— Ah, não. Não quero incomodar, falo com ele amanhã. - eu disse, tentando recusar a ideia tentadora.
— Por favor, – implorou Sofia, com olhinhos brilhantes – se você ficar não precisarei passar a tarde toda sozinha.
— Você está sozinha em casa? Onde está Clarice? – perguntei alarmada. Como eles deixavam uma criança sozinha?
— Minha tia está no shopping com uma amiga. E eu sei me virar sozinha, – garantiu-me ela, e pareceu levemente ofendida pelo meu tom chocado. — Mas é um pouco chato não ter com quem brincar, se você ficar... – sua voz era suplicante.
— Não sei se é uma boa ideia... – eu disse tentando analisar a situação.
— Podemos brincar de casinha até Rob voltar, – disse, arrastando-me para dentro. – Vem, vou te mostrar meu quarto!
Sofia arrastou-me pela mão escada acima, sorrindo ecorrendo como se eu fosse sua nova coleguinha.
— Eu serei a mamãe, – disparou ela – e você será minha filha.
— Tenho alguma escolha? – zombei, concordando com um sorriso.
Impressionante como fui facilmente convencida. Por que eu não aproveitava que Robert não estava em casa e fugia dali o mais rápido possível? Eu estava recebendo a chance de fugir e não passar por nenhum constrangimento. Então por que eu estava subindo as escadas, feliz por estar perto da irmã dele, por estar na “casa dele”?
O quarto de Sofia era imenso. As paredes eram cobertas com papel de parede gelo adornado por arabescos e flores delicadas em tons de rosa e amarelo. No meio do quarto ficava uma enorme cama cheia almofadas fofas; à esquerda, um guarda-roupa de madeira pintado de branco, com arabescos em dourado dava sobriedade ao ambiente infantilizado pelos bichos de pelúcia e as bonecas espalhados por cada canto. À direita, uma enorme porta de vidro dava acesso à sacada com vista para o jardim dos fundos, as cortinas de renda branca dançavam em câmera lenta com a brisa. No outro extremo do quarto, de frente para a cama de princesa, uma penteadeira, que combinava muito com o guarda-roupa, estocava uma infinidade de produtos
de beleza, perfumes e loções.
Fiquei impressionada que uma garota de sete anos tivesse mais produtos de perfumaria do que eu.
Mas o mais impressionante do quarto era o teto. Um céu azul claro com nuvens brancas e imóveis estava acima de nós. Era lindo, um céu só para ela.
__ Sente-se aqui, vou arrumar o seu cabelo – ordenou ela, empurrando-me para sua
penteadeira.
Deixei que ela escovasse meus cabelos pelo menos umas trinta vezes, que fizesse e desfizesse tranças e penteados variados. Consegui escapar da maquiagem alegando que eu era a filha e que crianças não combinam com maquiagem. Para meu alívio, Sofia aceitou minha recusa sem pestanejar e voltou a mexer em meu cabelo.
— Vou te deixar linda pra quando Rob chegar! – afirmou animadamente desfazendo mais uma trança. – Ele gosta de você! – comentou, como um pensamento que acabara de escapar.
Tentei manter a calma. Talvez o gostar a que ela se referia não tinha o mesmo sentido do
gostar que eu havia imaginado. Talvez fosse um gostar de gostar, assim como ela gostava de mim. Eu esperava muito que não.
— Ele te disse alguma coisa sobre... isso? – gaguejei.
Até uma garotinha de sete anos era capaz de perceber meu embaraço quando o assunto era Robert Castro.
Sofia riu alto, desfazendo o novo penteado antes mesmo de terminá-lo.
— Não, ele não me disse nada! – cantarolou ela. Sua vozinha era melodiosa e distraída.
Suspirei. Não era exatamente a resposta que eu desejava ouvir.
Sofia mantinha a escova em punho, mais fios de cabelo sendo arrancados. Agora todas as suas atenções estavam voltadas para o novo penteado que ela tentava fazer, puxando meu cabelo todo para o alto da cabeça.
— Mas mesmo assim, sei que ele gosta de você. – confidenciou, enterrando presilhas
coloridas em meu couro cabeludo.
Não dei a mínima para a dor que isso me causou.
— E como sabe? – ansiedade era pouco para o que eu sentia. Sofia parecia perceber o efeito de suas palavras em mim.
Pelo espelho eu a vi dando de ombros, um risinho escondido nos lábios pequeninos. Ela
estava se divertindo com aquilo ou era impressão minha?
— Eu sei! – afirmou com convicção.
Antes que eu pudesse interrogá-la de forma mais persuasiva, como os investigadores
costumam fazer nos seriados de TV, uma batida na porta do quarto a tirou de cima de mim.
Acompanhei-a com os olhos, enquanto ela corria para atender. É claro, eu já sabia quem era antes mesmo dela abrir a porta.
— Rob! Veja quem está aqui, – disse, arrastando-o pela mão quarto adentro. — Ela veio te ver! – seu tom de voz era bem sugestivo.
— Oi! – murmurei constrangida, não por estar na casa dele, brincando com sua irmãzinha, ou por ela ter insinuado que eu estava ali apenas para vê-lo, ou ainda por provavelmente estar toda descabelada. Não. Meu rubor imediato devia-se à ideia que martelou instintivamente em minha cabeça: e se Robert tivesse escutado nossa conversa antes de bater na porta? Parecia bem provável, levando em conta o olhar que ele lançou a Sofia no momento em que ela o
atendeu, e também sua chegada pertinente no momento exato em que eu me preparava para desenrolar minha lista de perguntas, parecia querer evitar que continuássemos o assunto.
— Oi! – respondeu Robert, e não parecia surpreso por me encontrar ali. Era como se já esperasse por isso.
Sofia voltou para o meu lado, deixando o irmão parado no meio do quarto.
— Ela não está linda, Rob? – perguntou, orgulhosa do próprio trabalho, exibindo-me como uma escultura numa galeria.
Robert me encarou por um momento, um sorriso insinuando-se nos lábios tentadores.
— Ela é linda! – exclamou com a voz rouca.
Esforcei-me para manter a respiração normal.
Por que eu estava com essa mania infeliz de colocar mais emoção e entusiasmo em cada
palavra que ele dirigia a mim? Isso estava ficando ridículo.
— Bem, maninha, acredito que você tenha se divertido bastante por hoje, mas agora chega! – disse Robert, me tomando pela mão. — Isi e eu temos muitas coisas pra fazer! – ele piscou um olho para mim, como se estivesse fazendo-me um favor por me tirar dali.
Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, já estávamos na porta do quarto. A garota fez um beicinho, como se alguém tivesse lhe arrancado o brinquedo preferido das mãos, mas não reclamou, apenas me fez prometer que voltaria outro dia para brincar com ela novamente.
— Eu até deixo você ser a mamãe se quiser! – barganhou entusiasmada e suplicante.
— Não. – eu disse. — Só volto se eu puder ser a filha – garanti. Sofia ficou radiante. Era exatamente o que ela queria.
Saímos do quarto, ainda de mãos dadas. Robert rebocava-me pela escada e eu sentia o suor encharcando minha mão, tentei não pensar muito nisso, era constrangedor. Mas era impossível não pensar na pele macia e quente que tocava a minha, os dedos longos e firmes que seguravam com delicadeza meus cinco gravetinhos, trêmulos, frágeis e molhados. Sua mão cobria quase que totalmente a minha, protetora, firme...
Desejei que a casa da piscina ficasse a cem anos-luz de distância dali, porque assim eu
poderia desfrutar do prazer de caminhar de mãos dadas com Robert Castro mais do que três minutos, que foi o tempo que levamos para chegar lá.
— Não precisa fazer isso! – disse ele, soltando minha, quando entramos em sua casa.
— Não preciso fazer o quê? – perguntei, secando discretamente a mão em minha camiseta. Ah, de repente minha mão estava tão vazia.
— Concordar em brincar com Sofia. Se não freá-la ela te transformará em sua boneca
exclusiva tamanho original! – eu ri de suas palavras – Depois não diga que não avisei!
— Eu não me importo, é sério. – confessei.
Ele me encarou com olhar divertido.
— O que foi? – perguntei, diante de sua nova expressão.
Robert começou a rir, uma risada musical.
— Você está parecendo uma dessas apresentadoras de programa infantil! – disparou, apontando para meu cabelo. A risada agora era mais alta.
Caramba! Ele devia ter razão. Eu tinha tantas fivelas e presilhas coloridas no cabelo que só poderia ser uma apresentadora de programa infantil pra ter coragem de deixar que alguém me visse daquele jeito.
Comecei a retirar toda a parafernália, enquanto Robert continuava rindo. Uma das presilhas enroscou terrivelmente numa mecha de cabelo, formando um nó medonho. Fiquei irritada, dando solavancos no cabelo na esperança de me livrar do objeto.
— Calma, desse jeito você só piora as coisas! – disse Rob, aproximando-se de mim e tirando minhas mãos do emaranhado de cabelos que eu segurava.
Fiquei imóvel. Ele estava diante de mim e suas mãos desembaraçavam com cuidado a mecha comprometida. Seus olhos ainda brilhavam de divertimento.
__ Só precisa de um pouco de paciência, tudo depende da técnica, não da força. – explicou,
empenhado no salvamento do meu cabelo. Não pude evitar o riso.
— Qual é a graça? – perguntou ele, finalmente livrando-me da fivela pegajosa.
— Você até que leva jeito para brincar de boneca! – debochei.
Ele atirou a presilha num canto da sala, fingindo perplexidade. Era tão fácil estar com ele, rir com ele, fazê-lo rir.
— Foi para isso que veio aqui, para debochar de mim? – perguntou tentando manter-se sério, mas o riso ainda estava ali.
— Bom, esse foi um dos fatores que me trouxeram. – brinquei. — Mas, na verdade, vim dizer que teremos de escolher outro livro para o trabalho de literatura.
— Por que? Você acha que “Os Miseráveis” não é bom?
— Não, não é isso. É claro que é um bom livro, tão bom que Beatriz e Willian também o escolheram. – contei com pesar.
— O que? Com tantos livros no mundo, foram escolher justo este? – reclamou ele
__ Pois é!
__ Bom, então acho que voltaremos as nossas buscas, não é? – objetou desanimado.
Concordei com um suspiro sem ter mais nada pra dizer.
Um silêncio mortal pairou no espaço entre nós. Martirizei-me por não ter esperado até a manhã seguinte para dar aquela notícia. Se existia alguma dúvida, agora estava na cara, que o que Sofia dissera lá no quarto era a mais pura verdade: eu estava ali apenas para vê-lo.
O silêncio estendeu-se por vários minutos, então decidi que já era hora de parar de bancar a idiota.
— Hã, então é isso. Só vim mesmo pra te avisar a respeito do livro. Agora... é melhor eu ir. – falei, caminhando para fora. Robert me acompanhou.
— Tem mesmo que ir? – perguntou quando chegamos a minha bicicleta.
— É, acho que sim. Por quê?
— Importa-se de ir a um lugar comigo?
— Agora?
— Sim! - ele mantinha os olhos nos meus, de um jeito intenso.
— Hã...tá... tudo bem! – concordei, sem nenhuma relutância.
— Legal, - Robert sorriu, com um arzinho vitorioso - volto em um minuto! – disse, correndo para os fundos da casa.
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Intrínseco
Fantasy"Será mesmo possível alguém se apaixonar pelo seu próprio anjo da guarda? Acredito que sim, pois eu estava, irreversivelmente, apaixonada pelo meu. E por mais bizarro e absurdo que pudesse parecer, por um milagre, ele também estava apaixonado por mi...