24. Temperamental

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Fiquei olhando para aquele sorriso falso da Amanda, e me perguntando o que ela pretendia com aquilo. Por que ela estava falando comigo?
- Oi. - respondi cautelosa, depois de um instante em silêncio.
A garota mostrou ainda mais os dentes, e confesso que aquilo me assustou um pouquinho.
- Vou dar uma festa na minha casa, no sábado à noite, - ela disse, com uma animação tão falsa quanto aquele sorriso congelado em seu rosto - e... gostaria muito que você fosse! - anunciou, para minha total surpresa.
Fiquei pasma, serio. Amanda Siqueira estava me convidando para uma festa?
- É seu aniversário? - perguntei.
__ Não, só uma social para reunir os amigos! - informou com naturalidade.
Espera, ela disse amigos? Desde quando eu pertencia a listinha cor de rosa de amigos dela?
Ela continuou.
__ Meus pais vão passar o fim de semana em São Paulo, e a casa estará livre para mim. E
então, você vai, não é? - ela parecia fazer questão da minha presença.
O que estava acontecendo com aquela garota? Até onde eu sabia ela não parecia gostar muito de mim.
- Hã... Sábado? Não sei, acho que marquei de jantar com minha irmã. - menti
descaradamente.
Amanda revirou os olhos para mim.
- Ah, garota, qual é? É uma festa na minha casa, provavelmente não sabe o que significa isso! Todo mundo estará lá. Todo mundo! - enfatizou, com aquele ar cheio de prepotência.
Respirei fundo.
- Não posso garantir que eu vá aparecer, mas, de qualquer maneira, obrigada pelo convite! - agradeci, sem nenhum entusiasmo.
É claro que eu não iria a uma festa dada por Amanda Siqueira.
Ela murmurou um "hum", entediado, enquanto dava de ombros e seguia para sua carteira.
Percebi quando ela lançou um olhar muito amistoso na direção de Beatriz, antes de se sentar, e Beatriz meio que sorriu de volta. Aquilo foi muito estranho. Por acaso as duas tinham voltado a ser... amigas?

Minha pergunta foi respondida no almoço, quando Beatriz seguiu com o bando de Amanda até o refeitório e sentou-se à mesa delas.
Como isso havia acontecido? Quando tudo havia mudado?
Olhei nossa antiga mesa. Estava vazia. Corri os olhos pelo grande salão abarrotado de alunos e vi Marcos, amuado, sentado à mesa de Tevi Cheng e os seus amigos da Biologia, Mei estava lá também. Ana Paula e Renan já não almoçavam mais com a gente nos últimos tempos, estavam mais preocupados em passarem um tempinho juntos.
Estávamos separados, cada um em um canto, mal nos falávamos e a culpa era praticamente toda minha.
Respirei fundo, sentindo o tamanho do meu egoísmo. Ah, a cada dia eu descobria o quanto era capaz de ser realmente desprezível.
Robert e eu seguíamos para a fila da cantina, mas parei no meio do caminho, pensativa. Ele me encarou, interrogativo.
- Sei que não está com fome - afirmei. - Então, se importa se não comermos hoje?
- Não quer comer? - perguntou analisando-me.
- Acho que podemos dar umas voltas por aí. Está um belo dia lá fora. - argumentei.
__ Tudo bem.
Saímos do refeitório e fomos caminhar pelo campus do colégio. Seguimos pelo lado sul que era bem menos movimentado.
Estava realmente um lindo dia alí fora, o céu de um azul incrível ileso de nuvens, o sol, forme, porém suportável, de finzinho de manhã aquecendo nossa pele, o ar fresco e fácil de ser respirado, até o cheiro da grama em que pisávamos eu era capaz de sentir.
Caminhamos em silêncio absorvendo o calor do sol. Estávamos lado a lado, nossos braços
quase se tocando.
"Quase!"
Senti um ímpeto de segurar a mão de Robert, sentir sua pele sobre a minha, havia tanto tempo desde a última vez. Lembrei-me instintivamente de nossa ida ao lugar secreto dele, nós dois brincando na chuva... seu corpo sobre o meu, quente, forte, real...
Engoli em seco a vontade que me atacou naquele momento. Eu precisava me controlar. Ah, mas era tão difícil estar ao lado dele, o objeto de todos os meus desejos, de todas as minhas vontades, e não poder estender a mão e tocar, mesmo que de leve.
Espiei com o canto do olho e vi seu rosto perfeito, seus olhos fitavam o chão, os lábios
levemente puxados num sorriso íntimo. O que ele estaria pensando? Os cabelos castanhos brilhavam sob o sol. Desci um pouco os olhos, primeiro por seu pescoço à mostra na camiseta cinza, depois por seu ombro e finalmente por seu peito visivelmente escultural, mesmo por debaixo da roupa.
Permiti-me demorar alí por um instante. Se havia algum modelo de perfeição e beleza
extrema, certamente Robert se encaixava neles com vantagens. Eu não podia ser culpada e muito menos condenada por desejá-lo, devia haver alguma indulgência divina para os pensamentos que me ocorriam quando eu estava diante dele. Antes que eu pudesse saciar minhas vontades, Robert me flagrou, virando o rosto para mim e encontrando meus olhos
cobiçosos.
Desvie os olhos com pressa, mas eu sabia que era tarde demais. Minha pulsação martelou em minha cabeça e foi em vão minha tentativa controlá-la.
Cruzei os braços no peito o mais forte que pude, esmagando meu próprio corpo como punição por ser tão facilmente dominada pelos hormônios da juventude.
- Sabe quem me convidou para uma festa no sábado? - perguntei, tentando soar natural. - Amanda Siqueira! - a surpresa ainda estava em minha voz quando anunciei. Era difícil acreditar que ela realmente me tivesse feito tal convite.
- Ela me convidou também. - contou Robert, mas não parecia surpreso como eu.
- Amanda te... convidou pra festa? - indaguei, sentindo uma pontada aguda no estômago.
Robert parou de andar. Parei também. Ele me encarou com olhos divertidos.
- O que foi? - perguntei confusa.
- Está um pouco temperamental hoje, pelo que pude sentir. - comentou.
Mantive silêncio.
- Quando te encontrei no refeitório você parecia melancólica, um minuto atrás... - ele
hesitou. - Bom, não sei exatamente como dizer como estava se sentindo há um minuto - ele riu, um pouco constrangido, e eu soube que ele havia sentido o poder dos meus hormônios. - E agora, isso que estou sentido... Por acaso o nome que dão a
esta sensação seria ciúme? - agora ele ria abertamente, glorioso.
- Não estou com ciúme. - protestei. - Isso que está sentindo é indignação. Indignação por aquela garota ser tão cara-de-pau. Agora faz sentido, ela me convidou apenas pra que você também vá a tal festa. Ah, ela é muito esperta...
- Isso me parece muito com o ciúme. - afirmou ele, fingindo pensar a respeito.
- Seja o que for - arfei - não importa, não quero mais falar de Amanda e sua festa idiota.
- Acho que será uma festa legal. - cutucou ele.
Voltei a andar em direção ao refeitório.
- Então vá e divirta-se. - incentivei.
- E você me acompanharia?
- Precisa mesmo da minha resposta? - eu estava há uns três passos na frente dele.
- Pode ser divertido.
- Com certeza será. - ironizei. - É uma festa na casa da Amanda, você sabe o que significa isso? - tentei imitar o tom de voz dela, mas foi uma cópia muito falsificada.
Robert me alcançou e parou na minha frente, impedindo minha passagem. Ergui os olhos para ele. Seu rosto era calmo, sereno...
Esqueci sobre o que estávamos falando.
- Gostaria muito de ir a essa festa, com você. Será que pode, pelo menos, pensar a respeito? - pediu, o rosto inocente e a voz aveludada.
- Achei que não gostasse dela.
- Isso não significa que eu não possa querer ir a uma festa dada por ela! - ele era bom com respostas rápidas. - Pode pelo menos pensar? - e era bom em persuadir também.
Fechei os olhos a tempo de não dizer nada que pudesse me arrepender mais tarde.
- Vou ver o que posso fazer por você. - afirmei, abrindo os olhos, mas evitando seu rosto, ainda assim tive certeza de que ele estava sorrindo.
Voltamos para o refeitório e a maioria das mesas já estava vazia, o almoço chegara ao fim.

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