisa é dançar, Any. Outra coisa, é ficar se agarrando com um cara que você nem conhece.

Any- Quem te disse que eu estava me agarrando com alguém?!

David- Ninguém precisa me dizer porra nenhuma. Eu não sou cego! Eu vi você se esfregando naquele corno! (David apontou o dedo para a morena, que outra vez riu com insolência)

Any- No caso, o corno aqui é você, né?

Num piscar de olhos, David avançou na direção de Any e a agarrou pelo cabelo, mas nem isto foi capaz de fazê-la parar de rir, o álcool sequestrou-lhe toda e qualquer prudência.

David- Me dê um bom motivo para eu não te meter um soco, Any. (David vociferou)

Joaquim, que tinha medo de revelar que ainda estava acordado, abaixou levemente o cobertor e viu o sorriso bêbado nos lábios da sua mãe, enquanto seu pai, aquele que deveria ser o protetor, o modelo a seguir, segurava-a pelos cabelos e apontava-lhe um dedo no rosto.

David- O que é tão engraçado, sua idiota? (David perguntou, percebendo que Any ainda ria)

Any- Além da sua cara?

David- Você é um porre quando fica bêbada, Any. Puta que pariu!

David soltou o cabelo da morena com brusquidão e caminhou até o banheiro, dizendo:

David- Da próxima vez, me lembre de não te deixar beber tequila.

Percebendo que seu pai havia fechado a porta do banheiro e tendo ouvido o barulho da água do chuveiro caindo lá dentro, Joaquim descobriu o rosto por completo e viu que, agora, Any parecia acariciar os cabelos escuros de Cauê, que havia acordado com aquela discussão. Então, sem hesitar, se levantou e foi até sua mãe para abraçá-la, não se importando com o leve cheiro de álcool que não era tão comum na morena.

Any- Você ainda está acordado, filho?

Joaquim nem quis responder. Abraçava Any porque, entre sua mãe e seu pai, ela era sem dúvida a que ele mais amava, apesar de que, às vezes, não entendia porque ela tinha que agir tão insolentemente. Aliás, sequer sabia o que era insolência. Pensava que os conflitos familiares aconteciam apenas porque Deus não ia muito com a sua cara. Por que não lhe dar pai e mãe como aqueles dos seus amigos? A única explicação que achou é que, no céu, deveria haver um complô contra a sua pobre alma.

_

Autora da obra oficial: anac_ssilva

O Malabarista✓On viuen les histories. Descobreix ara