Diaval
Os dias passaram,e as buscas por minha ama voltaram a ser infrutíferas.As suspeitas de Maynon sobre Malévola estar na tal ilha dos exilados pareciam cada vez mais certas,e eu só queria poder entender o motivo de todas as fadas temerem tanto aquele lugar.Até citar o nome do mesmo era motivo de tremedeiras.
-O que é esse lugar,Maynon? -perguntei para o fada trevoso.Nós estávamos caminhando pela floresta dos Moors,enquanto Rustolf e Daisy saíram em busca de qualquer nova evidência sobre minha senhora.Eles eram os únicos que não tinham medo de absolutamente nada.Ou então,se tinham,ainda estavam insistindo na busca por sua líder,e não desistiriam facilmente -O que é a ilha dos exilados? -questionei por fim.
Maynon suspirou,e olhou para os lados.Talvez porque soubesse que o assunto era sigiloso,e não seria boa ideia que outras criaturas nos vissem falando sobre isso.
-Diaval,a ilha dos exilados é o lugar mais perigoso do universo -ele começou,um medo em sua voz -Quem entra não sai.É para lá que mandam aqueles que cometem crimes contra a lei das fadas,como matar por exemplo. -as mãos do garoto pareciam tremer -Borra devia ter ido para lá,após tentar te matar no casamento de fachada que aconteceu entre ele e a rainha alguns meses atrás,essa era a punição -fez uma pausa -Mas se ele está solto,talvez isso signifique que seja o líder da ilha,e apenas o líder tem como entrar e sair do local livremente.
Eu perdi o fôlego por alguns segundos.
-Você acha que ele pode ser o líder? -questionei,preocupado.
-Com tudo que vimos,eu tenho certeza - Maynon assegurou -Escute,não há nenhuma outra criatura na floresta que queira o mal de Malévola para tentar sequestrá-la.Zeyn,com todos os seus defeitos,parece realmente inocente e arrependido do que fez com nossa senhora no passado -a mão do garoto foi em direção ao queixo -Então,só pode ter sido Borra,e se ele está solto,é porque ele é o líder do único lugar que poderia estar preso.É meio que...minha lógica de raciocínio.
-Daisy estava certa quando disse que você é bem inteligente pra sua idade -eu cantarolei,e Maynon corou,dando de ombros -Mas não há nada que possa ser feito?Esta ilha é...
-Inacessível -o garoto completou minha fala -Não ao pé da letra,tem um caminho que nos leva até lá mas...as lendas dizem que absolutamente ninguém encontra a entrada.Uma espécie de película mágica cobre o local por completo,e o deixa com uma aparência de...chão.É um chão,na realidade.A ilha fica abaixo de nossos pés.
Não dei nenhuma palavra.Como aquilo era possível?Uma ilha mágica que apenas o líder dela tem acesso e que fica embaixo da terra?
-Eu sei que talvez você esteja se perguntando como isso é possível -Maynon leu meus pensamentos -Olha,a verdade é que por mais que os Moors sejam bons,e nós sejamos criaturas de boa índole,sempre vão existir aquelas falhas,aqueles seres perversos que nascem aqui.Antigamente,existia uma prisão para as fadas malvadas,mas elas sempre escapavam e...começavam a criar um caos ainda maior.Foi por isso que criaram a ilha dos exilados.Lá dentro,ninguém é alguém,e todos perdem seus poderes,e boa parte de suas memórias.Alguns morrem só de entrar,outros morrem lá mesmo,mas nunca... -o fada evidenciou sua última palavra -nunca,Diaval,alguém entrou lá e voltou. -finalizou -Pelo menos é o que minha mãe sempre me contou a respeito desse lugar.
Se eu pudesse,gostaria de gritar naquele momento.Gostaria de entrar em pânico pois se Malévola estivesse lá dentro,ela seria condenada para sempre.Condenada sem ter nunca cometido um crime de matar alguém de propósito,matar por maldade.Ela não era má.Então por que fora levada para lá,se não existiam acusações a seu respeito?
Por pura maldade de Borra?Para prendê-la para sempre?Por quê?
E se ela fora levada para lá sendo inocente,será que existiam mais seres que Borra levou para aquele lugar deplorável apenas por diversão?Será que haviam mais inocentes ali dentro?
Será que minha amada estava viva?
-Nós temos que fazer algo,Maynon -entoei -Malévola não vai morrer lá dentro,eu não vou permitir isso.
Pisquei os olhos consecutivamente tentando largar os maus pensamentos que me vinham a respeito dos tipos de atrocidades que poderiam estar fazendo com minha noiva na ilha.Eu ficava aflito toda vez que me perguntava se minha senhora poderia estar machucada ou algo pior .
-Não há muito o que fazer,senhor -Maynon me respondeu,tristonho -Aqueles que ousam tentar invadir a ilha são postos dentro dela,e condenados para sempre também.
-Garoto,olha uma coisa... -eu me virei para ele,parando nossa caminhada,e tocando seus ombro com o meu braço bom -Nós não chegamos até aqui para desistir de sua rainha agora.Se você quiser se acovardar junto a maioria,vá. -disparei -Mas eu vou atrás da mãe das minhas filhas e não vou parar até encontrá-la,quer você esteja comigo,quer não.Fui claro?
-Como a luz do dia. -respondeu de prontidão o rapaz -Quer saber,Malévola me escolheu para ser um líder porque com certeza viu algo em mim que eu...eu ainda não vejo.Não vou decepcioná-la.Se tiver de dar minha vida para salvar a dela,se esse for o meu propósito,aqui estou. -eu nunca o vira tão confiante -Então,Diaval,você pode contar comigo para tudo.
Eu assenti para ele.Era uma missão perigosa que vinha pela frente.Aos olhos de muitos -ou todos -a tal ilha era o beco sem saída,o fim da vida.Mas para mim,não.
O silêncio nos preencheu,e nós voltamos a andar sem rumo pela floresta,esperando Daisy e Rustolf aparecerem com alguma notícia.Não demorou muito para que eles chegassem.
-Diaval,Maynon! -Daisy gritou,ainda voando nos ares com seu parceiro logo atrás -Nós achamos uma coisa!
Meu coração acelerou,e eu podia correr.Qualquer novo achado já era uma vitória.
Quando os dois pousaram a nossa frente,eu percebi que haviam alguns papéis nas mãos de Rustolf.
-Eu e Daisy decidimos que seria uma boa ideia vasculhar melhor os penhascos mais uma vez,já que eram os lugares favoritos de Malévola em Moors -o fada macho falou,o farfalhar de suas asas ainda batendo contra minha pele -E nós encontramos isso perto de um ninho que tinha lá em cima.Devia ser onde ela dormia -o rapaz entregou-me o amontoado de papéis que segurava.Não perguntei o que eram,pois fui logo os abrindo como podia.
-Cartas -Daisy não me permitiu descobrir do que se tratavam por mim mesmo -São cartas misteriosas que Malévola guardava por algum motivo.Elas não têm remetente,então não dá para saber quem as entregou.
-Como assim cartas?Quem escreveria para ela? -Maynon parecia embaralhado.
-Vai saber -a garota trevosa respondeu,suas asas coloridas se remexendo um pouco. -Você sabe de algo,Diaval? -ela se direcionou para mim.
Eu neguei com a cabeça,ainda lendo aqueles envelopes em minha mão.Um certo tipo de força magnética,magia,ou o que quer que seja emanava daqueles papéis,e o que eles escreviam fazia pouco sentido:
"Volte para sua família"
"Você não é má.Não liberte esse lado novamente."
"Não permita que se quebrem os laços que existem em seu coração."
"Não se isole.Isso não vai te ajudar."
"Malévola,você é a luz e a escuridão,a vida e o que vem após ela.Somente você pode mudar seu destino.O mal está vindo,mas você pode evitá-lo.Faça isso antes que seja tarde demais."
O que aquilo tudo significava?O que era o tarde demais?
-Diaval? -Maynon me chamou,e só então percebi que tinha me isolado em meu próprio universo tentando entender sozinho coisas que com certeza iriam além da compreensão de um simples homem ave.Talvez o trio ao meu lado pudesse me ajudar mais do que eu mesmo poderia.
Quando recitei para eles as mensagens escritas em caligrafia brilhante e fluorescente,os mesmos ficaram atônitos,com estapafúrdias expressões em suas faces.
-E então,algum palpite? -eu arrisquei indagar.Eles ficaram calados -Ah,eu imaginei.Isso é um mistério!
-Nós podemos guardar as cartas e ver se entendemos elas depois -Daisy sugeriu -Por hora tudo nos leva a crer que nossa rainha está na ilha dos exilados e nós precisamos de um plano muito bom para sequer chegar no lugar onde fica o chão que dá acesso a ela.
Eu franzi o cenho e encarei a fada trevosa,perplexo.
-Você está me dizendo que não vai desistir da busca? -quase não pude conter a felicidade que emanava dentro de mim,mesmo as circunstâncias não sendo das melhores.
A grande maioria das fadas trevosas tinha se acovardado,por medo do que a ilha dos exilados proporcionaria.Eu estava meio que esperando Daisy,Rustolf e principalmente o medroso do Maynon fazerem o mesmo cedo ou tarde.
Mas ao ouvir minhas palavras,a fada trevosa a minha frente pareceu ofendida,como se nunca sequer houvesse pensado em desistir de nosso plano.
-O quê?Ficou maluco,Didi?Claro que não! -ela semicerrou as sobrancelhas,me chamando por um apelido que acabara de inventar -A ilha pode ser assustadora,caótica,inacessível,o que for mas...se minha líder estiver lá,para lá irei.
-E eu também. -Rustolf falou,com sua voz grossa e empoderada.Era um fada de poucas palavras,mas de grande determinação.
Por um motivo qualquer,eu me via feliz.Então eu teria ajuda.Teria o apoio deles.Não faria tudo sozinho.
-E eu também irei,independente de qual seja nosso destino -Maynon disse por fim.Havia umas notas de medo em seu tom.Ele era jovem.Todos ali eram.E era normal sentir-se assim.No fundo eu estava da mesma forma.
-Nossas vidas pela dela -Daisy estendeu sua mão,em um punho fechado,convidando eu,Rustolf e Maynon a fazermos o mesmo.
-Nossas vidas pela dela -repetimos todos nós em conjunto,e colocamos nossas mãos juntas.
***
Fiquei o restante do dia refletindo sobre as cartas,e sobre o que elas significavam.Sophie,que passara a manhã com as tias fadinhas desastradas de Aurora,agora estava ao meu lado novamente,e parecia inquieta.
Ela estava reclamando muito de dores na cabeça nos últimos dias,e eu deduzi que era culpa da pressão que saber de tudo que estava havendo nas buscas para encontrar sua mãe estava lhe causando.Apesar de tudo,Sophie ainda era apenas uma criança.
-Papai,o que é isso? -ela apontou na direção das cartas que eu ainda segurava.
-Nada demais,minha pequena -repliquei,sem querer preocupá-la mais.
A garotinha ia responder algo,mas começou a tossir.
-Você está bem? -perguntei a ela,me inclinando um pouco para olhar em seus olhos.Eu me sentia preocupado por sua saúde ultimamente.Não estava das melhores pelo que ela me mostrava.
A menina assentiu mas não foi convincente.
-Queria minha mãe de volta,papai -choramingou,após parar com sua crise de tossidas -Será que ela vai demorar muito?
-Eu...eu não sei -fui sincero -Estamos fazendo o possível,querida.Também quero muito Malévola de volta aqui,para poder brincar com você,viver... - me perdi em minhas palavras.
Sophie parecia triste.Muito triste.Um sorriso sem alegria alguma se formou em seus pequenos lábios,e eu me vi mais uma vez tenso por minha filha.Só queria que ela ficasse bem.
-Se eu pudesse ao menos escrever uma carta pra mamãe... -a criança balbuciou,e uma luz inundou a minha mente.
Era isso.Era exatamente isso.
Cartas.
-Sophie,eu te amo! -repliquei e dei um pulo de felicidade,me levantando de minha cadeira -Menina gênio,menina gênio -eu esfreguei um pouco a cabeça dela,com a mão que segurava também as cartas.
-Ai,papai,também te amo mas minha cabeça ainda dói -ela reclamou,mas sorriu mesmo assim,enquanto massageava as têmporas.
-Desculpa,princesa -falei ofegante -Tenho que encontrar Maynon e os outros.
-Eles estão na sala ali -Sophie apontou com o queixo,ainda confusa com minhas atitudes.Eu corri para o local,abrindo depressa a cortina.
-Gente,a Sophie acabou de me dar uma ideia brilhante! -cantarolei,e todos olharam em minha direção -Nós podemos mandar uma carta para Malévola e saber como ela está.
Daisy,Rustolf e Maynon não pareceram empolgados.
-Mas como vamos saber se ela vai receber nossas cartas? -escutei Rustolf dizer -Se é mesmo Borra que comanda lá,ele não vai deixar que elas sejam entregues.
Isso infelizmente fazia total sentido,e eu esmoreci um pouco,meus ombros ficando meio caídos.Mas outra ideia surgira em minha cabeça naquele instante.
-Precisamos de alguém para espionar a ilha... - falei por fim -Precisamos de alguém que descubra todos os pontos estratégicos e até mais coisas sobre ela.Se soubermos cada detalhe do lugar sem precisar entrar nele,podemos mandar a carta pro local exato onde Malévola foi trancafiada e então...
-A ilha dos exilados tem uma barreira protetiva que não nos deixa ver absolutamente nada por dentro dela. -foi a vez de Daisy se pronunciar - E essa mesma barreira é a que consome os poderes de todos os que estão lá dentro,os impossibilitando de usá-los.Pelo menos é o que dizem as lendas.
-Não custa nada tentar,e a propósito,são só lendas,quem garante que são totalmente confiáveis? -permaneci decidido,afinal,já havíamos tentado de tudo mesmo.O trio olhou pra mim,e uma esperança apareceu em suas faces -Maynon,existe algum acesso para a ilha sem ser voando,você que conhece tudo? - me dirigi ao jovem fada.
Ele negou com a cabeça,e prosseguiu:
-Bom,não que eu saiba agora. -um suspiro percorreu suas narinas -Sabe,se formos mesmo levar essa ideia de espionar a ilha adiante,precisamos de alguém que não vá levantar suspeitas caso seja pego. -ele retornou ao nosso assunto.
Garoto esperto...
Sim,tínhamos de mandar algum espião para conhecer melhor o lugar que estávamos lidando.Precisávamos fazer uma coisa de cada vez.E a pessoa perfeita para a tarefa de espionagem da ilha era justamente...
Daisy!
Daisy não levantaria suspeita alguma.Borra conhecia Maynon,conhecia Rustolf,mas Daisy...Daisy não.
Essa era nossa deixa.
-Eu? -a fada trevosa levou a mão ao peito após eu indicá-la,e explicar toda a situação.Ela pareceu perplexa -Vocês acham que isso vai dar certo?
-Não tenho dúvidas - foi o que eu respondi.