Cinquenta e um

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DIAS DEPOIS

Aquele era um dia chuvoso. Não lá fora, mas dentro de Joe. O sol contra a sua pele não era mais do que uma lembrança insistente de que ele estava apagado e gelado, incapaz do calor.

Desde que falou com Megan naquela biblioteca as coisas perderam as cores que ele viu enquanto decidido a fazer dar certo e iludido, realmente acreditando que existia alguma maneira de fazer isso quando tudo começou tão errado.

Mas Joseph, pela primeira vez na vida, soube que os dias ruins tem fim. Ele estava longe de ter se curado dos traumas e suas feridas, principalmente a mais recente de cabelos ruivos, mas ele se sentia pronto para viver quando acabasse.

Porque ele sabia que acabaria algum dia. Doeria por meses, depois alguns dias e então algumas horas até não doer mais. As marcas estariam sempre ali, mas a dor tinha que amenizar um pouco.

Isso, claro, se ele a deixasse ir. E ele deixaria. Joseph Smith desprenderia as correntes que criou para si e seria um homem livre. Tiraria da prisão também a criança que foi e guardou com mágoa no peito, deixando-a livre para a água e para sentir-se amado sem questionar quando isso acabaria.

Naquele fim de tarde o céu tinha tons de laranja e azul. De cima da pedra ele capturou um retrato do céu, observando-o através da tela do celular, esboçando um sorriso contido para a coisa simples.

Na Angra, na parte baixa e próxima da areia, sentado em uma pedra, ele observava o mar. O céu se misturava majestosamente com a água, quase como se fossem um só.

Para Joseph, por muito tempo, aquela era a imensidão em que o seu pai havia se perdido. Mas naquele momento, enquanto sentia o seu peito inflar e o choro ser anunciado, ele finalmente entendeu que ele se tornou tão grande quanto tudo o que via a sua frente.

Cada onda, cada enseada, a areia, a espuma, as tempestades, a calma e a maresia. Tudo. Tudo aquilo era Charles Smith.

Quando uma pessoa morre por uma causa como ele, que salvou uma criança que não teria tido a chance de realmente ter uma vida se não fosse pelo sacrifício de quem já viveu, o oceano não a engole. Ele a abraça e a recebe como uma parte sua.

A primeira lágrima caiu quente em sua bochecha, marcando-a até o queixo. Joseph não reprimiu o choro; ele o deixou vir com a força da tempestade que se formou dentro de si durante todos aqueles anos. Era forte e fazia o seu corpo se mover para frente e para trás.

— Pai — começou, sem saber ao certo o que diria. Sentia-se envergonhado. — Eu não sei se você está me ouvindo. — Joe balançou a cabeça devagar, o nó em sua garganta era dolorido e difícil de engolir. — Mas eu estou aqui. O seu filho está aqui, papai.

Joe soltou um soluço dolorido e alto quando as lágrimas borraram de vez os seus olhos, impedindo-o de ver muito à frente. O seu peito doía, respirar era difícil, tudo é difícil quando você desaba depois de tanto tempo de pé.

Joe abraçou os seus joelhos, forçando-os contra o peito.

— Eu estou tão cansado de fingir que não dói. Cansado de fingir que eu o odeio por ser o melhor ser humano que eu conheci. Cansado de fingir que você é como Elliot Marshall, porque você me disse coisas que o vovô te disse um dia, mas você não era horrível. Você só não teve tempo o suficiente para que alguém te mostrasse além do que Lilian o mostrou. Eu sinto muito por isso, porque você merecia, Charles. Todo o amor do mundo. — Outro soluço, mais choro. Joe se livrou de algumas lágrimas em seu rosto com uma mão, mas outras brotaram no mesmo instante, fazendo-o desistir de impedi-las; então elas molharam tudo o que podiam, evidenciando o seu estado — Mas eu tive, pai. O tempo, a minha pessoa, mas eu deixei isso escapar entre os dedos antes de finalmente deixar ir no outro dia.

Petricor| RETA FINALOnde as histórias ganham vida. Descobre agora