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(Any Gabrielly)

Eu acordei de repente com o som do despertador. Então, quando rolei na cama para desligá-lo, estranhei que não estava de pijama. Mas essa não foi a única coisa incomum que notei. Minha cama estava arrumada e a luz do quarto, acesa. Foi quando vi meu celular caído no chão, descarregado, e me lembrei que a última coisa que fiz foi ligar para Josh.

Ri sozinha sentada na cama. Será mesmo que eu havia caído no sono durante a nossa conversa? Mas se antes meu sorriso já estava grande, ele triplicou de tamanho quando, finalmente, consegui ligar meu celular e vi uma mensagem de Josh, que foi enviada 2:45 da madrugada:

"Acho que você pegou no sono... Boa noite, Any. Durma bem!"

Céus, eu devo ter virado um pimentão quando li aquela mensagem. A última vez que eu dormi com alguém no telefone foi em 1997, quando eu tinha 14 anos e namorava um garoto do segundo ano, com quem eu jurava que me casaria.

Por que somos tão imediatistas na adolescência? Aliás, o imediatismo em mim nunca teve um fim. Hoje, olhando para trás, vejo que eu vivia a minha vida como se eu fosse morrer precocemente aos 18 anos. Nunca soube esperar por nada.

Mas, naquela manhã em questão, eu acordei com um humor diferenciado. Era algo entre a alegria e a leveza. Não dava para explicar. Arrumei-me para o trabalho e desci para o primeiro andar, onde encontrei Joaquim e Lurdes na cozinha.

Então, ao passar pela mesa, beijei o Jô e falei:

Eu- Bom dia, amor!

Joaquim- Tá de bom humor, mãe? (ele me perguntou no mesmo instante)

Olhei de relance para Lurdes, que sorriu ao trocar olhares comigo.

Eu- Eu sempre estou de bom-humor. (respondi, tentando esconder o fato de que eu estava mesmo tomada por uma alegria incomum)

Joaquim- Não é verdade, mãe. (disse Joaquim, risonho)

Eu acabei rindo junto com ele, porque, diga-se de passagem, ele tinha toda a razão. Não é mesmo todos os dias que eu acordo disposta.

Eu- Lurdes, você prepara um misto quente para mim, por favor? (pedi enquanto tomava minha dose diária de vitaminas)

Joaquim- Mãe, o Josh já chegou em Recife? (Joaquim perguntou, o que me deixou um pouco surpresa. Eu não sabia que ele estava pensando no Josh)

Eu- Ainda não. (respondi) Ele deve chegar à noite.

Lurdes- Então ele foi mesmo? (perguntou Lurdes dessa vez(

Sorri sem saber porquê e falei:

Eu- Sim, ele... Ele queria reencontrar a avó, né?

Lurdes- Tadinho! (Lurdes exclamou) Eu fico pensando, como deve ter sido difícil, né? Ele, o irmão pequeno... Foi Deus mesmo que guardou eles.

Eu concordei com Lurdes até que ela disse aquela última frase. Quero dizer, não me leve a mal, mas não pode existir um Deus que permita que pessoas incríveis como o Josh e o Luca sofram o que sofreram. Onde fica a coerência disso? Se ele é bom, porque permitir que o mal aconteça às pessoas?

Mas eu não manifestei o meu pensamento. Ao invés disso, me levantei e saí da cozinha, indo até meu quarto. Eu havia me esquecido de colocar meus brincos.

Quando, então, eu estava a caminho do primeiro andar novamente, ouvi Joaquim me chamar. Mas o seu chamado não foi um chamado comum. Uma mãe sabe quando seu filho a está chamando normalmente e quando ele a está chamando porque tem algo errado. Por isso, quando ouvi sua voz, de certa forma, eu logo soube que alguma coisa ruim havia acontecido.

Eu- O que foi? (cheguei à cozinha, ofegante)

A TV da cozinha estava ligada e Lurdes aumentou o volume, deixando soar claro a voz do repórter que noticiava:

"Até o momento, foram encontrados 22 passageiros sem vida. Dentre os quais estão 16 mulheres, 5 homens e uma criança. Os bombeiros seguem empenhados no resgate que se iniciou nesta madrugada, mas, devido ao terreno acidentado do local e o tempo chuvoso, os profissionais têm tido dificuldades para encontrar as vítimas em meio aos escombros. Estima-se que ainda haja, pelo menos, 97 pessoas desaparecidas."

Eu caí sentada em uma cadeira diante daquela notícia. Não conseguia pensar em nada. Meus ossos estavam petrificados.

Lurdes- Disseram que, com a chuva, um barranco desmoronou na estrada, fazendo o ônibus que ia para Recife perder o controle e bater em outro que vinha para Belo Horizonte. Então os dois caíram em uma ribanceira. (Lurdes contou com um pesar evidente)

Eu- Eu falei para ele ir de avião. (murmurei, desolada)

Na minha cabeça, passavam literalmente um milhão de coisas. Meus olhos ardiam e minha garganta já estava fechada.

Por que você tinha que ser tão teimoso e ir de ônibus, Josh? - Eu perguntava internamente.

Joaquim- Talvez esse não seja o ônibus dele, mãe. (Joaquim disse, segurando meu ombro direito)

Mas não havia palavras de conforto que fossem capazes de amenizar o meu pânico naquele momento.

Eu-  É o ônibus que ele foi, Jô. Eu tenho certeza! O próximo ônibus só saía daqui hoje de manhã. Além do mais, a cor, o nome da empresa...

Escondi meu rosto nas minhas mãos e deixei que as lágrimas viessem. Então me desesperei:

Eu- Não pode ser que eu tenha perdido eles em tão pouco tempo!

Lurdes- Calma, Any. (Lurdes colocou uma mão no meu outro ombro, enquanto Joaquim continuava ao meu lado) Não vamos pensar no pior.

Mas como eu não iria pensar no pior? A televisão exibia a tragédia bem diante dos meus olhos. Os dois ônibus ficaram destruídos. A chance de alguém sobreviver a um acidente tão violento em um lugar tão acidentado é quase nula.

Eu não queria perder os dois.

Eu não poderia perder os dois.

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Autora da obra oficial: anac_ssilva

O Malabarista✓Where stories live. Discover now