Intrínseco

By ElissMoura

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"Será mesmo possível alguém se apaixonar pelo seu próprio anjo da guarda? Acredito que sim, pois eu estava, i... More

Vencedor do The Wattys 2015
Prólogo
Despedidas
Como nos velhos tempos
3. Perdida e Salva (I parte)
3. Perdida e Salva (II parte)
4. O Melhor Perfume do Mundo (I parte)
4. O Melhor Perfume do Mundo (II parte)
5. Destino
6. Invasor
7. Convite (I parte)
7. Convite (II parte)
8. Damas
8. Damas (II parte)
Bônus (Não é capítulo)
9. Brincando de bonecas (I parte)
9. Brincando de bonecas (II parte)
10. Tempestade
10. Tempestade (II parte)
11. Os Sofrimentos do Jovem Werther
11. Os Sofrimentos do Jovem Werther (II parte)
11. Os Sofrimentos... (finalzinho da II parte, que por alguma razão o wtt cortou
12. O Gênio da Lâmpada
12. O Gênio da Lâmpada (II parte)
13. Promessa
13. Promessa (II parte)
14. Mais difícil do que deveria ser.
Aviso.
15. Julgamento
16. O beijo
16. O Beijo (II parte)
17. Choque
17. Choque (II parte)
18. Quem É Você?
19. A Lei Dos Cem Anos
Promoção no Ar.
20. Intrínseco
22. Permissão
23. Você Teria Coragem?
24. Temperamental
25. Vontade
26. Eu Sinto Você
27. Condicional
28. Momentos
29. Momentos (II parte)
30. Visita
31. Opressão
Resultado da promoção.
32. Princesa
33. Presentes
34. A Festa
35. Confronto
36. Juízo Final
37. Escuridão
38. Vazio
39. Sacrifício
40. Luto
41. Possibilidades
Epílogo 3... 2... 1...
Não perca...
Atenção!
Orgulho! ❤

21. Perguntas e Respostas

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By ElissMoura

Acordei ansiosa na manhã seguinte; ansiosa para ver meu anjo da guarda outra vez. Para minha tristeza eu não havia sonhado com Robert aquela noite, na verdade não tive sonho algum, foi um sono profundo e pesado, como há tempos eu não dormia.
Saí da cama com o espírito renovado, sentia-me genuinamente feliz, e estava até cantando enquanto preparava o café da manhã.
Marcos bateu em minha porta, como sempre fizera, para irmos para o colégio juntos.
- Hã... eu não vou com você hoje. - murmurei, com medo da reação dele.
- Não vai à aula? - perguntou intrigado.
- Claro que vou, mas... - hesitei. Marcos com certeza se chatearia comigo, talvez até passasse a me ignorar, o que seria bem merecido pra mim. - Robert... virá me buscar. - falei, sentindo o peso que aquela confissão teria sobre meu amigo.
Para minha surpresa, ele não disse nada, apenas assentiu com a cabeça, e saiu, descendo as escadas em silêncio. Fiquei na porta observando-o. Eu sabia que ele não estava contente com a novidade, mas o que eu podia fazer?
Robert chegou minutos depois, e fiquei aliviada por Marcos não estar mais alí.
__ Oi! - eu disse, totalmente desestabilizada, quando abri a porta e encontrei o garoto mais lindo do mundo, sorrindo para mim.
__ Bom dia! - a voz de Robert era animada, mesmo com aquele timbre rouco e sexy, que fazia vibrar cada parte de mim. Sim, seria um bom dia.
Eu o convidei para entrar, fazendo um gesto vago com uma das mãos.
- Quer comer alguma coisa? - perguntei.
Estávamos na cozinha de Lena, e, ainda bem, ela já estava no hospital. Robert me observou por um momento, enquanto eu passava requeijão em duas metades de pão francês. Ele parecia em dúvida se devia aceitar ou não. Sua expressão trouxe a minha mente uma pergunta um pouco idiota, mas resolvi fazê-la em voz alta.
- Os anjos... sentem fome? - perguntei.
Robert riu, mas não me incomodei com isso.
- Bom, na verdade não. Mas comemos mesmo assim. - ele pegou uma das metades em meu prato e levou até a boca. Eu ri de sua atitude. - Humm, isso é muito bom! - disse surpreso, depois de engolir.
- Você fala como se nunca tivesse comido pão com requeijão antes. - eu disse enchendo minha boca.
Robert olhou-me sugestivamente.
- Você nunca comeu pão com requeijão antes? - perguntei com a boca ainda cheia.
- É claro que já comi - indignou-se, - Mas é sempre como se fosse a primeira vez.
- Não entendi!
- Nunca me lembro do sabor de nenhuma comida, mesmo que eu tenha acabado de comê-la, é sempre como se eu estivesse experimentando pela primeira vez. O gosto é sempre uma surpresa para mim. - explicou.
- Então, se eu lhe der pão no almoço...
- Será como se eu estivesse comendo pela primeira vez. - completou ele, dando outra
mordida em sua metade de pão.
Instantaneamente lembrei-me da primeira vez em que eu havia lhe oferecido algo para beber.
Dei-lhe algumas opções e ele havia ficado terrivelmente em dúvida. Agora sua reação fazia sentido.
- Procuro comer sempre o que as pessoas perto de mim estão comendo - disse, como se também tivesse lembrado do episódio. - Raramente peço algo por conta própria, mas ainda assim, mesmo quando copio o pedido de alguém, acabo comendo algo de que não gosto muito. - ele riu sozinho com alguma lembrança.
- Nossa, quer dizer que você não tem nenhuma comida favorita! - exclamei, surpresa.
- Quem disse que não tenho? - ele estava sorrindo.
- Como tem comidas favoritas se nem se lembra o gosto das coisas que come? - provoquei.
- Gosto de macarrão, peixe, frango, sorvete de morango com chocolate, carambola... - eram exatamente as coisas que eu gostava. -Nos últimos meses, procuro comer o que você gosta, e... até que você tem um bom paladar, com exceção do quiabo . - ele fez uma careta.
Eu ri.
__ Quiabo é bom!
__ Não, não me lembro de ter pensado isso quando comi! - Robert fingiu uma expressão pensativa, como se estivesse recordando do sabor do quiabo - Já terminou? - perguntou, olhando para o meu copo de achocolatado - Precisamos ir se quisermos assistir às primeiras aulas. - disse levantando-se.
Senti certo pânico ao lembrar da escola.
- Eu não me importaria de perder as primeiras aulas. - murmurei, virando, numa golada, o que restava da bebida, e levando o copo vazio para a pia.
- Será que está tentando perder o teste de cálculo? - observou ele.
- Ah, é mesmo... o teste! - eu havia me esquecido completamente.
Robert ergueu uma sobrancelha para mim.
- Se não é pelo teste que gostaria de faltar, é por que então?
Suspirei. Ele merecia que eu fosse sincera, não era justo esconder-lhe a verdade. Respirei fundo e resolvi que era melhor que ele soubesse, por pior que fosse.
- Estou com medo.
- Medo? - repetiu, uma preocupação insinuando-se em seu rosto. - Por que? Ainda não consegue acreditar que isso seja mesmo real?
- Não, não é isso. Acho que, de certa forma, estou começando a me convencer de que o que aconteceu ontem a noite, e o que continua acontecendo agora, não são apenas loucuras da minha cabeça - murmurei - Estou com medo por outro motivo!
Percebi a expressão de Robert se suavizar, mas ainda havia um leve vestígio de preocupação no fundo dos seu olhos. Tentando ignorar isso, continuei.
-- Preciso te contar uma coisa. - hesitei por um momento. - Beatriz, ela... ela é apaixonada por você! - encarei-o, esperando por uma reação, mas a reação não veio, então resolvi prosseguir - E, bem... eu fiz uma promessa à ela... de que a ajudaria a te conquistar... - seus olhos permaneciam imutáveis, ele não parecia surpreso com minha revelação. - Não sei qual será a reação dela quando nos vir juntos outra vez, não quero magoá-la e...
- Isi, - ele me interrompeu, estava diante de mim, perto da pia, com os olhos agora ficando mais intensos nos meus. - Ela não é apaixonada por mim. - afirmou com uma convicção premente.
- Diz isso porque nunca a ouviu falar de você. Você... é tudo pra ela, Robert. - era horrível confessar aquilo em voz alta, mas era preciso.
Robert afastou-se de mim, indo sentar-se novamente. O rosto serio, parecia impaciente.
- Lembra-se de ontem à noite, quando lhe falei sobre a regra mais importante da Lei dos Cem Anos? - perguntou, os cotovelos apoiados na bancada sustentando o rosto.
- A única regra, - enfatizei para mim mesma - em que todos têm que dar um passo à frente quando o dado é jogado. - eu disse.
- Isso, não se pode voltar uma casa, nem permanecer na mesma. Assim nenhuma casa ficavazia, lembra? - assenti com a cabeça, ainda sem entender aonde ele queria chegar. - Você sabe que eu não andei, que eu não quis proteger outra alma que não fosse a sua - assenti novamente. - bom, se eu tivesse mudado de casa, se tivesse aceitado dar um passo à frente, a nova alma designada a mim seria...
- A alma de Beatriz! - completei num murmúrio chocado. A ficha caindo imediatamente, como se, de alguma forma, eu já soubesse daquilo o tempo todo.
Robert olhou-me em silêncio.
- Ah! Isso quer dizer que... você seria o anjo da guarda de Beatriz se não tivesse escolhido ficar comigo? - arfei surpresa.
- Sim, e é por isso que eu posso te afirmar com toda certeza, que Beatriz não é apaixonada por mim. - ele hesitou, mas logo voltou a falar. - A alma dela sente-se... atraída por mim, e tenta de todas as formas me fazer voltar atrás, me fazer querer ser seu protetor.
- Mas... ela não tem alguém que a proteja?
- Sim, é claro que tem alguém protegendo Beatriz, mas a alma dela insiste em não se
conectar totalmente com seu novo anjo da guarda, o que torna as coisas difíceis para ele...
- Porque ela quer você! - conjecturei.
Robert sorriu para mim, os olhos analisando meu rosto desolado.
- É uma reivindicação inconsciente da alma dela. Beatriz nem entende na verdade o porquê sente-se tão atraída por mim, ou porque sente um ciúme excessivo e não pode tolerar que qualquer pessoa se aproxime de mim. Ela acredita mesmo que me ama, mas isso não é verdade, sua alma mantém, inevitavelmente, uma fixação por mim, só isso!
Fiquei em silêncio, tentando concentrar minha mente em tudo o que ele estava me dizendo.
"Só isso"?
- O que foi? - perguntou Robert, diante da minha expressão quase triste.
- É pior do que imaginei. - murmurei pensativa. - Já seria bem difícil, se ela simplesmente fosse apaixonada por você como uma garota comum, mas agora... saber que a alma dela está reivindicando seus direitos... Isso pode ser mais complicado. - aquilo com certeza seria mais
complicado.
- Não deve se preocupar com isso! - tranquilizou-me.
- Como não? Somos... amigas, não posso magoá-la. Não quero perdê-la.
- Ísi, pode a chuva dizer "não quero mais chover?". Beatriz já está magoada e não é com você, é comigo. A alma dela não aceita a rejeição...
- E isso é culpa minha, eu te tirei dela.
- Você não me tirou de ninguém, porque pertenço a você - suas palavras saíram pesadas. - Mesmo que você não me quisesse em sua vida, eu jamais aceitaria ser o anjo da guarda de outra alma, jamais se esqueça disso, está me ouvindo? - concordei obediente para a autoridade em sua voz. - Eu não protegeria a alma dela de qualquer maneira, então a culpa não pode ser sua, porque eu escolhi pertencer a você.
Fiquei feliz com a confissão, havia tanta verdade em suas palavras, mas ainda assim não consegui deixar de pensar em Beatriz.
- Posso te pedir um favor? - perguntei com cautela. Robert nem se incomodou em me dar uma resposta, era óbvio que eu podia pedir-lhe qualquer coisa.
Tive medo de seguir em frente e deixá-lo chateado, mas, sinceramente, não via outra alternativa para minha covardia, por isso prossegui.
- Será que, pelo menos por enquanto, podemos manter... nossa relação em segredo? Continuar afirmando que somos apenas amigos? - pronto falei.
Eu o encarei e percebi, com gratidão, que ele estava sorrido quando terminei de falar. Então, chateado ele não estava. Ótimo.
__ Ísi, "todo mundo sabe de tudo", lembra? Vão acabar descobrindo, não me pergunte como, mas vão.
__ Se descobrirem... nós negaremos!
__ Negar?
__ Até a morte se for preciso! - exagerei sorrindo.
- Realmente não vejo motivos pra isso. - reclamou ele. - Mas se prefere assim... - ele deu de ombros.
- Obrigada! - agradeci aliviada.
Fingir que éramos apenas amigos não seria uma tarefa difícil, afinal manteríamos a relação padrão de sempre. Nunca nos tocaríamos como casais de namorados costumam fazer. Essa era nossa punição. Então, para todos os efeitos, não havia nada que pudesse comprometer nossa pequena mentira.
Era "perfeito".

No colégio, como eu havia previsto, Beatriz irritou-se profundamente ao me ver chegando novamente no carro de Robert.
- Ele apareceu lá esta manhã. O que queria que eu fizesse? Que o mandasse embora? -
justifiquei-me enquanto seguia ao lado dela pelo corredor.
- Não seria má idéia - cuspiu ela. - Escute, Ísi, se tem alguma coisa pra me dizer é melhor que me diga agora. - pressionou rispidamente. Quase saí correndo.
- O que eu teria pra te dizer? - murmurei trêmula. Ah, como eu era covarde.
- Se eu descobrir alguma coisa, qualquer coisa, pela boca de outra pessoa, jamais te
perdoarei. - seus olhos juravam que ela estava dizendo a verdade.
Eu devia aproveitar a chance que Beatriz estava me dando e esclarecer tudo, mas a expressão irracional de seu rosto me fez recuar. E se ela estivesse com uma faca escondida na mochila, o que não era improvável, e, assim que eu me confessasse, ela começasse a me esfaquear enlouquecidamente?
Ah, que imaginação fértil a minha, pensar em Beatriz com uma faca era a desculpa mais estúpida que eu podia dar a mim mesma para manter meu silêncio.
Fui para minha aula de matemática, amargurada, e o teste foi mais difícil do que eu esperava.
Quebrei a cabeça tentando resolver as primeiras contas que acabei nem chegando às últimas.
Pensei em promover um "Abaixo ao Cálculo" no colégio. Quem precisava saber tudo aquilo?
Eu só precisava encontrar alguns alunos que fossem tão ruins naquela matéria quanto eu, reuni-los, fazer alguns cartazes e começar uma passeata pelos corredores.
Ok. Missão impossível.
Ninguém se igualava a mim em cálculo.

O almoço foi um episódio aflitivo. Não me sentei em minha mesa de sempre, com meus amigos de sempre - que surpresa.
- E aí, como foi o teste? - Robert quis saber quando entramos na fila da cantina.
- Minha vaga na recuperação deve estar garantida! - resmunguei.
- Eu te ofereci ajuda!
- Não precisa me lembrar disso o tempo todo, sei que se ofereceu pra me ajudar e eu recusei. - ele riu de meu temperamento.
Pagamos por nossos lanches, na verdade Robert pagou por tudo, e fomos para a sua mesa, nossa mesa agora. Marcos e Beatriz nos observavam de longe e não eram apenas eles, Amanda também mantinha os olhos em nós.
Não era fácil receber todos aqueles olhares cheios de revelações: o de Marcos era profunda e estranhamente magoado, o de Beatriz, bom... o de Beatriz era assustador, perigoso e ameaçadoramente enfurecido, e o de Amanda indignado.
- Acho que temos que terminar de ler nosso livro. - falei, tentando esquecer todos os olhares às nossas costas. - Já protelamos demais.
- Tem razão, - Robert concordou comigo - o que acha de reservarmos esta semana para o trabalho?
Alex Corrêa passou por nossa mesa neste momento, os olhos pasmos em meu rosto, meio ressentidos. Fiquei sem entender o motivo daquela expressão no rosto dele. Será que Marcos tinha falado sério, sobre Alex estar... não, não era sério.
- Acho uma ótima ideia! - concordei, ignorando os questionamentos implícitos do garoto que me encarava enquanto sentava-se à mesa da Barbie. Se colocassem cada uma das pessoas naquela mesa dentro de uma caixa, poderiam vender como a coleção "Barbie na lanchonete".
Seria um sucesso.
- Podemos ir pra minha casa. - ofereceu Robert, me distraindo. - Sofia está com saudades e Clarice também perguntou por você! - eu sorri, era bom saber que a família dele gostava de mim.
- Posso te perguntar uma coisa? - eu disse, de repente surpreendida por uma indagação crescente. Robert assentiu para mim. - Sua família... são todos assim, como você? - perguntei baixo demais, abrindo um pacote de salgadinho de queijo.
- Anjos?
- Sim, anjos! - sussurrei.
- Eu não deveria te responder essa pergunta.
- E por que não?
Robert levou alguns salgadinhos à boca, mastigou lentamente sentindo o sabor, uma
expressão de agrado surgiu em seu rosto.
- Tecnicamente não podemos sair por aí dizendo quem é anjo ou não. - disse depois de engolir. - Não podemos revelar a identidade de nossos irmãos, aliás, não podemos revelar nem mesmo a nossa própria identidade. Não há nenhuma lei que impeça, mas, por via das dúvidas, é sempre melhor manter segredo.
- Mas, você se revelou a mim. - eu disse enchendo a boca de salgadinho também.
- E isso já não é o suficiente?
- É, tem razão, eu só fiquei curiosa. - concordei.
- Bom, na verdade, agora que você sabe de nossa existência real, acho que não vejo
problema em te dizer. - eu esperei ansiosa até que ele voltasse a falar. - Meus tios são mais parecidos com você, se é que me entende! - disse, depois de uma breve pausa
- Humanos? - indaguei num cochicho ridículo.
- Sim, humanos. - ele imitou meu tom de voz.
- E Sofia?...
- Bom, digamos que ela é mais... parecida comigo. - confessou num sussurro, seguido de um sorriso largo e maravilhoso.
Lembrei-me do rosto da garotinha: delicado e doce, como o rosto de um... anjo. Seus olhos, seu jeito meigo, sua voz...
- Ela é o anjo da guarda de Clarice, não é? - perguntei, lembrando a forma como ela se
comportava na presença da tia, a forma como seus olhos fitavam sua alma protegida.
- Você é um bocado observadora. - comentou Robert com aprovação. - Sim, ela é.
Nossa! Aquilo era tão estranho, eu conhecia dois anjos de verdade, dois anjos reais...? Ah, aquilo era quase uma loucura.
- Tem uma coisa martelando em minha cabeça e acho que preciso que você me explique antes que eu comece a pirar!
- O que é? - ele ria do meu dramalhão.
- Você e Sofia... não são sobrinhos de verdade do casal Castro, são? Quero dizer, sua mãe teve dois filhos que são anjos? Como assim, as pessoas podem ter filhos anjos, sem ser mera "força de expressão"? - eu me sentia uma agente de investigação criminal, tantas perguntas.
- Realmente, muito observadora. - ele riu, abrindo minha garrafa de suco de pêssego e a estendendo para mim por sobre a mesa. - Não, não somos sobrinhos de verdade do casal Castro, esse é apenas um disfarce. Lívia, a irmã de Clarice, não é nossa e - ele balançou a cabeça quando pronunciou a última palavra,
- Disfarce, é? - dei um longo gole no refresco e o ofereci a ele.
Robert tomou a garrafa da minha mão, mas não bebeu de imediato, seus olhos fitaram por um instante o pequeno gargalo de plástico onde meus lábios haviam tocado. Esperei em silêncio, sabendo exatamente o que ele devia estar pensando.
Ele voltou a falar, os olhos ainda fixos na garrafa em suas mãos.
- Bom, quando fiquei sabendo que você se mudaria para o Rio de Janeiro...
- Espere aí! Primeiro: como ficou sabendo? - eu não podia deixar passar nada.
- Sua tia Judite havia falecido e...
- O que a morte da tia Judite tem a ver com tudo isso?
- Se parar de me interromper acho que posso explicar. - ele me repreendeu sorrindo.
- Me desculpe, prossiga! - falei, fingindo fechar a boca com um ziper.
- Eu te disse que Asbel e Ozni são muito... compreensivos com relação ao que sinto por
você, não é? Pois então, foi o sinal que recebi. - disse ele levando a garrafa à boca e fitando-
me intensamente.
- Você disse sinal? - perguntei, solicitando, com um gesto, meu suco de volta, louca para
colocar os lábios onde os lábios dele haviam tocado.
- Sim, um sinal - Robert devolveu-me o refresco, mas, assim como ele, não consegui beber de imediato. Encarei o pequeno gargalo. O coração batia em guinadas descompassadas. Por sorte Robert voltou a falar, antes que eu assediasse a garrafa publicamente.
- Quando a alma de sua tia Judite deixasse o corpo, então estaria próximo o dia em que eu poderia estar perto de você outra vez. Você chegaria no exato lugar onde ela desencarnou, ou seja, no Rio de Janeiro. Não me leve a mal, mas... esperei muito pela morte dela, e quando aconteceu, resolvi que já era hora de possuir um corpo de verdade, de finalmente tomar minha forma humana...
- E que forma! - pensei, alto demais. Robert balançou a cabeça sorrindo. Baixei os olhos,
um pouco constrangida por deixar escapar aquilo.
Ele continuou.
- Eu não sabia exatamente quando você chegaria, poderia ser uma semana após a morte da sua tia, um mês, um ano...
- Ou quase três! - murmurei, incrédula do tempo que tivemos que esperar. Fazia mais de dois anos que tia Judite havia partido.
- Sim, ou quase três anos! - concordou tristemente. - E eu precisava estar preparado, treinado como um humano de verdade para finalmente encontrar você. Precisava de um bom disfarce, tipo "uma família e um passado". Foi então que surgiu o casal Castro, e inventar uma vida própria tornou-se muito mais fácil do que eu realmente esperava.
Robert fez uma breve pausa. Seus olhos corriam sem pressa pelo refeitório. Acho que estava me dando um tempinho para respirar, antes de prosseguir com suas revelações.
- Clarice e Lívia não se falavam há quase vinte anos, tiveram uma briga muito séria
quando Lívia ainda estava no primeiro ano de faculdade. Clarice já era casada com Miguel Castro, e vinha tentando engravidar há pelo menos dois, sem sucesso. Nessa época a Lívia teve um caso com um veterano da filosofia e desse romance surgiu uma gravidez indesejada. Mas, ao contrário de Clarice, Lívia nunca desejou ser mãe de alguém, então a primeira coisa que fez foi procurar uma dessas clínicas clandestinas e...
- Ela não fez isso... - murmurei pasma. Robert encarou-me também inconformado.
- Lívia sempre foi muito diferente da irmã, sempre foi meio desequilibrada. As duas foram criadas pela avó materna, que faleceu quando elas ainda eram bem pequenas. Depois disso passaram por vários abrigos até que Clarice completasse a maioridade e pudesse se responsabilizar pelas duas.
- E os pais delas, onde estavam?
- Mortos, acidente de carro. - coitada de Clarice, pensei com pesar. - Lívia jurou que jamais teria um filho, porque tinha medo de não poder estar com ele para sempre, assim como seus pais e a avó não puderam estar com ela.
- Ainda assim, não acredito que ela teve coragem de... - eu não conseguia completar a frase.
Robert suspirou.
- É realmente muito difícil de acreditar, mas, por alguma razão, algumas pessoas são
capazes de fazer isso. - havia dor nos olhos dele. - Não foi algo fácil para Lívia, ela
contraiu uma série de infecções, quase perdeu a própria vida e teve que recorrer a Clarice, desesperadamente, para se salvar. E foi exatamente aí, neste ponto, que as duas deixaram de existir uma para a outra. Clarice não conseguiu acreditar que Lívia fora capaz de um ato como aquele . Jamais conseguiu aceitar a ideia de que a irmã tivera a chance de ter o que ela
própria mais desejava, e havia se livrado daquilo. Clarice não conseguia aceitar que o que para ela era uma dádiva, para Lívia era visto como uma maldição.
Ele continuou:
__ Resumindo, Lívia abandonou a faculdade meses depois, quando conheceu Otávio Prado, um jovem executivo em ascensão, e mudou-se com ele para o sul. Os dois se casaram anos mais tarde e compraram uma bela casa em Santa Catarina. Lívia não mandou o convite de casamento para Clarice e, desde então, elas nunca mais tiveram notícias uma da outra. A não ser, é claro, quando um oficial de justiça apareceu na porta do casal Castro, avisando sobre o trágico assassinato de Otávio, o suicídio de Lívia, e os filhos que ficaram órfãos e abandonados a própria sorte. Clarice teve de escolher se ficaria com os sobrinhos ou os deixaria seguir para algum abrigo.
__ Ela não faria isso. - murmurei, o que já era óbvio,
__ É claro que não, principalmente se você levar em consideração o passado que teve.
__ Mas e os filhos de verdade da Lívia? Eles não podem aparecer a qualquer momento e
acusar você e Sofia por, sei lá, roubo de identidade?
__ Quem disse que Lívia e Otávio tiveram filhos de verdade? Lívia jurou que jamais seria mãe, e foi capaz de cumprir sua promessa, mas Clarice nunca saberá disso.
- Por isso você as escolheu. - eu disse.
- Exatamente. - ele sorriu, ao perceber que eu havia entendido tudo - Bom, na verdade
quando eu ainda avaliava a melhor maneira de fazer parte da família, Sofia surgiu em meu caminho - Robert balançou a cabeça e tentou ocultar um novo sorriso - Há algum tempo ela vinha buscando uma forma de fazer parte da vida de Clarice, uma forma de diminuir a falta que um filho lhe fazia. A ideia de ser a filha órfã da irmã morta era perfeita para ela. Discutimos um bocado sobre quem tinha o direito de assumir o papel de filho da Lívia e ganhar uma família. Eu tive a idéia primeiro, mas Sofia era anjo da guarda da nossa candidata a futura mamãe, e dizia que por isso a vaga, por assim dizer, devia ser dela. No fundo eu sabia que ela tinha razão, e já me preparava para buscar por outros pais quando ela
disse que podíamos aparecer como irmãos. É claro que aceitei, e depois veio a parte mais
fácil: falsificar alguns documentos, certidões, e pronto. Um passado de verdade, bem diante dos nossos olhos. A aceitação de Clarice e Miguel foi bem mais fácil do que esperávamos. Eles até nos levaram a um cartório e acrescentaram o novo sobrenone, queriam que nos sentíssemos como sendo uma família. - ele sorriu com alguma lembrança.
- E ela... Sofia, sabe sobre nós? - perguntei timidamente.
- É claro que sabe.
- E o que ela acha, digo, de você ter infringido as regras do seu mundo só pra ficar comigo?
- Não é ! - corrigiu ele, um pouco ofendido. Meu coração inflou dentro do peito. - Pra ser sincero, Sofia tentou me convencer a voltar atrás, mas quando percebeu que não havia nada que pudesse me fazer mudar de ideia, acabou aceitando. E quer saber, ela me deu a maior força pra te contar a verdade. Parece que você soube mesmo como conquistar a cunhadinha. - zombou - E por falar em cunhadinha, acho que preciso ter uma conversa com a minha!
Não. Ele não estava pensando em conversar com Lena sobre... a gente.
- Não acho que seja uma coisa realmente necessária. E não havíamos combinado de manter segredo? - interceptei.
- Acho que podemos manter em sigilo apenas no colégio, porque se vou namorar você, quero fazer as coisas direito. - ele parecia muito convicto.
- E qual é o plano? - indaguei. - O que pretende fazer? Chegar em Lena e pedir minha mão em namoro? - tentei debochar, mas minha voz era audivelmente desesperada.
- Sim. - ele parecia tão seguro. - E pretendo fazer isso esta noite. - avisou, os olhos brilhando para mim, quase tranqüilizadores.
Quase.

Mais um capítulo pra vocês "Roblovers"!!!!
Eeeeeeeeee!!!!!
Espero que tenham gostado, e não se esqueçam de participar da promo, ok?
Bjs bjs, até mais!!!!!

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