33. Presentes

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__ Ah, meu Deus! - reconheci a voz dela imediatamente. - Não acredito que é você! -
quase explodi de alegria.
Robert e eu havíamos falado sobre minha melhor amiga aquela tarde, e numa coincidência bizarra ela estava ao telefone, falando comigo?
__ Estou morrendo de saudade... Eu ia te ligar antes, mas...
__ Sara, eu não acredito que é você. - quase gritei de euforia, mas no mesmo instante senti meu coração apertar.
Sara detestava falar ao telefone, um dos motivos para ela não ter um celular, então devia haver uma boa razão para ela estar me ligando naquele momento.
__ Aconteceu alguma coisa, por que está me ligando? - perguntei, tentando acreditar que não tinha nada a ver com meus pais.
__ Eu precisava ouvir sua voz, Ísi, sei lá, acho que hoje acordei com mais saudades suas do que o habitual! - o tom de Sara era quase abafado, como se ela não quisesse que eu soubesse o quanto estava infeliz.
__ Acho que acordo sentindo sua falta mais que o habitual todos os dias!
Ela riu do outro lado.
__ Você é muito exagerada! - foi fácil quebrar o clima melancólico.
__ Como estão as coisas aí? Quero dizer, com meus pais? - perguntei, sem a certeza de que queria mesmo uma resposta.
Sara suspirou longamente.
__ Na mesma - foi a resposta dela. Eu já esperava por isso, e não iria insistir por nenhum detalhe.
__ E você, como está? Quais são as novidades? O que tem feito? Eu não acredito que estou falando com você. - minha curiosidade era tangível.
Sara monologou por vários minutos sobre tudo o que julgava ser interessante e que ainda não havia me contado em suas cartas. Era incrível ouví-la falar, ouvir sua voz, aquele timbre quase rouco que eu amava tanto.
__ Ah, Ísi, sabe como é, a vida em Campos é a "vida em Campos"!
Eu ri, grudada ao telefone, balançando a cabeça condescendente, mesmo sabendo que ela não podia me ver.
__ E aquela história que me contou sobre Guilherme, do Capivari, na ultima carta, o que deu afinal? Foi pra frente? - perguntei assim que ela deu sinais de que pararia de falar.
Ouvi Sara suspirar do outro lado da linha, e aquele suspiro revelava muita coisa.
__ Bom, minha historia com o Gui... tá meio confusa.
__ Confusa?
Mais um suspiro.
__ Ah, sei lá, ele é meio imaturo, sabe? Às vezes até me irrita um pouco com suas idiotices e ideias ultrapassadas, mas...
__ Mas...
__ Ah, que droga, se quer mesmo saber, acho que gosto dele.
__ O que? Jura?
__ Não consigo parar de pensar nele, e quando estamos juntos... sei lá, nem me reconheço...
__ Sei exatamente o que está sentindo.
__ Por falar nisso, e o seu namoro? Como é que anda?
__ Muito bem, vamos a uma festa hoje à noite.
__ Sério? Tipo... Como um casal de verdade?
__ Não exatamente, bom... isso não importa!
__ Está feliz?
__ Muito! - murmurei com voz embargada - Mas se você estivesse aqui, minha felicidade
seria ainda mais completa.
__ Não importa a distancia, Ísi, estaremos sempre juntas, lembra? - disse Sara do outro lado, e pela sua voz percebi que devia estar chorando.
-- Sinto sua falta, Sara!
-- Não sinta.
-- O que? Como tem coragem de me dizer isso? - reclamei.
-- Bom, não deve ficar sentindo minha falta porque em breve estaremos juntas!
-- Sara, nós duas sabemos que meus pais nunca vão me deixar voltar para casa, e na
verdade... nem sei se agora eu quero isso!
-- É claro que não quer, tá na cara. Mas não estou falando de você voltar pra Campos do
Jordão!
-- Ah , não?
-- Com certeza não. Estou falando de eu ir para o Rio.
__ O que?
__ Bom, estou quase convencendo meus pais a me darem, de presente de aniversario, uma passagem para o Rio de Janeiro...
__ Sara...
__ Eu sei, isso seria incrível, não é?
__ Incrível demais, passaríamos nosso aniversario juntas!
__ Essa é a principal idéia por detrás da minha insistência para ganhar as passagens. Juro que não tem nada a ver com querer, desesperadamente, visitar o Cristo Redentor, ou andar de bondinho no Pão de açúcar, ou ainda desfilar pelas areias de Ipanema e Copacabana.
__ É bom saber disso, - eu ri com ela - e se quer saber, ainda não fiz nenhum desses programas, acredita?
__ É claro que acredito, seu espírito de turista cometeu suicídio depois de tanto aturar os turistas que infestam nossa cidade.
__ É, acho que deve sr isso mesmo. Mas quando você vier para cá, prometo ir a todos estes lugares com você.
__ Se você não quisesse ir, eu te arrastaria de qualquer maneira! - eu ri, porque sabia que ela estava falando serio - Bom, mas agora estou focada em conseguir ganhar a passagem.
__ As passagens. - corrigi, com ênfase dolorida. - Ida e volta, certo?
__ Não faço questão da passagem de volta.
__ Pois nem pense em dizer isso aos seus pais, ou pode esquecer o corcovado. - alertei. __ É, eu sei! - Sara suspirou, e ficamos alguns segundos em silêncio, ouvindo a respiração uma da outra, até ela voltar a quebrar o silêncio melancólico - Olha só, preciso desligar, meu pai me mata se descobrir que estou ligando para o Rio de Janeiro, e sou muito nova pra morrer, não é?
__ É claro que é - concordei rindo - Prometo que vou te ligar um dia desses...
__ Vou esperar, mas posso prometer que eu vá te atender!
Nós duas rimos.
__ Eu te amo!
__ Também te amo, Ísi! E, divirta-se na festa! - ordenou ela rindo.
__ Vou tentar.
__ Tchau!
__ Tchau!

IntrínsecoWhere stories live. Discover now