16. O beijo

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Entrei no prédio e encontrei Marcos esperando por mim ao lado da porta do elevador.
Ainda parecia chateado. Mas falou comigo.
- Oi.
- Oi. - respondi ao cumprimento, enquanto caminhava para as escadas.
- Por que não usa o elevador? - sugeriu ele, em tom de boa surpresa, quando subi o primeiro degrau.
Virei-me para olhá-lo. A interrogação saltando aos olhos.
- Consertaram esta manhã! - explicou, quando a porta do elevador abriu-se depressiva.
"Já estava na hora" pensei. Quase nem me lembrava que tínhamos um elevador no prédio.
Hesitei por um momento. Tive um estranho medo de entrar naquele elevador. Obviamente não era nenhum tipo de medo claustrofóbico. O que eu sentia tinha a ver com ter que enfrentar Marcos. Eu não teria para onde fugir se ele quisesse recomeçar nossa conversa e isso era meio preocupante, aliás, preocupante demais.
Marcos segurou a porta do elevador, olhando-me paciente, com um sorriso mínimo nos lábios.
Encaramo-nos em silêncio. Várias coisas sendo ditas pelo olhar: perguntas, respostas, pedidos de desculpas, explicações... Eu ainda não havia reparado, mas os olhos dele estavam mais caramelos hoje. Sara ficaria louca se o visse agora, se visse estes olhos que me encaravam. Eu tinha quase certeza de que poderia rolar alguma coisa entre eles. Pelo o que eu conhecia de Sara, as chances eram de noventa por cento, e pelo o que eu conhecia de Marcos...
- E aí, vamos? - perguntou ele, chamando minha atenção, atrapalhando minhas estatísticas.
Respirei fundo e por fim resolvi entrar no elevador. Não tinha o que temer, eu não precisava ficar apavorada, afinal nosso apartamento ficava no quinto andar e usar o elevador nem era realmente necessário, seria uma subida rápida e tranquila.
__ Vamos! - murmurei, desistindo das escadas.
A porta de metal se fechou com um ruído baixo. Marcos apertou nosso andar no painel de números iluminados. Houve uma movimentação incomum e depois, finalmente, acho que estávamos subindo.
Um silêncio opressor e deprimente pairou sobre nossas cabeças com prazer, mantive os olhos grudados no marcador de andares ao lado da porta, desejando que fosse mais depressa - aquele silêncio estava acabando comigo - mas então, vi Marcos esticar o braço com cuidado meticuloso e apertar o botão de emergência.
- O que está fazendo? - perguntei sobressaltada, encostando na lateral metálica, quando a caixa minúscula em que estávamos chacoalhou, rangeu, tremeu, estalou e... parou.
- Precisamos conversar! - ele olhava-me de frente, a expressão confusa.
Não seria uma subida rápida, muito menos tranqüila. Por que foi que acreditei nisso?
- Olha, Marcos, já conversamos e não quero brigar com você. Então, vamos esquecer tudo o que dissemos esta manhã, tudo bem? - pedi, totalmente arrependida por não ter escolhido as escadas quando tive a chance.
- Não se preocupe, Ísi. Não é sobre isso que quero conversar. Não agora! - Marcos hesitou, parecia inseguro. Seus olhos brilhavam mais que o habitual.
Sobre o que ele estaria pretendendo conversar agora?
- Na verdade... quero te pedir uma coisa.
- Me pedir... o quê? - indaguei, ainda temerosa.
- Será que pode o dizer a minha irmã que não fui à aula hoje? - pediu - Por favor, você sabe como Suzana é toda... toda... - ele não conseguia encontrar a palavra certa.
- É, eu sei! - resolvi facilitar. Era realmente difícil adjetivar a personalidade de Suzana sem parecer uma calúnia. - Não sou nenhuma fofoqueira, não se preocupe, não vou bater na sua porta e te entregar pra sua irmã!
__ Sei que não faria isso, - ele meio que sorriu pra mim - mas se Suz te encontrar no corredor e perguntar alguma coisa....
__ Você quer que eu minta, é isso?
- Não, você não tem que mentir, apenas... omitir...
- Omitir? - interrompi friamente.
- Exatamente. Pode fazer isso?
Eu o encarei em silêncio, aquele seu pedido era uma coisa bem simples de se fazer, afinal eu realmente não precisava dizer nada a irmã dele sobre sua freqüência no colégio, mas de repente tomei aquele pedido como a oportunidade perfeita para justificar minha "omissão" da verdade para Beatriz.
- Às vezes precisamos omitir algumas coisas, não é? Quando sabemos o quanto pode ser difícil e complicado dizer a verdade. - atirei essa sobre ele sem nenhuma piedade. Eu sabia que Marcos leria nas entrelinhas e entenderia muito bem o que eu queria dizer com aquelas palavras.
Ele encarou-me indignado. Minha mensagem implícita era bem clara em seus olhos.
- É, - concordou. - acha que pode fazer isso? - ele repetiu a pergunta com ironia,
sugerindo já saber minha resposta.
- Posso. - concordei. - Por você! - acrescentei num tom que inspirava troca de favores.
Marcos acenou com a cabeça e colocou o elevador em movimento novamente. O restante da subida foi feito num silencio ainda mais torturante do que o do inicio. Mas quando nos despedimos, Marcos estava sorrindo e disse que ainda seria muito bom me fazer companhia até o colégio. Concordei com um suspiro pesado, era injustiça eu não conseguir ficar com raiva daquele garoto.
Aquela noite, deitada em minha cama, fiz uma oração aos sussurros. Pedi a Deus que me mostrasse o melhor caminho, que me ajudasse a não ferir ninguém, mas que também não permitisse que eu mesma me ferisse. A inconsciência me dominou sem que eu pudesse perceber, e dessa vez tive o sonho mais perfeito de todos.
Estávamos no bosque, o lugar secreto dele, ao pé do imenso Ipê amarelo, suas folhas e flores dançavam ao leve toque da brisa quente. Robert me encarava com um brilho nos olhos que fazia meu coração doer. Era um brilho tão quente, tão só pra mim. Eu nem ao menos ousava piscar, não queria perder um segundo do tempo que tinha para olhá-lo. Ele deu um passo a frente, vindo em minha direção. Tremi. Outro passo, e mais outro, e então ele estava parado diante de mim. A brisa soprou com mais força e as folhas do Ipê sincronizaram um passo de
dança frenético. Robert ergueu uma das mãos e segurou uma mexa de cabelo que se insinuava pelo meu rosto. Ele sorria, e sem dizer uma palavra inclinou-se para mim e, com toda lentidão existente no mundo, tocou levemente seus lábios nos meus.

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