O meu relógio biológico me acordou antes das sete horas, sorri ao ver que ele ainda estava ali, que não fora só um sonho. Meu rosto animando ao seu peito nu, os braços firmes dele me mantendo perto... Eu sorri e mordi o lábio inferior para não soltar um grunhido de felicidade. Então me desvencilhei delicadamente - e relutante - de Elijah. Sem tirar o sorriso do rosto andei furtiva até o banheiro de hóspedes, escovei os dentes com uma escova que estava embalada no armário, e segui para a cozinha, queria surpreendê-lo com um café da manhã, mas como sabia que ele não estaria com muita fome pela ressaca, apenas coloquei um copo de suco de laranja que havia na geladeira e cortei uma banana em fatias jogando aveia por cima. Coloco tudo em uma bandeja de prata, e espero mais um pouco. Tomo um copo de leite bem gelado, como sempre gostei e acabo mordendo sem querer a parte interna da bochecha, estando mais ansiosa do que deveria. Sem conseguir esperar mais, pego o que tinha preparado e ando para seguir o corredor que dava para os quartos. Mas alguém bateu na porta, coloco a bandeja na mesinha da sala e espero ouvindo junto a porta algum sinal de vida do outro lado, como não tive resposta a abri, olhei para os lados no corredor e apenas vi um jornal no chão. O peguei, o lendo e cantarolando aliviada por não ser ninguém.
- MAS QUE PORRA É ESSA? - Elijah surge com a pior expressão que já vi em seu rosto, ríspido e furioso, pelo seu grito me jogo contra a porta segurando o jornal com as duas mãos ao peito. Fico arrasada com o que vejo.
- Eu lhe fiz uma pergunta! - ele explodiu, seus olhos se transformaram em duas poças azul-escuro - O que faz com a minha cueca, em minha sala!?
Não sei quanto tempo aguentaria com a respiração presa em minha garganta, parada ali, como um animal encurralado, tentei entender o que havia acontecido,isso era uma brincadeira? Ele não se lembrava? Por que ele não se lembrava? Elijah...
Ele passou os olhos sobre mim e vi ele fechar os punhos fazendo os tendões de seus braços se destacarem.
- Você não lembra do que aconteceu ontem à noite, Elijah? - consigo perguntar baixinho.
- Não, graças à Deus, não! - disse passando a mão no cabelo.
Eu precisava sair dali, eu devia ter levado uma pancada na cabeça, quando ele deu passos em minha direção eu desviei e comecei a andar de costas para não perder ele de vista - Não acredito que você não se lembra... - dando os passos para trás esbarro na mesinha de centro e derrubo tudo o que nela estava, o suco de laranja se mistura com os cacos de vidro do copo e a banana fica por baixo do prato.
Eu me ajoelho tentando juntar os cacos e colocá-los na bandeja, a confusão é tão grande na minha cabeça que só penso em não incomodar mais, tento dizer que pagarei pelo copo, mas há um nó em minha garganta e meus olhos lacrimejam sem minha autorização.
- Levante-se! Você se ajoelha mais que uma puta qualquer - ele esbravejou diante de minha posição servil.
Ergo minha cabeça rapidamente, notando sua total amnésia e irritação, era como se ele tivesse trespassado uma faça em meu coração, que começava a sangrar lentamente. Naquele instante de silenciosa compreensão, algo que estivera adormecido dentro de mim, finalmente veio à tona, antes dele tocar em meu braço.
- Vou ter que acreditar no que diz à respeito de prostitutas, quem poderia saber melhor do que você?
Então como se aquilo não fosse o suficiente para me curar dessa humilhação, me ergui num salto deixando de lado a bagunça e perdi de vez a compostura:
- Devia ter deixado você nas mãos daquela vampira! Devia ter deixado que ela trepasse com você na frente de todo mundo na Lobby! - cuspo o fuzilando com os olhos marejados.
- Do que você está falando?
Meus olhos faiscando falharam quando ele passou a língua pelos lábios involuntariamente, dando passos curtos em minha direção com as mãos para cima em redenção. Eu reviro os olhos furiosa e lanço com força meus pés sob o piso em direção a lavanderia. Xingo em português, inglês, italiano e em alemão sem parar, minhas bochechas estão pegando fogo! Queria socar Elijah, tirar a expressão de seu rosto com meus próprios punhos, arrancar seus cabelos e deixá-lo careca para sempre!
Abro a máquina e começo a pegar minhas roupas que já saíam secas, ele surge na cozinha abrindo a geladeira e bebendo o resto da água de coco que deixei lá.
- Onde aprendeu a xingar em alemão?
- Ah, vá a merda! - digo seguindo para banheiro. Ele me segue e eu bato a porta em sua cara.
Enquanto me troco, percebendo que deixei meu sutiã na máquina, ele faz perguntas:
- O que está fazendo? - ele está parado à porta.
- Dando o fora daqui, antes que eu te estrangule com suas gravatas borboletas ridículas!
Minhas gravatas são adoráveis, senhorita.
- Quem era a tal vampira? - ele pergunta ignorando minha provocação.
- Alessandra, a ruiva siliconada!
- Esqueça Alessandra, ela não me interessa. Nós dois transamos?
Abro a porta e o encaro - Nos seus sonhos, professor!
- Isso não é uma negação, senhorita Castro. - tento passar e ele segura meu braço, sem força, apenas para me fazer parar no mesmo corredor em que quase me beijou ontem.
- Tire as mãos de mim, seu babaca arrogante! - puxo meu braço com tanta força que quase caio para trás o batendo contra a parede, a dor e o choque que senti são ignorados por meu cérebro - É claro que você teria que estar muito bêbado para querer trepar comigo. -
sigo para a sala, me sento no sofá branco para calçar meus tênis.
Ele ficou vermelho. Assustado com meu mais novo vocabulário, professor?
- Pare com isso! Quem falou em trepar? - diz indignado se agachando em minha frente e amarrando o tênis de meu pé que estava no chão.
Merda, não me toque.
- O que mais faria? Sou apenas uma putinha que fica de joelhos de cinco em cindo minutos. Considere-se um homem de sorte por não se lembrar, com certeza não fora nada memorável.
Ficando de pé, ele pegou meu queixo e ergueu meu olhar ao seu - Eu mandei você parar com isso. Você não é nenhuma puta, não refira a si mesma deste jeito. - Vi tom de alerta em sua voz fria como um cubo de gelo.
O que eu fiz com ela para ela se sentir assim? Você deve tê-la seduzido, e tirado sua virgindade de qualquer jeito e nem ao menos se lembra disso. E joguei minha carreira no lixo. Preciso me acalmar e depois acalmá-la antes que ela tome uma decisão drástica.
Ele se afastou com um passo largo para trás, e esfregou os olhos lentamente como se sentisse dor. Vi minha chance de correr para a porta.
Eu amo alguém que não é real, uma aparição passageira, provocada pelo álcool.
Corri até a porta enquanto ele observava tudo que derrubei da bandeja agora a pouco.
Por que outro motivo, se não que tivéssemos transado, ela prepararia um café da manhã pra mim? Se não dormi com ela, isto prova que ela está ao menos apaixonada. O que tornaria mais fácil seduzi-la na noite anterior, lembro de estar próximo de seu corpo macio em meu corredor, de senti-la em minha cama com seus cabelos lançados sobre nós.
Antes que eu pudesse abrir a porta ele entrou na minha frente.
- Não pode ir embora assim, você me deve algumas respostas.
- Me deixe sair, ou eu vou chamar a polícia!
- Se chamar a polícia, direi que invadiu meu apartamento.
- Eu direi que me manteve aqui contra minha vontade e que... Me machucou. - prendo os lábios para não demonstrar mais fragilidade.
Mais uma vez eu falava sem pensar, o que não era nada inteligente. O que quer que tenhamos feito foi consensual e carinhoso, mas Elijah não sabia disso.
- Oh meu Deus... Não diga que... - seus olhos se arregalaram e seu rosto se retorceu de dor - Eu não fui... violento com você, fui? - ele pareceu perder a cor bronzeada de sempre, tamanha a sua repulsa e levou a mão trêmula aos cabelos - Eu a machuquei muito?
Me perguntei por quanto tempo deveria deixá-lo na expectativa, mas resolvi acabar logo com seu sofrimento. Pisquei os olhos e bufei.
- Você não me machucou, pelos menos não fisicamente. Só queria que alguém lhe colocasse na cama, e lhe fizesse companhia. Para você ter uma noção, foi mais gentil comigo ontem do que nesta manhã. Acho que prefiro você quando bêbado.
- Nunca diga isso. - ele suspirou - A propósito eu ainda estou bêbado, mas aliviado por não ter tirado sua virgindade... E sobre suas suas roupas...
Ele olhou de cima a baixo, tentando em vão não parar em meus seios e mamilos que apontavam sobre a blusa fina.
- Isso é alguma brincadeira? Você não se lembra mesmo!
- Tenho lapsos de memória...Quando bebo...Não sei. - ele começou a balbuciar palavras sem sentido.
Perdi a paciência - Você vomitou em mim! Não há nenhum outro motivo, acredite.
Uma expressão de alívio e constrangimento passou por seu rosto - Lamento mesmo. E me desculpe se a insultei, não quis dizer nada daquilo, mas encontrá-la com minhas roupas... pensei que... - ele fez um gesto vago com a mão.
- Posso ir? - digo raivosa.
- Você, sabe, se alguém ficar sabendo que você dormiu aqui... o Marconi ou... eu terei sérios problemas, nós dois teremos.
- É só com isso que está preocupado? Em salvar sua pele? Não se preocupe, eu já fiz isso quando tirei Alessandra de cima do seu pau, ontem à noite. Antes de você consumar sua relação professor-aluna. Devia me agradecer.
- Obrigado, senhorita Castro. Mas se alguém lhe vir saindo daqui...
- Direi que estava ajoelhada na frente de seu vizinho ganhando o dinheiro do almoço. Tenho certeza que é uma desculpa plausível.
Num curto espaço de tempo sua mão voltou ao meu queixo, o segurando com mais firmeza. - Já lhe disse para não falar essas coisas.
Ele me paralisou apenas por um instante, logo meu corpo começou a vibrar de raiva outra vez e ele me soltou desistindo. Abriu a maçaneta e esperou que eu passasse.
- Você está irritada e eu estou bêbado, vamos acabar com isso antes que piore. Adeus, senhorita Castro.
Passei rápido pela entrada, e com os primeiros passos no corredor, falei ainda em movimento sem olhar para trás:
- Você pediu para que lhe procurasse no inferno, e foi exatamente onde lhe encontrei. - sussurro, mas em meio ao corredor minha voz, de certo, ecoa no ouvido dele. Percebo o olhar perdido dele sobre as sobrancelhas franzidas, ele está andando depressa até mim, aperto sem parar o botão do elevador, implorando à Deus que o abra logo.
Seria possível que Inês não tivesse sido apenas uma alucinação de minha cabeça? Que aquele anjo que Deus enviara para me salvar naquela noite de sofrimento e descrença... Não. Não era possível. Precisava olhá-la, contemplar cada traço, agora com a imagem daquele anjo de oito anos atrás em minha cabeça para comparar. O medo me consumindo a cada passo, porque eu já sabia que era ela.
O elevador se abre e eu entro apertando o botão do térreo freneticamente, como se isso fizesse as moléculas de tempo acelerarem.
- Inês? - O ouço, chamando em alto som, em alta dúvida, em alta certeza.
Assim que ele para em frente a minha visão, as portas estão a fechar - Sim. - é a única coisa que sai de minha voz embargada, por ele ter visto tarde demais quem fomos naquele pomar.
Quem fomos.
Não somos mais.