Bexley
Uma semana antes da Chuva
O vento da meia-noite percorria a pacata cidade de Bexley com braveza e precisão. O silêncio típico da madrugada no pequeno município era poluído pelo uivo da ventania que se pressionava contra as janelas da vizinhança e cortava as plantações de girassol cor-de-rosa, exclusivos da região, preocupando seus cultivadores.
O céu escuro e soturno era ocultado por uma massa nebrinosa, a qual incomodava os moradores de Bexley, por sua natureza úmida e destrutora para com os casarões do quarteirão mais nobre da cidade: O Bairro dos Lustres, como era apelidado.
Para lidar com a amarga umidade do verão, os patrões remuneravam uma quantia a mais para que suas empregadas fizessem um bom trabalho em polirem as estruturas greco-romanas que mantinham aquelas mansões de pé, e evitarem que musgos tomassem conta dos pilares.
Era nessa linha de pensamento em que o segurança noturno da residência Ashwood apoiava seu devaneio enquanto passava os dedos em uma mancha verde e pastosa que cobria parte do pilar da frente da casa.
- Que trabalho péssimo por parte das faxineiras -Pensou alto, e em seguida se repreendeu em culpa pois também não estava fazendo um bom trabalho como segurança noturno:
Já era a vigésima noite, no mês, que teimava as ordens de seu patrão, o prefeito da cidade, Alexzander Ashwood, ao aceitar um suborno de sua filha única em troca de um favor que a mesma pedia com os olhos ardentes em persuasão.
O ''favor'', que atendia pelo nome Bay Bachmann, visitava a mansão Ashwood quase todas as madrugadas. Costumava aparecer entre as duas e três da manhã, caminhando sob a neblina grossa com seus olhos amarelos-esverdeados e cabelos cor de fogo, brilhando na escuridão.
Sempre que avistava o segurança corrupto, abria um sorriso cúmplice que prometia um incêndio maior que o de seus cabelos, e depois caminhava até a parte traseira da casa, de onde só voltava quase duas horas depois.
''Só não conte para o papai... Nem para mais ninguém''
A voz de Angela Ashwood, a filha, ecoou na mente do segurança. Tinha sido tão doce no momento em que fez aquele pedido que nem parecia impetuosa e esnobe como costumava se portar.
Como ele poderia dizer não?
Simples,
Não podia.
Ninguém em Bexley poderia dizer não a Angela Ashwood, seus olhos azuis instigantes e sua postura intimidadora.
Portanto, por esse mesmo motivo, já faziam algumas noites que o segurança acobertava Angela e seu visitante da madrugada com os lábios selados, embora temesse que o pai descobrisse e o tirasse de seu cargo da forma mais humilhante possível.
Razão disso, era que o segurança - cujo nome pouco importante era George - só permitia uma certeza interna em meio ao silêncio que prometeu à filha de seu patrão; a de que as consequências de entregar o segredo da garota seriam muito piores que ser demitido, visto que o visitante da madrugada não era o rapaz que frequentava a mansão em outros horários apropriados com o título de ''namorado''.
Portanto, George voltou sua atenção ao musgo nos pilares e a neblina branca, sem olhar para trás e sem questionar suas decisões.
~
- Bay...
Angela Ashwood mordeu os lábios e apertou os nós dos dedos contra os fios ruivos do garoto entre suas pernas. Com a outra mão, segurava forte a camisola de seda que escolhera com cuidado para que combinasse com a nova lingerie que havia adquirido na última ida a Nova Iorque.
Comprada exclusivamente para a ocasião.
- Bay.
Angela pediu pelo garoto mais alto. Bay Bachmann não hesitou em subir alguns andares com os lábios, que se contorceu em desejo puro.
Desejo que era novo para Angela Ashwood em seus dezesseis anos. Desejo que ia além da inveja que todas as garotas em Bexley sentiam ao tentar se comparar com ela e seus cabelos sedosos, sua pele porcelana, seu corpo esbelto, seu nariz perfeitamente arrebitado na ponta e suas viagens milionárias pelo mundo afora.
Desejo que ia além do sonho dourado de qualquer menino, em Bexley, de um dia poder dizer aos seus amigos que namorava Angela Ashwood, e acariciava seus cabelos sedosos, beijava sua pele porcelana, apertava a ponta perfeita de seu nariz, sentia seu corpo esbelto e viajava com ela mundo afora.
- Quietinha, para mim - Foi a vez de Bay fazer seu pedido, temendo acordar o resto da casa.
Mas aquele desejo que corria por seu corpo todo, transformando o calor em ação, e fazendo com que a filha do prefeito se contorcesse em sua cama exageradamente grande, era novidade para a Srta. Ashwood. Novidade desde o fático dia em que Bay Bachmann teve audácia de piscar para ela no corredor da escola (coisa que Angela considerou extremamente ofensiva, visto que namorava e já o conhecia e achava seu comportamento predatório com meninas asqueroso).
Entretando, além da breve repulsa, sentiu pulsar em seu corpo uma sensação nova.
As pessoas costumavam olhar para ela como quem gosta do que vê, mas Angela não conseguia se lembrar de um olhar que carregava acima de vontade, determinação e confiança inatas como o olhar de Bay Bachmann.
Por isso, pouco a pouco tornou a retribuir seus olhares na cantina, abrir alguns sorrisos para o menino na aula de francês que tinham juntos e quando deu por si, já estava dentro de um vestuário masculino com uma das mãos de Bay Bachmann a puxando para perto pela cintura e a outra dentro de sua saia xadrez.
E lá estavam eles - há alguns meses - propondo encontros secretos na madrugada.
- Eu quero... Agora - Pediu, fazendo com que o ruivo abrisse um sorriso lateral e se prepara-se para realizar aquele pedido com toda sua dedicação.
Angela sentia o rosto corar toda as vezes que falava besteiras como aquelas. Sentia-se o máximo. Bay Bachmann fazia ela se sentir toda daquele jeito. Sentia-se o máximo quando acordava nas manhãs seguintes e o cheiro do garoto ainda estava impregnado em sua almofada. O máximo quando ele mandava mensagens dizendo o quanto estava ansioso para fazer aquilo mais uma vez. Se sentia o máximo a cada vez que se encontrava com o garanhão da Bexley High naquela aventura adúltera.
Era até como se seus colegas tivessem notado. Tivessem passado a olhar para ela de forma diferente. Como se ela fosse mais madura, como se ela fosse mais vivida.
Aos seus olhos, garotas pareciam ainda mais inferiores, e garotos ainda mais apaixonados.
Com excessão de Colt Carlile, seu namorado.
Colt e Angela namoravam, provavelmente, desde os dez anos, ou qualquer outra idade em que os pais de ambos julgaram apropriada para substituir o termo ''amigos'' por ''namorados''. Alexzander Ashwood e Charles Carlile - o pai de Colt - eram parceiros na administração das plantações de girassol em Bexley desde antes do nascimento de seus filhos. Charles também era um advogado renomado que auxiliava nos processos de Alexzander como prefeito do município, tornado as famílias dos dois as de maior ''nobreza'' na pequena cidade de Bexley.
Portanto, quando as esposas de ambos engravidaram na mesma estação e descobriram que o sexo de seus respectivo filhos seriam opostos, ficou selado o destino dos dois como futuros marido e mulher.
Mas Colt e Angela estavam longe de ser um casal. Andavam de mãos dadas, e raras vezes se abraçavam, sem nenhum prazer. Tudo para manter viva a reputação que tinham na cidade como casal.
Embora conversassem muito no passado, como qualquer outro jovem faria em meio à solidão que era ter pais ausentes e uma porção enlouquecedora de amigos interessados unicamente em suas fortunas, Colt e Angie não eram mais como antes. Um dia foram até melhores amigos, mas não mais.
A verdade é que embora parecessem esculturas esculpidas em gelo perfeitamente simétricas, a cada dia que passava tornava-se evidente que eram intoleravelmente diferentes um do outro.
Diferentes até mais que mero amigos poderiam ser.
Mas Angie sabia tudo sobre Colt, e Colt sabia tudo sobre Angie.
Colt Carlile só não sabia que Angela recebia Bay Bachmann todas as noites em seu casarão de dois andares. Mas no fundo, Angela sabia que era provável que o rapaz nem se importaria. Colt era sempre tão ausente.
Tão desinteressado, tão pouco apaixonado.
- Tá tudo bem? - Bay perguntou, notando um olhar disperso por parte da garota semi-nua em sua frente.
Quem sabe Colt fosse se importar no momento em que notasse que Angela tinha se apaixonado por outro alguém. Talvez abalasse seu ego. Mas Angela não era apaixonada por mais ninguém que não fosse, ironicamente, Colt Carlile, nem mesmo por Bay.
Talvez um dia ela pudesse se apaixonar por ele e seus encontros flutuassem acima dos prazeres carnais.
Talvez se apaixonar demorasse um pouco mais de tempo, e Angela Ashwood estava disposta a receber Bay em segredo em sua casa até que descobrir quanto.
- Claro - Respondeu com um sorriso auto-afirmativo enquanto o predador em sua frente se aproximava.