Camila - Camren

By AnnyCrazy

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Uma doçura com requintes latentes de maldade, é tudo que eu tenho a dizer sobre ela, seus teoremas de Cadmilo... More

Camila (Versão Alternativa)
Camila.
I
II
III
IV - Zelúmen
V - intersexo x deceptio. onis.
VI
VII
VIII
IX - Me In Her & Flor Que Se Cheire
X
XI - A Maior Vadia de Todos Os Tempos x Happy Birthday Kea I
XII - Moth.
XIII - Sentimental Metamorphosis, Gaslighting & Good Boys I
XIV -كرو
XV
XVI
XVII - Blindaz x Mentīri x Protectio. onis
XVIII - Canis Major & Aevum.
XIX
XXI
XXII - Estrelas, Camélias & O Caçador de Pipas.
XXIII - אֶמֶת
XXIV - الخطيئة
XXV - Cárcere, Telas & O Ateliê do Amor
XXVI - The Old Love.
XXVII
XXVIII - Lily Bloom & Ryle Kincaid
XXIX
XXX
XXXI
XXXII - Lauren Jauregui
XXXIII - O Homem de Lata & A Inocência
XXXIV
XXXV
XXXVI - Coraticum
XXXVII - Dias Secos, Texas & Verão No Oregon I
XXXVIII - Dias Secos, Texas & Verão No Oregon II
XXXIX - Revelaction.
XL - منشأ
XLI - Angĕlus.
XLII - The Crow, The Truth
XLIII
XLIV - Camila.
XLV
XLVI
XLVII
XLVIII
XLIX - A Maior Vadia de Todos Os Tempos x Happy Birthday Kea! II
L - Sentimental Metamorphosis, Gaslighting & Good Boys II
LI
LII
LIII
LIV - The Star, The Aster, The Beginning & The End I
LV - The Star, The Aster, The Beginning & The End II
NOTAS
LVI
LVII
LVIII
LVIX - Primeiro Encontro.

XX

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By AnnyCrazy

N/a: Amanda está na capa, ela é a atriz Maddy Cline (da série Outer Banks) e eu vou pedir para vocês abusarem da imaginação porque a atriz tem olhos castanhos e a personagem tem olhos azuis, ou seja, eu editei a foto.

Erros eu corrijo depois, ta? Ignorem-os.

Bom chorôrô, ops, boa leitura! Preparem os lenços.
______________




A covardia é um caminho sem volta para o egoísmo. —  Camila (Fanfiction)







Narrador Point's Of View.

Martletwy Village, País de Gales — Dezembro (6 anos pós formatura e o aniversário de Keana Marie Issartel)

Encarava o copo de whisky com aleatoriedade, rodeando a borda do vidro em meio a caretas pensativas, o inseparável cigarro continuava aceso na outra mão. Debruçada na varanda do casarão onde hoje funcionava somente como o centro administrativo da Dragon Wine House, permanecia observando a filha correr lá embaixo, em meio a Marcus Göretz e Sofia Cabello.

Sorveu um gole do líquido alaranjado, acompanhada de suspiros e olhares melancólicos, ao fundo, o barulho de saltos permanecia ecoando e ecoando, tentada em analisar a sala em cada rompante.

— Até quando você vai ficar assim? — A voz de Dinah Jane ecoou séria, mas um tanto quanto preocupada, em meio olhares para a fotografia de Charlie pousada sobre a mesa lotada de papéis, contratos importantes e escalas confusas.

Era nítido o quanto trabalhava demais.

Estava trabalhando há um mês seguido sem parar com diversas cargas de hora extra.

— Ficar assim como Dinah? — Tragou o cigarro, soltando a fumaça pelo nariz.

Sem ninguém. Você não saí faz anos, qual foi a última vez que beijou na boca, Camila? Qual foi a última vez que sentou em um bar para jogar conversa fora? Você tem vinte e quatro anos, merda! E está entregando sua vida inteira para um trabalho enquanto esquece de si mesma!

Trincou o maxilar, já haviam tido aquela conversa anteriormente.

— Eu estou muito bem sozinha. — A voz ecoou sincera, porque...

De fato, já havia se acostumado. Não fazia tanta falta quanto muitos imaginavam, ter Charlize por perto era o suficiente, focar no trabalho era o suficiente e trabalhar mais de 56 horas semanais também.

Por isso sua mente acabava esquecendo de tarefas diárias, porque não há corpo que aguente tamanho peso.

Cobrir as férias de alguém importante estava deixando-a sobrecarregada.

Mas ela precisava daquela promoção.

— Você está se sobrecarregando. — A loira cruzou os braços.

— E você quer que eu faça o que, Dinah? Que eu me demita e pare de pagar a mensalidade da escola de Charlize? Que eu permita que minha filha não possa ter os brinquedos que quer? Ou que possa ter uma vida confortável? Você tem ideia de quanto custa a porra de um convênio médico?

Silêncio.

— A vida adulta não é um conto de fadas, Dinah! Você sabe disso, mas ainda não possuí um filho para sustentar. — Mantinha um tom firme, ainda dentro de controles emocionais. — Crianças podem ficar doente a qualquer momento, crianças precisam de roupas, de remédios, de mantimentos, crianças gastam muito dinheiro Jane, eu sei que parece errado falar assim, mas é a porra da realidade! Se eu parar de trabalhar minha filha não vai ter o que comer, ou então vai precisar se privar de muitas coisas! Eu não sou mais a merda de uma adolescente que depende dos pais, eu tenho contas para pagar, eu tenho uma vida dependendo de mim, Hansen!

— Mas Mila...

— Não, DJ. Agora quem vai me escutar é você. — Interrompeu solene, arqueando levemente a sobrancelha de forma inconsciente anexada a outras tragadas na ponta do pedaço de papel. — Eu estou cansada de vocês jogarem na minha cara que ela está seguindo em frente em meio a transas com fulana ou encontros com seja lá quem for, eu e ela não somos a mesma pessoa! Foda-se que ela conheceu alguém e eu não, Lauren Jauregui não deu a luz a um filho depois de estar a beira da morte meses antes! Eu pari uma criança enquanto estava com a costela fraturada, Dinah! FRATURADA! — Finalmente berrou, deixando que lágrimas escorressem. — Ela e nem ninguém vai saber a dor desumana que eu passei, vocês não tem o direito de dizer que eu preciso de alguém, sendo que foi exatamente por ter alguém que minha vida virou esse puto inferno! — Espalmou a mão na mesa, levando os papéis a voarem. — Vocês não estiveram em um relacionamento abusivo, vocês não foram parar no hospital com chances de entrar em colapso, vocês... Vocês não sabem o que é ser a Camila de seis anos atrás que ainda me assombra em meus piores dias!

— Camila eu-

— Parem de tentar me fazer viver algo que não existe mais, aquela Camila morreu Dinah. Ela não existe mais e nunca mais vai voltar a existir, da mesma forma que Lauren fodeu a porra do nosso relacionamento quando quase me matou acidentalmente aquele dia! Como eu ia saber explicar o porque de não querer ver minha própria filha?! De não querer amamenta-la? Eu simplesmente não queria, inferno!— Gritou outra vez, em meio a soluços desenfreados, finalmente desabando na cadeira de couro elegante— Eu estou cansada disso! Do olhar de pena de vocês, do fato de todos vocês terem me tirado como a hija de puta o tempo inteiro, como se eu fosse a única a ter errado naquela maldita época. E sinto muito, mas se você viajou de Newcastle até aqui só para isso, é melhor dar meia volta e sair do meu escritório, sentar a bunda no seu carro e voltar para o Condado de Tyne and Wear. Eu me isolei daquela porra exatamente porque não quero viver em um local que me intoxica o tempo inteiro!

Dinah Jane aproximou-se lentamente em cima dos saltos elegantes, sentando-se na cadeira a frente da mulher chorosa. Olhos escuros eram tão brilhantes e sentimentais quanto, embora não chorasse.

Em que merda a vida de todos eles havia se enfiado? Onde estavam os encontros aos sábados, as músicas latinas e as brigas pelo melhor local na casa para se dormir? Onde estavam as reclamações pelos barulhos tendenciosos e o café da tarde com pés molhados pela piscina manchando o piso de madeira? Onde estavam os barulhos de secadores de cabelo em meio a mochilas lotadas de bebidas alcoólicas e roupas de banho?

Onde tudo aquilo havia ido parar? Porque eles continuavam perto uns dos outros, mas com tudo parecendo ao mesmo tempo tão estranho?

Lauren Jauregui só aparecia nos encontros entre amigos que eles tinham quando Camila não estava, e quando ambas estavam juntas, era a maldita tensão do século junto a tratamentos cordiais puramente superficiais e controlados, acompanhado de expressões de enterros.

Dinah Jane sentia, inclusive, saudades até de East Sussex, onde a latina de olhos castanhos e ela saíram no soco após desavenças há seis anos atrás. Relembrar de East Sussex, também, a fazia pensar em Keana, onde a herdeira dos milionários Issartel's vivia? O que fazia nesse exato momento? Estava realmente bem? Mal? Madison Elle Beer dizia que as coisas caminhavam bem para a inglesa descendente de franceses e argentinos, mas nunca dera tantos detalhes a mais, porque...

Ninguém mais mantinha contato com ela a não ser Elle Beer.

— Nós já pedimos desculpas, Camila. — Manteve a voz baixa, não estava ali para brigar. — Mas... Poxa, não é justo com você, entende? Que se prive de viver, que... Tenha morrido por dentro. — Uniu as sobrancelhas bem feitas. — O que é mais doloroso que a morte da carne, se não a do espirito?

Um tiro talvez doesse bem menos do que escutar aquela frase.

Foda-se, houve mais um trago na droga lícita, enquanto limpava o rosto e desabotoava os três primeiros botões da blusa social creme que trajava por baixo do blazer preto, pensando e pensando no que diria, e sobretudo, segurando-se para não ser a típica Camila Cabello sem travas na língua e com respostas grosseiras e ácidas que calavam a boca de qualquer um.

PLAY — Drivers License by Olivia Rodrigo.

— A vida não é justa, querida. — Ajeitou-se no acento, dessa vez a voz saíra mais controlada, serena, mas ainda lotada de tremulações e rouquidões fragilizadas. — Eu não tenho vontade de sair, trepar, beijar. — Sorriu tristemente dando de ombros, enchendo o copo de vidro outra vez, depois de desrosquear a garrafa cara. — Isso não importa. Eu ainda a amo demais para me entregar a outras pessoas, você sabe disso.

Ela também te ama.

Ela me odeia. Lauren nunca vai aceitar que eu precisava ir embora para Portugal naquela época. — Limpou a última lágrima a escorrer.

A Kordei-Hansen sentiu o peito partir-se em milhões de pedaços ao escutar aquela frase tão convicta.

Porque sabia que em partes era verdade.

Rancor e ódio são coisas diferentes. Ela sente sim mágoa por ter sido deixada, mas hoje ela sabe que era necessário. Você precisava ir, Camila. Ela... Ela não entendia sua depressão pós parto, aquilo jamais daria certo se vocês continuassem perto uma da outra. E ela nunca vai se perdoar por ter ocasionado acidentalmente aquilo aquele dia, assim como em todas as outras vezes que cobrara de você coisas que naquele instante você não era capaz de dar. Poucas pessoas sabem sobre a psicose puerperal, poucas pessoas conhecem seus efeitos, ela também era uma adolescente de dezoito anos! Imagina como estava a cabeça dela quando Dara nasceu?

A latina sorriu morbidamente, sentindo os pelinhos na nuca arrepiarem somente ao relembrar a dor infernal que sentira.

"Vá embora!"

"Por que você não quer ver nossa filha? Por que não quer amamenta-la? E-eu... eu não entendo... Porra é- "

"Por que você está gritando?!"

— Ela parece muito bem para quem sente o mínimo de remorso, de qualquer forma, é assim que ela costuma lidar com as coisas desde a nossa adolescência, fingindo. — Apagou o cigarro no cinzeiro. — Seu tempo acabou, Dinah.

Karla Camila — a enóloga competente da Wine House Dragon — era muito diferente de Camila — a garota metida a besta e doce que cursou o ensino médio no St. Mary.

E aquela menina de sorriso gigante nunca mais voltaria.

Sua doçura exacerbada também não.

E então a bronzeada de vinte e cinco anos levantou e abriu a porta de madeira, aguardando que o torso maior passasse.

— Adeus, Hansen.

— Você irá em nossa ceia de natal, não é? — Após colocar a bolsa de couro no ombro, parou rente a abertura, fitando os olhos escuros e adornados apenas pelos cílios postiços.

— Eu estou lá desde que você e Normani se casaram. — Desviou o olhar para os diversos anéis nos dedos bronzeados longos com unhas curtas, trabalhar com a terra, natureza e plantações não permitia o vislumbre de brilhos e extravagâncias.

Usava unhas postiças em ocasiões especiais e só, aquilo também era uma parte de si que havia ficado no passado.

— Então nos vemos no natal, até dia 24, Mila.

— Até.

Com um abraço rápido do qual Dinah tentou prolongar alguns segundos a mais, Karla Camila quebrou-o as preças, sentindo os olhos arderem ao estar no aperto de alguém que aquela altura do campeonato a conhecia em suas mais profundas formas.

Dinah e ela haviam ficado estranhamente próximas demais nos últimos seis — e quase sete — anos, de fato.

Muita coisa havia mudado.

Sozinha em sua sala de trabalho, escutando a filha rir em meio a voz grossa de Göretz e a gargalhada gostosa de sua irmã mais nova que alcançava os vinte e um anos de idade. Escorregou até o chão com a mão na boca, acompanhada de lágrimas que não tardaram a escorrer furiosas novamente.

Dez, vinte, trinta minutos passados, sol tornando-se cada vez mais escasso, não paravam, por mais que tentasse engolir cada soluço a seco.

"Bom, não posso me prolongar muito pois minha mãe está com pressa. "

"Para você, espero que goste, e já digo que não irei aceitar não's como resposta."

Memórias devoravam-na cheias de fome, sanguinárias, impiedosas e injustas.

"Deixe eu te ajudar, neném"

"Eu não vou aceitar."

"Vamos, Lauren, abra a caixa."

"Amigas normais dão ingressos para show's ou corações pela metade, eu não sou normal, então estou te dando um corvo."

Havia lhe dado seu carinho mais verdadeiro para que a mesma o pendurasse no pescoço, era válido nascer sabendo que "felizes para sempre" também adoeciam em prazos de validade, não era?

Deveriam dizer coisas do tipo na escola, corações partiriam-se menos quando chegassem a vida adulta.

— Camila? — A voz alarmada de Marcus ecoou em meio ao sorriso que desfazia por ter Charlize montada em seus ombros másculos, a garotinha loira que também ria, tornou-se confusa e logo após extremamente assustada pelo estado destruído da mãe.

Com a pequena criança no chão, correu para perto da melhor amiga, que prontamente agarrou-se em sua blusa como um gatinho indefeso desesperado por colo.

— Vá assistir desenho com Sofia, Charlie. — Göretz sibilou.

Olhinhos negros permaneceram paralisados, indecisa, o corpinho suado e sujo de terra aproximou-se lentamente, até abaixar ao lado da mulher mais velha e encostar o rosto na bochecha rubra.

Mommy, você está chorando porque eu não quis tomar banho mais cedo? — Resmungou baixinho.

— Não, neném, mommy está chorando porque... porque eu caí e bati o joelho, sabe? Ai ralou muito. — Mentiu com clareza, mas fato, quando braços pálidos e magrelos rodearam-lhe junto ao aperto do melhor amigo, citando...

— C-corações nunca serão... — Pausou, tentando lembrar da frase — Nunca serão práticos... — A escuridão encarou o mar oceânico cinzento, buscando apoio.

Marcus continuou por ela:

Corações nunca serão práticos enquanto não forem feitos para não se partirem [...] Agora eu sei que tenho um coração, porque ele está doendo. Não há lugar como a nossa casa. Corações só vão ser práticos quando... Termine, Charlize. — Incentivou o homem brandamente, segurando para não transbordar em lágrimas também.

Quando não puderem ser partidos. — Completou feliz, mas estava derramando gotinhas discretas por compreender que sua mommy sofria de "joelho ralado".

E Camila ao escutar tudo aquilo? Pronto.

Chorou como não chorava há muito tempo, sentindo-se fraca por demonstrar fragilidade a quem deveria ser exemplo de força e determinação.

Nunca mais seria a mesma, o corvo havia ido embora há muito tempo de sua vida, na realidade...

Nem no pescoço dela ele se encontrava mais.

(....)

Lauren Jauregui Point's Of View

Newcastle upon Tyne, Inglaterra — Abril de 2020 (4 meses para a formatura e para o aniversário de Keana Marie Issartel)

O mar do norte em meio a suas águas cinzentas e céu nublado trazia uma sensação de nostalgia junto ao clima frio em meio a ventanias que faziam nossos cabelos voarem. Amanda estava sentada ao meu lado, enquanto as pedras deformadas pelo tempo sustentavam nossos pesos sem muitas dificuldades. Estávamos pertos da Fiddler's Green, uma escultura que fazia honras a um pescador que morreu realizando seu trabalho no North Shields. A área onde permanecíamos, inclusive, unia o rio Tyne ao mar do norte, era famosa por seus frutos e barcos em meio ao porto ali perto.

Como já dito anteriormente, eu gostava dessa mudança radical em Newcastle, de como podia sentir-me em uma cidadezinha pequena e pacata ao estar rente a orla da praia, para logo em seguida viajar de carro até o centro, perto da Tyne Bridge, onde luzes e noites movimentadas transformavam a paisagem em algo tecnológico, urbano e plenamente contemporâneo, para logo em seguida pisarmos no Paddy Freeman's Park, analisar algumas esculturas medievais e voltar no tempo.

A Long Stands Beach estava pouco movimentada, mesmo que alguns surfistas tentassem a sorte acerca de ondas pouco cativantes devido a agressividade e periculosidade, enquanto pássaros negros voavam no céu fechado, cantando junto ao barulho da maresia.

Paz.

Era plenamente confortável e desconfortável estar ao lado de alguém que sabia sobre minha condição, anexada a desconfiança distante de que a qualquer momento meu segredo estaria comprometido pelos lábios maldosos de todos os alunos presentes no St. Mary High School Of Newcastle.

O Hyundai Creta estava estacionado há bons metros de nós duas, carro inclusive, que eu descobri ser de Amanda mesmo.

"Um presentinho de vovô pelos meus dezoito anos de idade"

— Sabe... Eu gosto daqui. — Soltou ainda longínqua. — Sei que vai soar doloroso o que vou dizer em partes, mas o pai dela a trazia para pescar aqui junto com o meu, nós duas viramos "amigas" por conta da proximidade de ambos, mas no fim meu irmão mais velho sempre foi mais próximo dela do que eu. — Sorriu nostálgica. — Estou falando isso porque... É um lugar que lembra meu pai, sabe? Minha infância. — Respirou fundo, fechando os olhos, sentindo o cheiro de mar, de peixe, de poluição distante.

Meu peito tensionou devido a fala estar atrelada de alguma forma a Camila Cabello, mas algo em minha mente naquele instante parecia tentado a não lembrar dela, assim como quando passei a tarde toda conversando no Hard Rock Cafe com Keana Issartel.

Eu não precisava de beijos, sexos ou percas de virgindade, minha alma necessitava de pessoas, de risadas, de vivencia, de trocas de palavras. Meu ser era tão solitário que a única companhia possível era pensar nela o tempo inteiro, principalmente agora que Dinah estava empenhada em dedicar-se — merecidamente — a Normani e Allyson em estudar para passar em alguma faculdade boa, mesmo que ainda não soubesse bem o que fazer da vida assim como eu.

No fim, não se tratava de acumular corpos em cama de solteiro ou camisinhas jogadas no lixo, tratava-se somente de ter alguém com quem dividir momentos, e esses não precisavam exatamente possuir teores românticos. Chegar a aquela conclusão, as nove horas da manhã de uma sexta-feira, ao estar matando aula displicentemente, fazia-me pensar que eu precisava de aventuras como aquela, que precisava de alguma forma conectar-se a outras pessoas, e que, gradativamente estava perdendo o medo de o fazer.

A prova viva disso era contar a Amanda Madelyn Becker sobre minha intersexualidade.

Porque sim, ela havia omitido o Madelyn no bilhete, alegando que o odiava.

Se ela não havia contado a ninguém até agora, se não havia olhares estranhos em minha direção naqueles corredores cheios de armários e casais se agarrando fervorosamente, junto a outros alunos apenas existindo — assim como eu — que mal tinha tacar o foda-se somente uma vez na vida e entender que, tanto ela quanto Madison poderiam vir a serem minhas grandes amigas assim como Allyson Hernandez e Dinah Jane eram?

Eu não sabia bem compreender exatamente em que ponto minha cabeça havia amadurecido tanto acerca de abrir meu núcleo social, mas suspeitava que estar imersa a tantas pessoas acerca de encontros com os amigos dela, de alguma forma me fez entender que nem todos os jovens por ai são aqueles filhos da puta que destruíram-me por completo. O medo existiria em mim, para sempre — era óbvio que sim — mas a merda já estava feita, correto? Eu havia compartilhado rumo a Becker minha maior intimidade, e não há arrependimento algum que nutra o poder de mudar o contorno do tempo.

— Eu sinto que vou voltar aqui outras vezes. — Finalmente sibilei. — Esse lugar me traz uma sensação de paz absurda. — Falei olhando o horizonte enquanto ajeitava o capuz de meu moletom na cabeça, já que a ventania insistia em dificultar as coisas.

— Eu sei, imaginei que fosse sentir o mesmo que eu. — Tragou o cigarro de maconha, tampando a boca logo após para tossir devido as diversas tragadas que já havia dado a aquela altura do campeonato, notei inclusive, que ela ainda usava a aliança, mesmo após ter terminado. — Essa sensação de calma... Meu pai é judeu, para ele a água do mar tem o poder de purificar a alma, assim como as gotas da chuva.

Judeus...

— Você nunca pensou em morar com ele? — Perguntei curiosa.

— Não, nós somos muito diferentes e ele é complexado demais com controle, principalmente depois que meu meio irmão se viu viciado em cocaína e com depressão. Eu não gosto do clima que a casa deles tem, é... Rígido demais, Marcus enlouqueceu por conta disso, desse sufoco, do fato de não ser o que todos queriam que ele fosse e...

— E você também não é o que seu pai esperava de você.

— Isso. — Fixou o olhar oceânico em mim, seus olhos me lembravam as águas daquela fonte natural, um azul cinza, diferente. — Eu prefiro morar com minha mãe e meus avós, não são as pessoas mais liberais do mundo também, mas já é alguma coisa.

Seus olhos tinham uma cor cativante.

— Por isso você não assume sua verdadeira sexualidade?

— E por mim mesma também. Sabe... Todos nós temos um pouco de covardia em nós mesmos. E de certa forma, a covardia também é um caminho sem volta para o egoísmo. — Jogou o baseado fora, soltando a última lufada de fumaça densa pelos ares úmidos daquela região praiana. — Eu perdi Serena, Simon — Corrigiu-se — Ao ser medrosa, e o medo me transformou em egoísta ao pensar somente em meus receios, esquecendo que ela também tinha os receios dela.  — Fechou os olhos, notando que havia errado novamente — Merda! Que ele também tinha os receios dele. Uniu as sobrancelhas.

A covardia também é um caminho sem volta para o egoísmo.

Fechei os olhos e abaixei a cabeça, pensando em coisas que não era capaz de admitir a mim mesma, pensando que...

Estava sendo egoísta ao evitar de conversar com ela, quando claramente parecia empenhada em resolver as coisas, pensando que... Ela estava sim definhando por dentro, mesmo que eu insistisse em enxergar o contrário.

Me fazer de cega.

— Eu acho que sei lá... Só iria atrapalhar nesse momento. Eu entendo ele querer ficar sozinho agora, o receio pela rejeição, pelo fato de que eu posso simplesmente não gostar do que ele virá a ser, mas ao mesmo tempo é tão frágil, fútil... Eu me apaixonei pela essência, não pela aparência, sei que já disse isso mas... É inevitável ao mesmo tempo não sentir medo de deixar de me atrair por ele.

— As vezes me sinto como ele, não em totalidade, mas não sei. Garotas héteros me enxergariam como um pênis ambulante de laboratório e garotas lésbicas sentiriam nojo ao anexar orgão genital a gênero, então... Sei lá.

— Ah! Verdade! — Exclamou súbita, como se houvesse lembrado de algo muito importante — Sobre os vinte e um centímetros, eu falei aquilo em tom de deboche, tá bom?

Corei arduamente.

— Eu fiquei pensando nisso depois que você me disse que tinha um pênis, tipo, você gosta dela e tal... — Sorriu maliciosa — Ele é grandinho, mas também não é um jegue.

— Amanda! — Berrei indignada.

— O que? Eu só estou tentando aumentar seu ego, ok? Eu falei aquilo como "frase de efeito", e... Tudo bem que o desgraçado fode para um extremo caralho, mas-

— Sua intenção era aumentar meu ego ou acabar com ele de vez? — Arqueei a sobrancelha, interrompendo-a. — Porque você de fato não está ajudando.

— Você tem cara de quem transa muito bem também, é isso que eu ia dizer no fim da frase se você não me interrompesse.

Oh meu deus!

Minha cara tornou-se tão rubra que não consegui mensurar o quão sem jeito fiquei por aquela constatação.

— Eu? — Aquilo foi tudo que consegui sibilar, mantendo o personagem inatingível aos trancos e barrancos.

— É, essa sua cara de santa é intrigante, misteriosa. Garotas como Camila gostam de pessoas como você.

Tentei ignorar o quão aquela frase poderia mexer comigo.

Porém ela é hétero, namora o perfect guy com um corpo muito mais interessante que o meu, e mesmo se não fosse ainda sim eu não teria chances.

— Quem garante?

— Sei la, eu sinto. — Dei de ombros — Mas não ligo, se ela está feliz com ele é isso que importa.

Esse sentimento genuíno também estava em processo de transformação.

— Por que eu nunca quis ser sua amiga antes? Você é tão incrível. Poucas pessoas pensariam dessa forma. — Sibilou gentil, levando-me a corar arduamente em timidez.

— Digo o mesmo, mas como você mesma disse, acho que não seria um bom momento termos nos conhecido antes. — Uni as sobrancelhas.

— Eu era insurportável, metida, preconceituosa e babaca. Você não merecia a amizade da antiga Amanda, mas acho que poderia ter sido melhor se tivesse te conhecido antes. — Permanecia encarando-me, observando, eu sabia o que ela estava fazendo.

Poderia ter sido eu no lugar de Simon. Seria mais fácil se fosse, no entanto...

A vida real não padece de pessoas feitas uma para outra, que se encaixam perfeitamente em suas qualidades, necessidades e afetos. A vida é... Bela por sua capacidade de adaptação, um casamento só dura em verdadeira contemplação caso ambos estejam dispostos a enfrentar as desavenças que os separam e as semelhanças que os unem.

Os opostos se atraem e se estressam, e os iguais não existem em sua perfeita sintonia.

PLAY — City Burns by Andra Day

— Mas infelizmente as coisas não caminham pela estrada mais fácil. — Sibilei, sorrindo pequeno ao notar os olhos marejarem gradativamente. — Lute por ele, Becker. — Sussurrei limpando a única gotícula a escorrer. — Eu sei que nos conhecemos literalmente ontem e que tudo parece intenso demais, mas... Você viu, você sentiu como nós...

— Não temos a magia. — Completou emocionada, abaixando a cabeça em meio a cutucadas na pedra em que estávamos acomodadas.

— Exatamente. — Mordi o lábio, tímida, pensando várias e várias vezes antes de caminhar com meus dedos até o seus, tocando-os sutilmente, genuinamente, sem maldades a mais ou tensões sexuais. Era amizade pura, genuína e longínqua que nascia, era a relação mais branda que viria ter.

Mais bonita, dentre tantas e tantas amizades que eu viria a fazer e consolidar.

Ela entrelaçou nossos dedos e acariciou-o com o dedão lentamente.

— Você aceita ser minha melhor amiga, Lauren? — Perguntou sorrindo travessa, de canto, aquele típico sorrisinho arrogante que eu viria a decorar com facilidade em meio a forma como algo em nós duas parecia encaixar perfeitamente bem mesmo sem ter o encaixe correto.

— Você promete guardar meu segredo com você e somente você? — Rebati ainda olhando para frente, relaxando com o aperto que tornou-se ainda mais intenso em minha pele.

— Ele já está guardado.

Nos encaramos por algum tempo e logo em seguida olhamos novamente para o mar, silenciosas, não falamos mais nada por muito tempo.

Ela presa em Simon e eu presa na tentativa de não pensar nela.

Amanda Madelyn decidida a dar um fim na espiral de covardia em sua história ainda aquela tarde, e eu decidida de que atuar seria minha maior proteção nos últimos seis anos que viriam a passar.

A covardia realmente é o caminho mais curto para se tornar um egoísta, sem que você e os outros percebam.

Alguns minutos depois, com a calça negra dobrada até os joelhos e pés descalços, observava a figura loira em pé na água que agora padecia de estágios mais calmos perto da beira, em pé, chutou a água em minha direção.

A adolescência ela...

E então uma guerrinha de gritos, areias e risadas começou, junto a corridas disparadas, uma louca de calcinha e sutiã completamente encharcada e a outra como a típica bad girl em roupas negras intimidantes. Nossas gargalhadas cantavam junto a pássaros, e eu não pensei mais em Camila Cabello naquele instante.

O resto daquelas duas horas em que passamos ali perdurou em ritmos semelhantes, comigo escutando que a mesma iria dar um novo mergulho, mas que esse seria diferente.

Foi diferente.

A concentração era tão intensa que não haviam dúvidas de que estava limpando a própria alma em meio a crenças que havia aprendido com o pai. Num determinado momento ela mergulhou, demorando um pouco para subir até a superfície, usou a água de cama, boiava de olhos fechados, braços abertos. Tentada a analisar o quanto cada religião padecia de nuances distantes, especiais e belas, focalizei nos maiores detalhes, na beleza intrínseca lotadas de significados, de...

De como a alma dela parecia estar derramando sobre as ondas do mar, da mesma forma que as gotas de tempestade absorveram as dores de Camila naquele dia em que tomou chuva no telhado, mas desse detalhe eu jamais viria a saber, porque o segundo acontecimento eu não havia presenciado.

Sentei na areia.

1 nova mensagem

Dinah: Já que você não vai me contar por conta própria, eu vou perguntar: de quem era o Creta que você entrou ontem a noite?

Ri baixo, movimentando os dedos pelo teclado virtual.

Lauren: Longa história, resumidamente, aquela é Becker, ela brigou comigo depois de trombarmos no corredor sem querer e horas depois apareceu pedindo desculpas e me dando seu número de telefone.

Dinah: Qual o seu fetiche por garotas ricas filhas da puta?

Revirei os olhos, mordendo a risada no lábio inferior.

Lauren: Cale a boca, enfim, não houve nada demais, ok? Aquiete seu fogo.

Dinah: Certo, bunda branca, mas não se esqueça de domar a torre, eu não estarei ai por você para dizer "torre a vista" caso fique dura sem perceber. A menina é gata.

Finalmente gargalhei com vontade, negando brevemente.

Lauren: Eu te odeio. Me deixe em paz.

Bloqueei o celular e guardei o mesmo no bolso, fotografando a figura de Amanda Becker caminhar em minha direção, vestindo-se novamente a cada passo, em meio a lábios trêmulos após estar fora da água.

— Você irá ficar doente. — Repreendi astuta, mas tudo que ela fez foi manear com a cabeça e sentar-se perto novamente. As famílias de pedras onde estávamos anteriormente agora faziam uma distância longa com nossos corpos, que estavam bem próximos do vai e vem do mar que manchava a areia bege de marrom escuro, apagando gradativamente todas as pegadas que ali estavam.

Pessoas que passaram ali antes de nós, que foram embora carregando sentimentos desconhecidos e que, de alguma forma, compartilharia conosco aquele local e toda a carga energética que ele oferecia.

— Eu sou ruim, meu bem. Nem a gripe me quer. — Debochou batendo os dentes, enquanto abraçava o próprio corpo e cobria com a touca os cabelos loiros ressecados pelo salgado da água.

Desmanchei numa risada genuína, levando-a rir automaticamente também.

— Eu também sou. — Sustentei partes de meu personagem mau, porque sabia que ela ainda achava que eu era realmente a maior bad girl que aquela escola já teve.

— Você tem cara mesmo, mas... Acho que deve haver alguém fofo por trás de toda essa misteriosidade.

Ok, talvez ela não me ache tão má assim.

— Isso é uma incógnita que apenas o tempo dirá. — Arqueei a sobrancelha debochadamente.

Entre passos pela areia com nossos calçados nas mãos, conversas, garrafa de água comprada numa barraquinha local, fotos tiradas por Amanda que gostava da vida de redes sociais e poses lotada de atitudes ou imagens da praia em seus dias mais mórbidos, percorremos a extenção da Long Stands Beach inteira, captando crianças agasalhadas brincando de pega-pega, pescadores perto de seus barcos e os pingos anunciando o início de uma nova rodada de chuvas naquela cidade localizada no Condado de Tyne and Wear, Inglaterra.

Chuva.

De volta para casa, observava as gotas transparentes escorrerem janelas abaixo do carro negro, rente ao ar condicionado que aquecia o ambiente agredido por pingos fervorosos em meio ventanias e sujeiras urbanas voando por conta da agressividade da natureza. Estacionamos no St. Mary perto do último sinal bater, analisando os alunos descendo as escadas da entrada daquela construção antiga acompanhados de guarda-chuvas, sobretudos com o logo da instituição — eram raríssimas as vezes em que usávamos o uniforme, geralmente só acontecia no inverno, quando o início do ano dava boas vindas — e falações animadas pelo fim da semana que havia chegado em sofrimentos e lições cansativas.

— Espero que tenha gostado de quebrar regras comigo ao fugir da escola. — Sorriu.

— Foi uma honra.

"Você tem cara de quem transa muito bem"

Deuses...

Após a despedida com um abraço surpreendentemente apertado e longo, sai do carro em passadas apressadas, rumo a parte coberta da escola na qual eu seguia fluxo contrário.

Eles saindo e eu entrando.

Trombei Madison perto da porta dupla, mexia no celular e ao notar meu reaparecimento, sorriu maliciosa em meio a olhares sugestivos.

— Por Deus... Ainda bem que minha mãe não chegou ainda. — Olhei para fora, analisando a chuva aumentar cada vez mais, e...

E então o Jeep Renegade acendeu os faróis, com Noah Davies vestindo o cinto de segurança e ela trocando a faixa da música que tocava no carro. Sem mais delongas, o casal badalado de Newcastle upon Tyne sumiu ruas inglesas a fora, perdendo-se em milhões de riscos transparentes que brilhavam a cada raio riscando o céu negro esfumaçado.

Balancei a cabeça, piscando várias vezes.

— Então... Lauren... — Madison deu algumas tossidinhas, e quanto eu olhei para trás novamente.

Oh.

Droga.

Matou aula!? Você ficou maluca, hija de puta? — Assim que a porta de casa fechou e minha bolsa caiu no sofá, Clara Jauregui exclamou furiosa, enquanto cruzava os braços e encarava-me sedenta por respostas.

— Eu... Me desculpe.

— Me desculpe? Eu vou matar a Camila, não é porque autorizei uma ida até a casa dela que ela pode simples-

— Não foi com a Camila, mama. — Interrompi, mantendo a calmaria, embora a ansiedade interna fosse anexada a coração acelerado. — Eu fui até a praia com Amanda, a garota da Hyundai.

— Hm... — Cerrou os olhos verdes. — Suma da minha frente antes que eu arrebente essa cara. — Apontou para cima, mandona, furiosa.

Não demorei mais do que dois sagundos para apanhar a mochila e subir escadaria acima pulando degraus.

"Ir a praia, era só o que me faltava" — Foram com essas palavras ecoando no andar abaixo que entrei no chuveiro, para logo em seguida descer almoçar e escutar a maior bronca do século junto a um Michael Jauregui febril e duro em suas constatações paternais

Prometi que nunca mais faria algo do tipo, mas era fato:

Eu voltaria a Long Stands Beach mais vezes.

E também deixaria Amanda Becker ficar de vez em minha vida.

Ao deitar na cama e escutar a chuva batendo na janela, coloquei as mãos atrás da cabeça e finalmente permiti pensar nela, enquanto imaginava o que estaria fazendo, em que ou quem estaria pensando e...

PLAY — Drivers Lisence by Olivia Rodrigo (Sim, de novo, até o fim do capítulo)

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Camila: Temamos a nós mesmos. Os preconceitos, esses são os ladrões; os vícios, esses são os assassinos. Os grandes perigos estão dentro de nós. — Os miseráveis.

Inevitavelmente sorri tristemente, por entender que ela estava pensando em mim naquele instante, mas, não da forma como eu desejava.

Lauren: Que importa o que ameaça nossa vida ou nossas bolsas?! Preocupemo-nos apenas com o que ameaça nossa alma.

Camila: As vezes me assusta um pouco o fato de você ter lido todos os livros que eu li.

Lauren: Eu me assusto ao saber que ainda existem tantos jovens adeptos de ler livros como esses.

Diversos emojis de risos ascenderam na tela iluminada, em meio a sinalização "digitando".

Camila: Confesse, você me achava uma garota fresca.

Lauren: Infelizmente terei que descordar, eu nunca achei isso de você.

Camila: Acho bom. Run

Ri, decidida a entrar em seu joguinho literário.

Lauren: Talvez esse seja um castigo justo para aqueles que não possuem coração: só perceber isso quando não pode mais voltar atrás.

Camila: A menina que roubava livros.

Mas que...

Argh!

Sufoquei o rosto no travessseiro, grunhindo, mas não era de raiva, era de amor, por saber que ela e eu tínhamos coisas em comum, mesmo que nossas diferenças fossem maiores. Por saber que, mesmo gostando de beber, fumar e falar sobre coisas indecetes, sabia respeitar minha timidez sem me forçar a ser o que eu não era e nem nunca seria.
Era sobre sentir-se plenamente confortável ao lado de alguém que não me julgava pelo que eu deveria ser, mas sim pelo que eu sou, e que, realçava as coisas positivas como se as ruins não existissem. Era sobre... Você saber que eu sempre fui covarde, mas ainda sim preferir fingir que não, porque sabia que sibilar tal constatação em voz alta me quebraria por dentro.

E era sobre eu ser egoísta ao deixar que isso acontecesse. Que você me protegesse ao me desproteger da verdade.

Era sobre te obrigar a me quebrar, porque você chegaria num limite insuportável em que me chamaria de tal palavra com todas as letras, simplesmente porque não aguentaria mais precisar tomar todas as responsabilidades emocionais para si mesma.

Eu tambem errava, embora meu erro fosse tão invisível num ponto em que ninguém jamais enxergaria.

Ou enxergariam tarde demais, beirando a impossibilidade de pedir desculpas a ela, soaria indiferente.

Camila: Vá até a janela.

Obedeci seus atos confusamente, pensei que fosse encontra-la no jardim ou algo do tipo, mas...

Lauren: Estou aqui.

Camila: Está chovendo em toda cidade, não está? Mas é incrivel como cada um interpreta a chuva a sua maneira. Como cada um absorve para si aquilo que enxerga com a alma.

Lauren: E qual frase isso te recorda?

Camila: Feche os olhos e conte até sessenta.

Obedeci, e quando recuperei a visão um minuto depois, o Jetta cinza espacial estava estacionando perto da calçada, Camila acendia no banco passageiro e Sinuhe Estrabao no motorista, a garota desceu do carro em corridinhas ligeiras, acenando para que eu abrisse a porta.

Desci correndo e aos tropeços, deixando mamãe com cara de poucos amigos ao basicamente ser atropelada sem querer em um dos corredores.

Ao abrir a porta, Camila pulou para dentro, enquanto choacoalhava o corpo, a fim de espantar as gotas de chuva que a acertaram naquele curto período de tempo.

Parecia um filhote de cachorro, lembrou-me Saint James.

— Bom, não posso prolongar muito pois mamã- minha mãe está com pressa. — Se auto corrigiu ao perceber que a chamaria de "mamãe", e eu tentei mascarar o quão derretida fiquei acerca daquele detalhe.

Em suas mãos havia um embrulho de presente, qual ela não relutou a estende-lo em minha direção, deixando-me atônita, corada, surpresa e completamente sem reação.

Ela... Estava me dando algo?

— Para você, espero que goste, e já digo que não irei aceitar não's como resposta. — Assim que eu apanhei o embrulho, ela sibilou suavemente, juntando as mãos rente ao corpo elegantérrimo num vestido longo de cor vinho, acompanhado de inseparáveis sobretudos negros.

Assim que sentei rente ao sofá, com as mãos trêmulas pela surpresa boa, desfiz a embalagem com extrema delicadeza, mas devido as unhas curtas não estava obtendo muito sucesso.

— Deixe eu te ajudar, neném. — Soltou em tons ternos, doces, usando as próprias unhas para completar o que eu havia começado.

Não conseguia compreender o turbilhão de sensações que devoravam minhas entranhas, mas estava feliz, extremamente realizada.

Apaixonada.

Assim que caixa bege com os dizeres na lateral: Off-White c/o Nike x Converse "SHOEBOX" Beaverton, Oregon, USA apareceu, já tinha ciência do que me esperava.

— Eu não vou aceitar. — Encarei os olhos castanhos, meu tom era sério e ao mesmo tempo completamente bobo, aquilo era caríssimo, insano.

Eu não posso aceitar.

— Vamos, Lauren, abra a caixa. — Incentivou animada, ignorando completamente a negação de meus lábios, como se aquilo fosse previsível.

Abri, e o par de all star's com solado transparente apareceu, era o tênis qual havíamos conversado naquela tarde em sua casa.

Ela estava me dando o seu par de tênis exclusivos qual havia tido muita sorte ao adquirir.

Ela...

Ela tem noção do que está fazendo?

Tinha.

— Camila... — Assim que retirei os calçados da caixa, notei logo abaixo um livro biográfico da DC Comics, era uma edição especial contando a história da "era de ouro" da marca, e o mais impressionante de todos:

Uma caixinha preta delicada que, após eu abrir, surgiu um colar com um mini corvo no pingente.

— Amigas normais dão ingressos para show's ou corações pela metade, eu não sou normal, então estou te dando um corvo. — Mordeu o lábio nervosamente, e tudo que consegui fazer foi levantar e abraça-la apertado.

No fundo, bem lá no fundo, eu sabia que as coisas ainda não estavam normais entre nós duas, mas ali, naquele instante, meu consciente preferiu trair-me e fingir que sim, que estava tudo bem e que todas as nossas desavenças não existiam.

O maior cego é aquele que não quer ver.

— Você gostou, meu bem? — Afastou-se um pouco de mim apenas para observar minhas reações, e ao ver meus olhos marejados, por mais que eu não chorasse, os seus brilharam emotivos também. — Não chore, Laur, se não eu vou chorar também e te bater por me fazer borrar a maquiagem. — Sorriu fofa, meiga.

Como eu vou te esquecer, Camila Cabello?

— Gostou de que? — Clara Jauregui nos assustou, levando Camila a afastar-se ainda mais, com a mão sob o peito, em claro sinal de espanto.

— Meu deus, mãe, você quer nos matar surgindo assim do nada? — Exclamei corada, observando a mulher cruzar os braços e encostar o ombro na parede.

— Eu? Jamais, só quero entender porque ficaram tensas com a minha aparição na sala da minha própria casa.

— Olha senhora Jauregui, desculpe aparecer sem avisar, é que era realmente urgente e eu não poderia esperar, sou ansiosa demais para isso. — A latina atropelou-se numa explicação ligeira, mas muito convicta, a linguagem corporal esbanjada no vestido decotado e até mesmo... ousado, lhe dava uma aparência ainda mais forte do que já era por natureza.

Talvez ela não tenha notado, mas olhos verdes maternais captaram cada detalhe em sua roupa de cores chamativas e elegantes, anexado ao batom vermelho e olhos castanhos muito bem contornados pela maquiagem.

— Tudo bem, querida. Você é bem vinda, está ciente disso. — Sorriu cordial, mas haviam ares ameaçadores nas entrelinhas.

— Bem lá no fundo você sabe que eu viria mesmo se não fosse. — Cutucou divertida, levando Clara a arquear a sobrancelha.

— Seu nível de ousadia me surpreende a cada conversa que temos garotinha.

— Ah, deixe disso, venha ver o que eu comprei para Lo, olhe. — Chamou-a com a mão brilhante em pulseiras de prata, levando a mulher aproximar-se curiosa e desconfiada.

— Ei, esse não é aquele tênis feio que você queria muito há anos atrás?

— Mãe! É sim. — Falei constrangida. — Mas Camila... Ele é seu, eu não posso aceitar e-

— Ele não é mais meu, ele é seu, assim como o livro e o colar, eu já disse e repito, não aceito não's como resposta, aceite Lauren, por favor. — Dessa vez utilizou uma voz dengosa, firme e extremamente irresistível. — Ah, e esse tênis é maravilhoso, de onde tirou que ele é feio, Clara Jauregui? — Direcionou a resposta rumo a mais velha, que somente ergueu as mãos em rendição.

A ex-professora pegou o colar e o livro, sorria de forma aconchegante para o que tinha nos dedos, ela havia gostado do presente tanto quanto eu, porque sabia que eu era fã da DC Comics como vovô.

Mesmo em tão pouco tempo, você realmente a conhece perfeitamente, não é?Mama encarou-a intensamente, e eu me perdi um pouco em meio a troca de olhares que elas davam entre si, como se conversassem sem sibilar palavra alguma.

Talvez fosse coisa de minha cabeça, ou somente Clara a ameaçando sem eu perceber.

— Pela sua expressão, acredito que tenha gostado do presente também. — Cabello escondeu os dedos adornados em anéis no bolso do sobretudo.

— Eu gostei, esse colar é belíssimo, embora não tenha entendido bem o lance do corvo.

— O "lance" é que eu amo tanto esse animal que até tenho uma tatuagem dele, mas infelizmente não posso te mostrar. — Deu de ombros, ainda exibindo os dentes alinhados e brancos.

— Então eu espero que Lauren nunca tenha o visto também. — Cerrou os olhos debochadamente, mas a latina não fraquejava, era incrível a auto segurança que possuía em si mesma.

— Ela já viu sim. — Soltou despretenciosa, levando-me a encara-la alarmada. — O que? Você já me viu de biquini, Lauren. — Pendeu a cabeça para o lado, mas... seus olhos.

Eu prefiro fingir que não enxerguei nada neles.

— Você aceita um pedaço de bolo de limão, querida? — A Jauregui mãe mudou o curso da conversa, e eu agradeci mentalmente por aquilo.

Minha ânsia em fingir que nada aconteceu agradecia.

— Eu não posso, lembra? Sou alérgica. Minha boca enche de sangue e eu passo muito mal.

— Oh, sim! Verdade, havia me esquecido, perdoe-me, que tal um pouco de chá então?

Antes que pudesse sequer responder, o barulho da buzina lá fora indicou impaciência por parte de Sinuhe, levando-a revirar os olhos escuros e suspirar frustada.

— Eu adoraria, mas vamos deixar para outro dia, si? Mama está me aguardando e ela não é tão boa com esperas.

— Tudo bem, querida, vou deixar vocês se despedirem. — Sem mais palavras, a mulher sumiu para os fundos da casa, onde papa estava.

Camila e eu.

Eu e Camila.

Verde no castanho.

Nos despedimos com abraços e apertos, após ela me ajudar a vestir o objeto. De volta ao quarto, observei todos os presentes ganhos com descrença, enquanto tocava o pingente em ouro branco com detalhes pequeninos de prata.

— Então você já viu a tatuagem dela?

Porra! Mas que...

— Meu deus, mãe! Você quer realmente me matar. — Exibi uma careta infeliz.

A mulher perdurou em sondagens, até passar a observar a janela, levando-me a seguir seus olhares intensos, notando que o Volkswagen Jetta ainda estava estacionado, a cena era até mesmo cômica, já que Camila retocava o batom rubro encarando o retrovisor, e Sinuhe Estrabao apoiava a testa no dedo indicador com uma cara épica de tédio. Após alguns segundos a mais — em meio a falas desgostosas da loira — mexidas no cabelo e uma ajeitada no decote que me fez entreabrir os lábios, o carro finalmente partiu cantando pneus, mas eu estava...

— Ela realmente é muito bonita. — Falava e falava, mas eu estava...

Viajando...

— (...) O vestido dela...

Delirando...

— (....) Custado no mínimo mil euros.

Sua pele era tão...

"Lauren?"

"Lauren?"

"Lauren!"

— Ouch! Caralho, mãe! — Gritei indignada, sentindo meu braço arder pelo tapa recebido.

— "Caralho, mãe" — Afinou a voz. — Você me ouviu? É óbvio que não. — Respondeu a própria pergunta. — Para onde será que seus olhos estavam olhando, afinal, não é? — Ironizou, no entanto nada fez além de negar levemente e tecer um sinal de "estou de olho em você" para então sair do quarto.

Extremamente vermelha, cocei a nuca e deitei na cama, preocupada em repassar todas as memórias do momento que acabara de acontecer no andar abaixo. Surreal, era como se ainda pudesse sentir o cheiro doce de seu perfume embriagando-me, junto a roupas sofisticadas que certamente haviam custado o olho da cara.

Todo meu foco, pensamento e sentimento eram somente para as coisas que permaneciam pousadas ao lado, até o celular vibrar outra vez.

1 nova mensagem

Camila: Espero que tenha gostado do presente, e a frase que eu pensei ao te mandar observar o tempo é:

Não tive tempo de responder, a tela animou-se segundos após, anunciando uma nova e última notificação, tornando-a offline.

Camila: "Tudo depende do tipo de lente que você utiliza para ver as coisas." — O Mundo de Sofia.

Suspirei, mordendo o lábio inferior porque... Amanda Madelyn Becker...

Ali estava a magia.

E dessa vez o corvo não iria embora, simplesmente porque ele estava preso em meu pescoço. E por mais que eu tentasse a todo custo fugir disso:

A verdade enforcaria-me cedo ou tarde.

Agora ou no futuro.

Para sempre's vinham com prazos de validade, seria válido se todos os professores nos dissessem coisas do tipo enquanto completávamos o primário.

Corações certamente partiriam-se menos.











Eu simplesmente não consigo imaginar como você consegue estar tão bem agora que eu fui embora, acho que você não falou a verdade naquela música que escreveu sobre mim. Porque você disse "para sempre", e agora eu dirijo sozinha pela sua rua. — Olivia Rodrigo.


________
N/a: A música tocou duas vezes porque esse era o momento que a Camila do futuro estava lembrando no escritório em Martletwy Village.

Meta: 210 fav's. Bora?

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