22. Permissão

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Eu realmente temia a reação de Lena quando soubesse da novidade. A irmãzinha caçula querendo namorar? Ok, ela surtaria com isso, e eu não queria estar por perto quando acontecesse. Seria bom poder adiar a tragédia pelo maior tempo possível.
- Não acha melhor esperarmos um pouco mais? - insisti, encarando Robert com esperança, enquanto deixávamos o refeitório, sob a pressão de vários olhares indignados. - Sei lá, podemos falar com Lena, tipo, no ano que vem.
Ele levantou uma sobrancelha para mim.
- Por acaso tem medo de mudar de ideia a nosso respeito, e espera estar livre de qualquer compromisso pra poder cair fora?
Bufei incrédula.
- Não, só acho que minha irmã pode não ficar muito contente com o que tá rolando entre a gente, e daí vamos ter o namoro mais rápido da história dos namoros, com duração de menos de vinte e quatro horas. - afirmei, forçando na cara de drama - Já pensou no que vai fazer se Lena não
me der permissão para namorar? - pronto, enfim um bom motivo para ele não querer dar continuidade à suas ações tradicionalistas.
- Você acha que ela faria isso? - ele estava se divertindo com minhas tentativas de
convencê-lo a esquecer aquilo.
- Precisa ser muito intrépido pra enfrentar minha irmã. - garanti.
- Hmmm, e você acha que não sou? - ele fingiu um ar ofendido, o que me fez sentir culpada.
- Se quer mesmo fazer isso, tudo bem! - dei de ombros, fingindo que não me importava. Sabia que era tolice tentar convencê-lo de que "pedir minha mão" a Lena era desnecessário. Eu mesma podia falar com ela e contar-lhe sobre nós dois. Seria bem mais fácil do que nos submeter aos seus olhares horripilantes.
- Ótimo! - exclamou ele, sorrindo. Ceder as suas vontades tinha certas vantagens, por
exemplo, aquele sorriso magnífico de satisfação - Estarei no seu apartamento às sete e vinte, e não se preocupe, vai dar tudo certo! - garantiu presunçosamente. E é claro que eu acreditei.
- Te vejo à noite! - sibilei quando chegamos à porta do vestiário.
- Não, te vejo na saída! - corrigiu ele. Eu ri e concordei com um aceno de cabeça, e depois
Robert seguiu pelo corredor.
Fiquei alí, vendo-o se afastar, absorta com a ideia de que ele era real e me pertencia

- Pronta para uma partida de vôlei, Ísi? - a voz de Amanda Siqueira era impertinente e seu rosto debochado. Estávamos na quadra de esportes e a treinadora havia nos colocado no mesmo time. Beatriz ficou no time adversário, o que pareceu muito prazeroso a ela.
- O que está rolando entre você e Robert? - perguntou Amanda, após o primeiro saque. Fingi atenção no jogo para não estender minha resposta.
- Somos amigos! - meus olhos seguiam a bola, que voava de um lado para o outro da rede.
- Vocês parecem mais do que amigos. - objetou ardilosamente. Deixei a bola cair. Ponto para o outro time. Minhas companheiras reclamaram em uníssono, pedi desculpas, mas elas não pareceram aceitar.
Eu não queria ter que ficar ouvindo Amanda atrás de mim, especulando a respeito de minha vida pessoal. O quê isso interessava a ela, afinal? Mas seria difícil fazê-la calar a boca.
- Essa situação deve ser um pouco embaraçosa pra você, não é? Como consegue lidar com isso? - sua pergunta era irritantemente capciosa, cheia de maldade.
- Não sei do que está falando! - arfei, saltando para sacar uma bola que vinha pela minha direita. Ponto do meu time... Mas parecia que nem isso abria o sorriso das outras garotas pra mim. Quantos pontos eu teria que fazer pra que elas não me olhassem com fúria?
- Beatriz aceitou seu romance com o amor da vida dela? - virei-me para encará-la, aquillo estava passando dos limites. - Humm, pela sua cara... acho que não! - Amanda ria. Meu sangue esquentava dentro da cabeça.
Voltei ao jogo, dizendo a mim mesma que devia ficar calma. Ela não merecia minha atenção.
Ela não merecia minha atenção. o merecia.
No final do jogo, meu time perdeu vergonhosamente, três sets a um, e a culpa parecia estar toda em meus ombros. Não importava quantos pontos eu tivesse feito, ou quantas bolas as outras garotas haviam perdido. Elas não tinham nenhum senso de justiça, a culpa era minha e pronto.
Caminhei sozinha de volta ao vestiário. Beatriz não me esperou, preferiu ir com as outras garotas. Eu estava terminando de me vestir, quando Amanda apareceu como um fantasma na minha frente, o mesmo rosto debochado de antes.
Fingi não percebê-la.
- Sabe, eu estive pensando - que surpresa, ela pensa. - O que Robert viu em você, quero dizer... - ela me olhou com desprezo da cabeça aos pés. - Olhe só pra você, uma caipirinha sem graça, que mal sabe se vestir. - contei até dez para não voar no pescoço dela. - Acho que você estava falando mesmo a verdade, quando disse que são apenas amigos, afinal, Robert tem opções muito melhores na escola, não concorda? - ela falava como se estivesse dizendo
qualquer coisa trivial. Seus olhos verdes fitavam-me quase que com simpatia e ela balançava os cabelos amarelos, talvez apenas para se exibir.
- Não sei por que se incomoda tanto comigo! - ataquei, pegando minhas coisas e
caminhando até a porta.
Ela se colocou na minha frente, interrompendo a passagem.
- Sei que é mais esperta do que aparenta ser, Heloísi! - disse entre dentes.
- E sei que é mais irritante do que pensei que fosse, Amanda! - eu disse sustentando seu olhar. Ela não me assustava como Beatriz, era mais fácil me impor diante de suas investidas.
Saí do vestiário esbarrando em seu ombro, caminhei para o estacionamento com a raiva me corroendo as entranhas.
Relaxei um pouquinho quando vi que ele já estava esperando por mim.
- Não estou gostando de sentir isso! - reclamou Robert, assim que me aproximei de seu carro.
- Não entendi!- eu um encarei por um segundo.
- Posso sentir a emoção predominante em seu coração, lembra? - explicou. Lembrei-me imediatamente.
- Me desculpe! - murmurei. entrando no carro.
- Quer me contar o que houve?
- Nada muito importante.
Ele manteve os olhos em mim, esperando, instigando-me.
Comecei a falar assim que ele começou a manobrar para sair do estacionamento apinhado de carros.
- Amanda Siqueira, - bufei - foi isso o que houve! - a raiva começava a se desmantelar em mil pedacinhos, ficou mais fácil falar assim. - Aquela garota é muito... muito chata! - outra palavra havia passado em minha cabeça, mas eu jamais ousaria usá-la.
- Chata? - Rob riu. - Não tinha uma palavra mais adulta para usar?
- Não gosto de palavrões e você não devia estar me induzindo a depreciar meu vocabulário!- repreendi-o.
Ele continuava a rir.
- Posso não ser tão certinho para um anjo, nem tão bonzinho.
Olhei para ele tentando entender o que significavam aquelas palavras, mas ele não me deu tempo suficiente para pensar.
- O que Amanda fez? - perguntou.
- Bom, na verdade ela não fez nada.
- E você ficou assim por nada? - insistiu.
- Ela me irritou durante toda a Educação Física com uma conversa sobre eu e você, e... Beatriz. - encostei a cabeça no banco e fechei os olhos, queria esquecer que entre mim e
Robert havia Beatriz, e possivelmente Amanda também.
- Já disse que não deve se preocupar com isso, não deve dar atenção às coisas que essa... garota diz! - havia um tom inescrutável em sua voz quando ele se referiu a Amanda, fiquei curiosa de imediato.
- Não gosta muito dela, não é? - perguntei. Ele não respondeu. Algo começava a incomodar meus pensamentos. - Acho que ela é apaixonada por você, o que não é nenhuma surpresa pra mim!
Robert manteve o rosto sério, o queixo trincado e os olhos fixos na estrada.
- Sabe, alguns garotos da escola dariam a vida pra sair com ela. - comentei. - Mas você... não parece muito animado com a ideia de que ela esteja totalmente na sua. - insisti.
- Realmente, não me agrada nem um pouco. Os garotos da escola são uns tolos, eles nãoveem o que eu vejo...
- E o que você vê? - ele me olhou de leve, acho que apenas para ver minha expressão e tentar entender por que eu estava fazendo aquelas perguntas.
- Arrogância, prepotência, falsidade, dissimulação, maldade... A alma daquela garota está corrompida. Sinto pena do anjo da guarda dela.
Eu não sabia o que dizer. A forma como Robert havia descrito a alma de Amanda... com tanta repulsa na voz, como se estivesse descrevendo o caos...
- Não me agrada ficar qualquer período de tempo perto de alguém que possui uma alma como a dela, é angustiante. - completou.
- Nossa! Não esperava que você tivesse um argumento tão bom!
- Argumento?
- Quero dizer... motivo. - tentei corrigir, tarde demais.
- Explique-se.
- Tudo bem. Hã, eu... uma vez, ou talvez duas, cheguei a pensar que talvez, preste bastante atenção, eu disse talvez, o fato de você aparentar não gostar da presença de Amanda fosse apenas um argumento para esconder qualquer outro sentimento que alimentava por ela, ou coisa assim... Eu sei, sou paranoica.
Robert alternava seus olhares entre mim e o asfalto.
- Que outro sentimento você quer dizer?
- Não sei, atração talvez, ou algum tipo de paixão, sei lá. - eu era mesmo paranoica.
- Ah, claro, eu devia mesmo sentir-me apaixonadamente atraído por Amanda Siqueira, afinal ela é a garota mais popular da escola, não é?
- Com toda certeza. - concordei.
- Isso é ridículo.
- Não é não. Ela muito bonita, não pode negar este fato. - por que eu não calava a boca?
- Tem razão, Amanda é realmente muito bonita. - Robert olhou-me de lado, a ênfase de uma palavra saltando em seu rosto sério. Segurei firme o golpe de desânimo. Então ele a acha bonita? - Mas não é o tipo
de beleza que exerça qualquer centelha de entusiasmo em mim, não é o tipo de beleza que me atrai.
Ele não era o primeiro garoto a me dizer aquilo. Marcos fizera o mesmo comentário uma vez a respeito do grupinho de quase Barbies.
__ Nem toda beleza do mundo superaria a perdição daquela alma, Ísi.
- Então, se ela... - era realmente ridículo o que eu estava prestes a dizer, mas eu diria mesmo assim. - Se ela tivesse uma alma como a minha, por exemplo, ou se... eu tivesse um rosto como o dela, você teria a
garota ideal ao seu lado. - comentei, com uma pontada de revolta, pois parecia mais fácil que a alma de Amanda recebesse a redenção, do que eu, um dia, chegasse a ser tão bonita quanto ela.
- Você é mesmo paranoica, - resmungou Robert, revirando os olhos para mim. - Você, e apenas você, é a garota ideal para mim, exatamente como é! - fiquei feliz e aliviada por sentir a verdade em suas palavras, era bom e reconfortante saber que eu era única na vida dele.

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