Camila - Camren

By AnnyCrazy

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Uma doçura com requintes latentes de maldade, é tudo que eu tenho a dizer sobre ela, seus teoremas de Cadmilo... More

Camila (Versão Alternativa)
Camila.
I
II
III
IV - Zelúmen
V - intersexo x deceptio. onis.
VI
VII
VIII
IX - Me In Her & Flor Que Se Cheire
X
XI - A Maior Vadia de Todos Os Tempos x Happy Birthday Kea I
XII - Moth.
XIV -كرو
XV
XVI
XVII - Blindaz x Mentīri x Protectio. onis
XVIII - Canis Major & Aevum.
XIX
XX
XXI
XXII - Estrelas, Camélias & O Caçador de Pipas.
XXIII - אֶמֶת
XXIV - الخطيئة
XXV - Cárcere, Telas & O Ateliê do Amor
XXVI - The Old Love.
XXVII
XXVIII - Lily Bloom & Ryle Kincaid
XXIX
XXX
XXXI
XXXII - Lauren Jauregui
XXXIII - O Homem de Lata & A Inocência
XXXIV
XXXV
XXXVI - Coraticum
XXXVII - Dias Secos, Texas & Verão No Oregon I
XXXVIII - Dias Secos, Texas & Verão No Oregon II
XXXIX - Revelaction.
XL - منشأ
XLI - Angĕlus.
XLII - The Crow, The Truth
XLIII
XLIV - Camila.
XLV
XLVI
XLVII
XLVIII
XLIX - A Maior Vadia de Todos Os Tempos x Happy Birthday Kea! II
L - Sentimental Metamorphosis, Gaslighting & Good Boys II
LI
LII
LIII
LIV - The Star, The Aster, The Beginning & The End I
LV - The Star, The Aster, The Beginning & The End II
NOTAS
LVI
LVII
LVIII
LVIX - Primeiro Encontro.

XIII - Sentimental Metamorphosis, Gaslighting & Good Boys I

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By AnnyCrazy

N/a: Algumas dicas durante esse pov narrador deixarão margem para que vocês possam estipular em que passagem temporal a narrativa está. Há como saber, e caso não consigam captar as informações, releiam novamente.

Há uma quebra de contexto aqui também e MUITA coisa mudará a partir disso. Eu estou completamente comprometida a tratar do assunto abaixo com a maior cautela e responsabilidade possível e aviso que há sim margem para desencadear gatilho emocional.

Volto a frisar que minha próposta de escrita sempre foi "polêmica" e "forte" de escolher assuntos a tocarem em feridas, e trata-los da forma mais lúcida possível.

Boa leitura, e boa interpretação de texto. A partir de agora a observação fará uma grande diferença na hora de compreender a fic.

Camila não se chama Camila atoa, a narrativa é da Lauren, mas enredo gira em torno...
_______








*******ATENÇÃO: Esse capítulo contém gatilho emocional (+18).









Alergia emocional, o que é?

A alergia emocional (urticárias) é causada pelo alto nivel de estresse — cortisol — no organismo, causando assim inflamações na pele, que muitas vezes acabam acarretando em bolinhas avermelhadas e ardentes. A alergia emocional costuma aparecer em pessoas com o transtorno de ansiedade generalizada (TAG), mas é importante frisar que, nem todas as pessoas portadoras do transtorno poderão apresentar tais sintomas alérgicos.

Metamorfose sentimental, o que é?

.....

Gaslighting, o que é?

Gaslighting ou gas-lighting é uma forma de abuso psicológico na qual informações são distorcidas, seletivamente omitidas para favorecer o abusador ou simplesmente inventadas com a intenção de fazer a vítima duvidar de sua própria memória, percepção e sanidade.










"Quando eu chego ao meu limite, você empurra um pouco mais e eu coloco outro limite. Eu continuo esperando e esperando a maré mudar, mas eu sei que sou a culpada, porque sempre escolho ficar." — I Don't, Sabrina Claudio.




Narrador Point's Of View

Newcastle Upon Tyne, Inglaterra — Em algum ponto secreto do tempo. (Pode ser tanto no passado, no futuro ou no presente).

Tragou o cigarro desesperadamente enquanto dava ré para estacionar a Land Rover na garagem, o coração acelerado e o típico frio na barriga relembravam claramente algo que viria a bater em sua porta, algo do qual, inclusive, tentou ignorar, respirando fundo e fechando os olhos, enquanto mantinha o cigarro na boca, a nicotina corroendo os pulmões em busca de converter ansiedade em calma, dor em energia, sentimento de instabilidade a consciência.

Não aguentou, começou a chorar copiosamente, tão sentida quanto uma criança de cinco anos, o cigarro engasgou-se em sua garganta na vigésima tragada, queimando a carne sensível de sua garganta, enquanto espalhava ardência por todos os centímetros desconfortáveis. Apagou o pedaço de papel com as mãos trêmulas na sola do all star, vinha usando muito mais tênis nos últimos dias, mesmo que soubesse do fato de Noah Davies amar vê-la em loubotins ou botas que deixavam-na mulher, sexy.

Respirou mais vezes, enquanto o soluço doído forçava sua caixa tóraxica, deixando-a claramente dolorida. A crise de ansiedade estava concretizada, logo em seguida vieram os enjôos, o pânico, as mãos socando o volante, a culpa em ter agido erroneamente, a vontade em querer voltar no tempo, junto a dor em saber que não poderia, que iria definhar sozinha, tendo de arcar perante a consequências assassinas. Sabia também que amanheceria com o corpo abarrotado de urticárias discretas e avermelhadas, junto a coceiras insuportáveis no pescoço, muitas das quais escondia pela gola alta da blusa de lã.

Era certo...

Não usava blusas de gola alta atoa, na maioria das vezes vinham acompanhadas do papel intriseco de esconder a resposta de seu organismo acerca das alergias emocionais.

— Se controle... s-se controle... você não tem uma crise há anos, por favor, Karla... — Dialogava com si mesma, implorando para que a parte mais impiedosa de si mesma não voltasse a apedreja-la, atuando diante ao choro. Lágrimas grossas escorregavam bochecha abaixo, impiedosas, enxuga-las não era algo passível de ser feito.

Porque havia feito o que fez...?

Com que olhos o encararia?

Como...

Deitou no volante, cansada, muscularmente desestabilizada. Ao longe, notou o Jeep Renegade aproximar-se, Noah desceu do carro, agasalhado puramente de nike enquanto os chinelos deixavam-no casualmente belo. O franzir de seu cenho rumo a Land Rover fora imediato, seguido da corrida para dentro da garagem. Camila, num impulso, tremulou diante ao molho de chaves e apertou o botão do controle que fechava o portão, antes aberto.

Não queria vê-lo, não queria sentir o cheiro, não queria olha-lo nos olhos, simplesmente estava ansiando ficar sozinha, o desespero em precisar lidar com a presença de terceiros faziam-na vomitar.

Era isso mesmo? Presença de terceiros ?

Não queria pensar sobre, e também não pode por muito tempo, o garoto de um metro e noventa escorregou pela brecha, rolando abertura a dentro, no instante que o filete de luz se desfez.

Havia conseguido entrar.

Surpreendentemente, o garoto não se aproximou, sentou-se no chão, era óbvio, seu namorado a conhecia como ninguém, viu em sua linguagem corporal que estava tendo uma crise de ansiedade, no entanto, respeitaria seu espaço, estava ali para se certificar de que teria alguém por perto caso desmaiasse, vomitasse ou sucumbisse ao pânico.

Camila engoliu em seco, ainda abraçada ao volante, pincelando lágrimas brilhantes face abaixo, soluçando, deixando que cada saliva engolida arranhasse sua garganta irritada pela fumaça. Entregar vulnaberilidade a alguém soava para muitos a maior prova de amor, mas em Karla Camila...

Ela fazia contrário.

Permaneceu sentida, cansada, e o enjoou tornou-se piamente insuportável, abriu a porta do carro e correu rumo ao lixo, vomitando muito mais abalada pelo mal estar emocional do que qualquer coisa. O filho dos Davie's prontificou em estar ali, segurando suas mechas, sussurrando palavras acolhedoras, e o vômito nocauteou seus lábios outra vez.

Tão prestativo...

— Me deixe sozinha... — Resmungou pálida, o fato de tremular os pulsos e torcer os dedos deixavam explicito o ponto delicado no qual estava.

Você não precisa ser forte o tempo todo.

Você precisa ser fraca o tempo todo.

— Eu estou extremamente desequilibrida, cheirando a vômito e suor, isso não me parece um estado virtuoso de força, e eu quero que você fique longe no momento, não me sinto confortável. — Fitou os olhos verdes, eram carinhosos e sérios, com tons dominadores de proteção nas entrelinhas. Gostava da segurança enxergada, mas por vezes era super protetora também, não demonstrava fraqueza, mesmo que estivesse morrendo por dentro.

— Nós estamos em um relacionamento, eu não sei qual foi o motivo de sua crise, mas entenda que pedi você em namoro pensando no todo, em seus defeitos também. — Enxugou-lhe a têmpora gelada, estava extremamente pálida e úmida.  — O que houve de tão sério? Você não se desestabiliza assim nem quando briga com seus pais. Eu não me importo com  os detalhes esteticos, isso mostra que você é humana Camila. É lindo ser humano, consegue me compreender?

Conseguia, mas naquele momento sua mente era um borrão incongruente, o pânico dilacerava de dentro para fora, devorando memórias recentes num ponto a sabota-la na arte de racionar.

PLAY — Gemini Feed by BANKS.

O silêncio emudeceu o ambiente, junto a chuva que tornava a cair naquela tarde, havia sido um dia especialmente chuvoso — sentimentalmente falando — do início ao fim.

Open up your eyes
(Abra seus olhos)

There's nothing on my body left to see
(Não há mais nada no meu corpo para ser visto)

I tried a thousand times
(Eu tentei um milhão de vezes)

I tried to say 'i love you', but you didn't heard me
(Eu tentei dizer eu te amo, mas você não acreditou)

And your passive-agressive
(E você é passivo-agressivo)

Convenced me other people didn't care about me
(Me convenceu de que as pessoas não se importavam comigo)

And you're passive-agressive
(E você é passivo-agressivo)

You're passive-agressive
(Você é passivo agressivo)

Combinava perfeitamente com seu estado de espírito.

— Vá embora. — Colocou as mãos em ambos os ombros largos. — Eu preciso ficar sozinha, respeite meu espaço. Como eu disse, me incomoda que você esteja presenciando isso, entende? Eu não quero. Vá.

— Por que você me afasta Camila? Porque você... está me afastando... — Uniu as sobrancelhas.

— Eu estou tendo a porrra de uma crise de ansiedade! — Exclamou indignada. — Porque você tenta me controlar o tempo inteiro? Você sabia muito bem de como eu costumava agir e ser. Eu sou assim, eu não gosto de me sentir sufocada!

— Eu sou seu namorado! É meu dever se importar, cuidar e zelar por você! — Sem sequer perceber, acabou gritando também, calando-se logo em seguida. — Me desculpe. — Tornou a soar baixo e dócil — Eu...

— Você... Parece tentar me controlar, não sei, tipo... this is right (isso é ok?) Isso é saudável?

— Eu não estou te controlando, Camila. Meu deus, está insinuando o que? Que sou abusivo? Que controlo sua maquiagem? Seu decote? Seu vestido? Sua bebida? Eu cometi algum desses delitos? Me diz. Nunca! — Os olhos verdes dilataram em ultraje, como se tais acusações houvessem atingido sua integridade.

— Não, Noah... É que...

— "É que" o que? Porque eu juro que estou tentando compreender, mas você parece empenhada em estragar tudo o tempo inteiro. — Cuspiu com os olhos marejados.

— Eu? O que você está dizendo? Por Deus, cale a boca! — Exclamou estupefata. — Eu só quero ficar sozinha e-

— Cale a boca você! — Avançou autoritário, com o dedo apontado em sua face, engrandecendo-se num ponto a leva-la a encolher, calada. Como se compreendesse estar novamente errando, tornou a abaixar o tom. — Por favor, Camila... me deixe cuidar de você. — Uniu as sobrancelhas, desabando rapidamente para uma expressão passivo-agressiva. Enquanto segurava o rosto molhado com ambas as mãos, aprofundando o olhar verde no castanho, gritando em silencio de que ela não estava certa em suas convicções. 

Empurrou-o pelos ombros, mas era definitivamente menor e mais fraca, surtindo o minimo dos efeitos no garoto, que somente enxugou as lágrimas que passaram a descer...

Como se ele fosse a vítima.

Pronto, agora o estrago emocional falsamente era duplo, com o foco obviamente revertido ao favor dele.

Entristecido, o ser abalado de olhos verdes cristalinos abandonou a garagem pela porta no canto após destranca-la. A ex-jogadora de vôlei assistiu cada passo, enquanto apanhava o celular e relia todo seu bombardeio de mensagens e chamadas não respondidas, arremessou o aparelho no banco de couro do automóvel e assim permaneceu, parada, por diversos minutos a mais. Quando deu por si, estava sentada no chão, o cigarro agarrado nos lábios roxos, a transpiração excessiva devido ao organismo estar interpretando perigo em situações inexistentes, as teorias acerca do futuro, o sofrimento por antecipação, a briga por controlar sensações cortantes. Foi assim que o escutou partir com o Jeep Renegade cantando pneus, foi assim que pensou em terminar aquele relacionamento, no mesmo instante em que queria agarrar-se nele para nunca mais soltar, era o seu momento de tudo e nada ao mesmo tempo, a parte mais genuína de seu cérebro junto a parte ilusória e caótica, que interpretava cada situação da forma como queria.

Mas ele era sua certeza.

E então o momento de culpa tomou-a de assalto, no qual pensava em levantar e pedir para que voltasse, que havia sido estúpida e grosseira. Era o momento a se pedir perdão, a repensar em seus atos, a compreender que ele estava certo e ela errada, que não era assertiva em suas deduções e convicções.

Era sempre ela a errada, não era? A grossseira, a estressada, distante, chata geniosa e incapacitada de reconhecer os próprios erros, não era?

Camila: Me desculpe.

Noah: Ok.

Retornou ao choro sentido, com a cabeça escondida entre as pernas, rezou algumas vezes, agarrou-se no Magen preso em seu pescoço, não sabia muito bem ser digna de prece alguma, mas pediu ainda sim, pelo que?

Nem ela sabia.

No inicio chorava por...

E agora chorava por um bombardeio emocional impossível de ser digerido sozinha.

Subiu as escadas de acesso para a residência Cabello-Estrabao, essa, dava rumo a cozinha, onde Sinuhe Estrabao fervia um chá de ervas calmantes, somente por aquele detalhe, olhos castanhos tornaram a marejar.

A mulher havia assistido o início de sua crise, mas diferente de Noah, não invadiu seu espaço, porque sabia que a filha não funcionava daquela forma.

Ela sim conhecia Karla Camila como... ninguém.

Duvidava até que conhecesse a filha mais do que ela própria.

E sabia que sim.

Teria intervido naquela relação imediatamente se houvesse escutado toda a conversa, mas infelizmente não escutara.

Infelizmente não.

— Seu remédio está aqui. Venha my love, venha, beba. — A mulher tomou os dedos bronzes, destoante ao tom pálido de sua pele com descendências europeias.

A adolescente aproximou-se, lenta e aérea, encarava o nada lotada de dúvidas, a chef de cozinha fotografou cada lapela de sentimento, acariciou-lhe as bochechas coradas pela explosão de sentimentos, incentivando-a engolir o remédio tarja preta que traria-lhe sono, calma e vertigem em pouco mais de quinze minutos. Aproximou-se gradualmente, e só abraçou a filha quando entendeu que a mesma estava disposta a retribuir. Independente de suores, lágrimas ou vômitos, a apertou contra o próprio corpo intensamente.

Era uma mãe excepcional, certamente mais fria do que tantas outras, mas ainda sim presente, beijou-lhe os cabelos brilhantes pelo cansaço, sentiu a blusa molhar com seu choro, e permaneceu silenciosa. Repensando em como sentia-se assustada com as memórias da filha tentando tirar a própria vida há pouco mais de dois anos atrás.

— Vamos subir? Venha cá, mon amour, a mamãe irá cuidar de você, vem.

Sinuhe Estrabao sabia que iria falar com as paredes pelos próximos longos minutos em que estivessem juntas, o silêncio grudava na boca da mais jovem em cascatas grossas após uma crise, e a mulher mais velha fora instruída pelos melhores médicos da cidade.

Pagou forturnas no tratamento da filha, e não se arrependia de nenhuma libra gasta.

Preparou a banheira com sais de rosa na suíte master, o quarto dela junto a Alejandro era um pouco maior devido a cama de casal king size e o closet luxuoso que abrigava espaço para duas pessoas. Esperou que o chá terminasse, colocou essencia de lavanda para queimar no ambiente, e enquanto abandonava a xícara na cozinha, dera privacidade para Camila se despir e aproveitar da quentura na água aromatizada.

O banho demorou bastante, e quando saiu, a jovem enrolada numa toalha felpuda encontrou a cama gigantesca arrumada com cobertores, o cheiro de perfume espalhado no ambiente e uma troca de roupa com o logo do Newcastle United na estampa. Respirou fundo, sorrindo amorosamente para o carinho materno, demonstrava em gestos tudo aquilo que não sabia bem como dizer.

Ela era parecida com a mãe, principalmente nos mínimos detalhes.

Deitou na cama de casal dos pais, apreciando o perfume distante de ambos misturado nos travesseiros, cobrindo-se logo após, enquanto se ajeitava confortavelmente acerca daquela fortaleza de espumas e apoios. O som da chuva rabiscava a janela e raios brilhantes brincavam no céu, concentrou-se naqueles detalhes por muito tempo, enquanto Sinuhe Estrabao, ja de volta ao quarto, trabalhava sentada rente a mesa, olhava o notebook com seriedade e também servia-se de chá. Era uma mulher elegante, minuciosa e lotada de auto suficiência, a rigidez em seus atos condiziam com a excentricidade de sua personalidade autentica. Terrivelmente, Camila havia herdado aos montes todos aqueles trejeitos, com o toque suave, gentil, emocional e intensamente bruto dado por Alejandro. Era a mistura perfeita de dois seres nascidos para ficarem juntos, sem sombra de dúvidas.

O empresário e a cozinheira completavam-se em seus prós e contras, presenteando a ambas as filhas um show de personalidade equilibrada.

E no fim...

Ele era a pessoa mais sentimental e explosiva daquela casa.

Na parte de explosões e sentimentalismos... Camila vinha logo atrás.

Mum?— A adolescente sussurrou timidamente, a voz falha e os lábios rachados indicavam cansaço.

— Sim? — A figura loira retirou os óculos de grau e aproximou-se da cama.

— Acho que não vou conseguir dormir sozinha. — Informou, enquanto os olhos escuros ameaçavam marejar novamente.

— Compreendo, honey, Alejandro pode dormir em seu quarto hoje, tudo bem? Assim eu te acompanho em seu sonhos. — Acariciou-lhe os fios cacheados, não tardando a acomodar-se junto a garota.

O som de ambas as respirações profundas perpetuaram em longos minutos, o tom maternal em cada gesto perdido na empresária levavam a latina pouco a pouco toda calma anteriormente perdida. Escondida nos braços magros, sentia o efeito do remédio aparecer, junto ao sono incontrolável, finalmente estava calma, no entanto mentalmente nebulosa como nunca em muito tempo.

— O que houve, Karla? — Finalmente questionara, ainda manejando um tom doce na voz naturalmente séria.

A latina tensionou, mas sem nada a dizer, negou brevemente.

Não poderia contar.

— Eu não sei, eu... não sei.

E ela não sabia muito bem... mesmo.

Mas iria descobrir.

Na madrugada inglesa, sobressaltou-se em meio ao sono, a cabeça latejante — tipicamente clichê após uma crise de ansiedade — colocou-a novamente em estado de alerta, vestiu chinelos, colocou roupas apresentáveis após adentrar na ponta dos dedos em seu próprio quarto, esse, era no momento tomado por um Alejandro adormecido em meio aos lençóis brancos junto a edredons negros, que lembravam obviamente, as cores do time qual ambos amavam. Deixou o ambiente tão rápido quanto adentrara, desceu as escadas com os cadarços do all star enrolado nos dedos, enquanto o isqueiro de fogo alaranjado ajudava na tarefa em guia-la para fora da grandiosa e aconchegante casa na qual vivia ao lado dos pais e da irmã mais nova.

Antes de finalmente alcançar a porta, escutou patas escorregarem no solo muito bem límpido de madeira, era Saint James, com suas orelhas caídas. O único olho azulado era estatelado, evidenciando a perca do outro globo ocular por acidente há muitos anos atrás.

— Hey, fluffy, preciso dar uma volta, ok? — Abaixou-se rente ao animal, acariciando-o com intensidade e delicadeza, sentindo a língua gelada e úmida do animal molhar o torso bronzeado de sua mão. — Permaneça em silêncio, certo? Volveré pronto, lo promise, boy. (Vou voltar logo, eu prometo, garoto).

E assim o pittbull de aparência saudável deitou novamente no tapete felpudo, observando os passos da dona afastarem-se rumo a cozinha, na qual alcançou a garagem pelas escadas.

Um cigarro aceso, maquiagem no rosto de aspecto anteriormente doentio, sobrancelha preenchida com sombras, blush discreto para dar-lhe o ar saudável — mentiroso — necessário e base em torno dos olhos a fim de esconder as olheiras roxas. Acomodada no estofado de couro da Land Rover, encostou a testa no volante, dessa vez muito mais sã e dentro de si, abraçada por ansiolíticos que levavam-na a um mar relaxante, relembrando-a de que seu tratamento para a ansiedade e sindrome do pânico haviam chegado ao fim, e que não, ela não precisava voltar para o escritório de seu psiquiatra novamente.

Um giro na inquinação fora o suficiente para dar vida ao objeto de quatro rodas, uma pisada funda na embreagem e o movimento de vai e vem no câmbio, colocaram então o automóvel em movimento, deixando para trás o amarelo da luxuosa casa com aspectos esverdeados de árvores nas redondezas. Tragadas intensas com a densidade da fumaça voando janela a fora, a firmeza dos dedos agarrando na dureza acolchoada do volante, olhos castanhos re-decoravam cada pincelada daquela cidade tão linda e diversa, inevitavelmente uma lágrima tímida ousou escorregar, e depois outra, e outra... todas muito lentas e bem controladas, intimidadas pela avalanche de pensamentos que dividiam-se gradativamente em dois, sem requintes de maldade, mal caratismo ou qualquer coisa.

Era somente ela, assistindo-a a si mesma desmoronar pelo retrovisor.

Jesus, help me, te necesito. — Marcou a digital de sua palma contra o pingente no pescoço, freou o carro rente a ponte Tyne, com o pisca alerta aceso para evitar multas futuras, pensando e pensando... Eram tantas dúvidas derretendo-lhe o bom senso, como se pouco a pouco estivessem mergulhando em rios densos de ácido, mas esses não eram agressivos, muito pelo contrário...

Matavam devagar, imperceptivelmente. Era exatamente assim que se sentia: mergulhando em algo danoso, sem querer, sem que pudesse se dar conta.

Sem que pudesse se dar conta...

Noah Davies.... O que você fez?

PLAY — For The Time Being by Sabrina Claudio.

Distante dos volantes, apoiou os braços na grade da ponte, a iluminação urbana refletia na tatuagem feita há pouco tempo, o rio brilhante pelo luar, o vento que bagunçava os cabelos cacheados e desgrenhados delicadamente. Arrancou outro cigarro da cartela, não tardando a acendê-lo. O gosto desagradável — do qual não sentia mais incomodo diante ao vício — deixava nas entrelinhas alguns aspectos pendentes em sua essência machucada, cicatrizada e sensível. Era uma recém adulta comum, vaidosa, com boas notas e pais excelentes, não havia algo de tão extraordinário, ao menos não para ela. Vivera as maiores loucuras em festas insanas, mas nada ultrapassava o ilegal, algo condenável num ponto a considera-la delinquente. 

Era somente muito convicta, convicta até mesmo daquilo que costumava esconder.

Do you care?
(Você se importa?)

I notice something's different
(Eu notei que algo está diferente)

There's something in the air
(Há alguma coisa no ar)

That makes it hard to breathe
(Tornando difícil de respirar).

Era boa, sabia que era boa.

Não era?

Era.

E é.

Ou...

— Não importa. — Resmungou, ruindo em estilhaços diante ao acariciar que direcionava a própria aliança. Arrancou-a do dedo, olhando e olhando...

O que se passava por sua mente agora?

Um beijo terno na superfície de metal arredondada, olhos fechados, o peito tornando-se quente ao relembrar do pedido de namoro, a paixão corroendo os ossos, porque... 

— Eu te amo tanto...

Sim, é dificil entender, mas...

Camila Cabello amava Noah Davies.

De verdade.

Acreditava que havia errado.

De verdade.

Acreditava que houvesse sido injusta ao querer ficar sozinha, quando na realidade era um direito seu e de preservação, qual ele fora egoísta ao não se deixar compreender e acatar.

Camila: Me desculpe.

O pedido de desculpas era duplo, sabia que pedia desculpas por essas e outras coisas. Mas acima de tudo...

O primeiro copo de tantos outros não tardou a ruir em suas entranhas, inevitavelmente rebominou em tempos distantes, no carro, dirigiu até um bar conhecido, beirando a ponte que dividia Newcastle de sua cidade vizinha, ali, pediu por uma dose whisky, esqueceu o celular no bolso da jaqueta de couro, comprou um maço de cigarros barato e antiquado ao paladar sempre refinado nas melhores comidas e nicotinas. Fluída como um rio sem rumo, prestes a desaguar em mares salgados, assistiu novamente cada lampejo de sentimento culposo tornar a fazer-se presente. A aliança no balcão, os dedo longínquos e marcados pelo esbranquiçado, que reforçava a falta do objeto em sua pele bronzeada. Tragou o incontável cigarro, distante, eram tantas e tantas confusões, muitas que confundiam-na num ponto a pensar e repensar:

Quem era ela mesma?

Quem é você, Camila Cabello?

O que você esconde?

Novos tambores surgiram no centro de seus seios cobertos pela blusa de gola alta, os golpes fervorosos de seu coração entalavam garganta abaixo, junto a goles intensos no destilado de marca desconhecida, sabia somente que era de origem escocesa, e tal informação estava perdida no rótulo, de qualquer forma, era bom, sabia da fama que os escoceses levavam acerca de Whiskys, e sobretudo, que qualquer merda naquele instante faria-se interessante.

Escócia...

Os tataravós de Noah eram escocêses...

Mais um trago, mais um gole, olhos fechados.

A jaqueta fora abandonada então no banco ao lado, de repente fez-se calor em meio a umidade, os all stars surrados balançando no banco de trás para frente, a luz quente e fraca num tom avermelhado, o rock antigo, o cheiro de fritura, os barulhos estridentes de falações, permaneceu inerte aos detalhes, sofrendo antecipadamente por algo que....

Não sabia bem como rotular, ou talvez estivesse apenas adiando tais identificações.

Num gole corajoso e único, assassinou a dose de álcool, devolvendo ao barmen somente o copo vazio, esse, presenteado com a marca de batom rubro na borda. Apanhou o casaco, caminhou até o banheiro, pensando e pensando...

"Eu... Eu tenho um... Um problema. Eu não nasci com a quantidade correta de cromossos e tenho um orgão genital masculino no lugar de um feminino, para todos as instâncias eu sou menina, tenho seios, meu emocional oscila, meus quadris desenvolveram normalmente, mas também tenho testosterona misturado em tudo, meus ombros são levemente mais largos e-"

— Você... bateu nela. — Sussurrou incrédula. As mãos apoiadas na pia, as memórias, as desculpas, os olhos lotados de uma bondade rara, recordou de cada culpa, já havia passado, certo? Ela havia perdoado, mas...

— Você foi terrível... Eu nunca vou conseguir me perdoar... — Lágrimas grossas desendaram a descer, e pasmem, inicialmente não sofria por aquele ocorrido, mas assim funcionava na mente de pessoas ansiosas, relembravam de momentos constrangedores antigos, anexavam a problemas atuais e premeditavam problemas futuros, ja pensando na solução de acontecimentos que sequer haviam chegado "nos finalmentes".

Relembrou do momento em que pisou na sala dos Jauregui's, dos olhos esverdeados e chorosos de Clara ao contar sobre a história vitoriosa — e dolorosa — da única filha, relembrou do momento em que a aguardou na pizzaria, relembrou de cada instante, a briga com Dinah, a intervenção de Michael, os dias que passaram na escola, a amizade nascente, até o...

Fechou os olhos.

Sentia tantas coisas...

Quem é você, Camila Cabello?

O que você esconde?

1 nova mensagem.

Noah Davies: Eu te amo, fique bem. Você sabe que faço isso somente no intuito de cuidar de você.

Camila Cabello: Eu também te amo. Me desculpe.

Limpou os pontos brilhantes em sua face maquiada, retocou-a, abaixou a gola da blusa, torceu os lábios em descontentamento ao fotografar os relevos vermelhos e irritadiços que começavam a nascer, escondeu o mesmo com o pano, e pronto, levemente bêbada, acalmada após fumar severamente como não costumava fazer há anos e com o mantra de que chorar era inaceitável naquele instante.

Pensar não fazia sentido, comeria seu cérebro vivo em poucos minutos e aquele ponto não era aceitável.

Queria respostas, não queria?

Iria busca-las.

Hoje, agora, no outro lado da cidade.

Dirigindo e dirigindo... para onde você foi aquela noite? E mais uma vez:

O que diabos você esconde?

Não importa.

Camila Cabello estava em um relacionamento abusivo, e surpreendentemente...

Noah "Perfeitinho" Davies era seu abusador.

(...)

Lauren Jauregui Point's Of View.

Newcastle upon Tyne, Inglaterra — Abril de 2020 (Há 4 meses da formatura)

Metamorfose sentimental, é o que eu chamaria e apelidaria acerca de todas aquelas relações que não nascem, mas sim são lapidadas, remendadas, salvas ou simplesmente transformadas.

Construir e transformar a princípio, na minha história, possuí um tom diferente de significância. Algo que se constrói, tem como fator o propósito, o planejado, algo que era imaginado e ansiado. Mas a transformação é sorrateira, mesquinha e vulnerabilizante, esse tipo de mudança não se planeja, simplesmente acontece, nasce, rasteja, cria asas e... voa. A metamorfose sentimental é bela em sua essência e pureza, mas é violenta acerca daqueles que estão sofrendo-a, impiedosamente ela não pede licença, o amor não pede licença:

Ele nasce e ponto.

Ele te fode e ponto.

Ele te devora vivo e ponto.

Ele reproduz e ponto.

O amor não é óbvio.

Ele se transforma até tornar-se irreconhecível.

Assim como mariposas a desaparecerem em madeiras escuras de carvalho, sobrevivendo através de cores diante a impiedosa seleção natural, o amor também necessita de adaptações. O ambiente externo influencia o interno, e quando menos se espera... Um sentimento é extinto, para que outro possa aparecer, apoderar-se e tornar-se exposto. Não se trata de escolhas conscientes, trata-se somente de seleção, mas essa, não é feita pela natureza e sim por nosso coração, é ele quem dita as regras, e é ele quem escolhe burla-las. Talvez a mariposa clara merecesse mais a vida do que a escura, da mesma forma que ele talvez merecesse mais o amor dela do que eu.

Mas não dependia de nós, Noah, Camila, meu eu 'do passado...

Francamente, ele nunca mereceu nada que viera dela.

Dependia unicamente do tempo, e sobretudo, do que ele estava disposto a fazer nessa seleção maluca entre mariposas, metamorfoses e desamores.

Sua boca anexada a conveniência escolheu dizer que o queria, mas e o tempo, Camila Cabello?

Até quando ele diria sim para suas escolhas?

Ainda é cedo para se dizer.

Ela ainda o amava em Abril de 2020.

Mesmo depois de ter me beijado.

E dessa forma, o torso magro tornou a ficar em pé, não demorando a mover-se para longe num andar composto, o sobretudo negro abraçava o restante de suas roupas, e dava um ar ainda mais charmoso a cena. Inevitavelmente, novas primaveras passariam a ruir acerca de nós duas, junto a ações criptografaras por sorrisos e olhares dóceis. Rastros de uma Camila imponente liquidaram minha visão até que tornasse distante o suficiente para misturar-se entre tantas outras arvores, fotografei os detalhes mais banais, respirei futilidade, implorando para que ela saísse de meus devaneios, mas o cheiro leviano de tabaco marcava território, induzindo-me ao erro, forçando-me a lembrar e lembrar daquela british girl com requintes de uma garota apaixonada por Louis Vuitton, na mesma medida em que torrava o cartão de crédito com livros de super heróis e jogos  no camarote enquanto assistia Newcastle jogar no St. James Park.

Camila: Posso te levar para casa?

Com essa mensagem na cabeça, assisti todas as aulas em a meio a desatenções extensas, e com o sinal tocando, jovens afoitos e empurrando uns aos outros e tantos milhares de detalhes presenteados apenas no clichê ensino médio, caminhei pelos corredores com Madison e eu tagarelando sobre banalidades mundanas, nos despedimos em acenos e novamente a observei partir em cima da clichê moto de ronco potente e exuberância chamativa. 

Notei Camila sozinha perto do portão, depreciativamente, fumava, mas ainda sim me aproximei.

— Só um segundo e já vamos, ta? — Camila terminava de tragar a ponta do papel e tomou algum tipo de distância, blindando-me do cheiro no qual ela obviamente já havia percebido não ser um dos meus maiores gostos.

Na verdade, era preocupante observa-la devorar dois, três ou até mesmo quatro cigarros por dia, dependente de rastros qual seus problemas psiquiátricos haviam deixado. O telefone tocou em seu bolso e ela o atendeu, ainda concentrada em fumar tranquilamente, junto a sobrancelha levemente arqueada em mania pura. A paisagem bonita fora tomada pela presença arrebatadora de Noah, parou ao seu lado, rondando, apontou rumo ao cigarro, os olhos verdes pareciam sérios e super protetores, eu não conseguia compreender exatamente sobre o que conversavam, mas era óbvio:

O vício do qual ela aparentemente não parecia estar se esforçando tanto assim no intuito em acabar com ele.

O ar brevemente obstinado e genioso de Camila permaneceu contido nos primeiros três minutos de conversa, mas crescia, cresceu, logo passaram a discutir sutilmente, e tudo que ela fez foi jogar o cigarro no chão com força e seguir rumo a Land Rover com Davies em seu encalço.

Camila: Só um segundo e já vamos.

Conversavam perto do carro, ele estava de costas e seus ombros largos impediam-me parcialmente de vê-la e absorver linguagens corporais a mais. Perduraram naquele embate por diversos momentos, e então o mesmo afastou-se levemente, notando-a adentrar no carro e bater a porta em sua face, no entanto, o vidro estava abaixado, possibilitando diálogos a mais.

1 nova mensagem.

Camila: Pronto. Problema resolvido.

Suspirei, talvez não fosse uma boa ideia, no entanto, assistir Noah Davies negar levemente — após assistir ao vidro fumê subindo bem em sua cara — me fez entender que ela precisava de alguém, que estava nervosa.

O ser de aspecto musculoso e corpulento alcançou o Jeep Renegade, cabeça baixa, mãos escondidas nos bolsos da calça, o boné maquiava um pouco de suas expressões faciais, mas era definitivamente louvável que estivesse chateado.

E que ela era realmente mimada. Pois ele estava certo.

Lauren... se você ao menos soubesse e... Argh.

— Camila...

A garota fitou-me, enquanto girava a chave, acendendo aos faróis do carro.

— Ele está certo.

— Agora não, Lauren. — Resmungou enquanto buscava partir, no entanto, o carro morreu acerca do nervoso em seu sistema motor, incapacitada de coordenar as ações que o colocava em movimento.

— Você está se matando.

— Eu já tentei me matar, e garanto que não foi com cigarros. — Rebateu direta, enquanto encostava a testa no volante. — Olhe bem, Lauren, eu estou bem, entende? Aquilo é o mínimo que restou, foi por anos o meu refúgio, você e Noah não estiveram presentes na parte mais mórbida e suicida de minha vida, meus pais estiveram. — Levantou o rosto, e eu notei seus olhos marejados. — Todas as nossas brigas giram em torno da mesma merda, e olha que tivemos pouquíssimas durante nosso namoro. Eu sei que ele me quer bem, mas ficar me lembrando todo o fodido dia de que estou falhando acerca de algo não vai me ajudar, entende? Eu sei que preciso parar de fumar, e acredite, fumar quatro cigarros por dia não chega perto do fato em engolir um maço inteiro quando tinha sei la... dezesseis anos? Eu vou parar, já fui pior,muito pior.

— Eu só não acho justo ficar brava com ele. — Dei de ombros, mantendo a calma.

Tudo que ouvi de seus lábios foram um "hm", enquanto arrancava ruas a fora.

— Você é... mimada.

A freada brusca me fez sobressaltar surpresa, enquanto assistia seus olhos vidrarem nos meus, como se estivesse dizendo silenciosamente um "eu ouvi mesmo o que ouvi?"

Não Camila, eu não vou sair correndo de você assim como Noah Davies.

— Você é mimada. — Tornei a sibilar calmamente. — Ele não está errado, e você está agindo como se ele fosse culpado.

— Está defendendo ele?

Você realmente o defendeu?

— Estou preocupada com sua saúde.

Ele estava preocupado em manipular a situação.

— Parece acalentador ser chamada de mimada. — Ironizou, no entanto, sorriu de lado, mas o brilho irritadiço em seus olhos castanhos continuavam fervendo nas entrelinhas.

Finalmente encontrei um defeito irritante em você. — Foi o que quis dizer, mas contive a língua.

Sim, ela era mimada.

Como nunca percebi isso antes?

Talvez porque ele a fizesse parecer como uma, por mais que a mesma de fato não fosse.

— Você sabe que é verdade, olhe bem... Se ele somente a repreendeu pelo cigarro, não há motivos para chateação.

— Posso te falar uma coisa?

— Pode. — Concordei de praxe.

— Há coisas que não estão ao nosso alcance, independente de sermos muito próximos da pessoa. Existem singularidades, escolhas, nós namoramos, há o casal Noah e Camila, e há as pessoas Noah e Camila, separadamente. — Voltou a dirigir, atenta a cada mover pela estrada. — Não tem como fazer algo x tornar-se y, entende? A menos que a pessoa queira mudar, e eu não posso deixar de fumar apenas para provar que amo Noah Davies, exatamente porque, caso eu e ele acabe, tornarei a fumar no intuito de esquece-lo. Eu quero mudar por mim, Lauren, eu já disse isso a ele milhões de vezes, por isso estou brava. E não, não sou mimada. Conviva cinco minutos com Sinuhe Estrabao e verá o quão impossível é ser mimada.

Antes que pudesse rebater a resposta suave a pular de seus lábios, franzi o cenho, observando que estávamos tomando um caminho diferente do caminho de casa.

— Espera, você está me sequestrando? — Brinquei, e meu objetivo foi atingido ao arrancar uma risada gostosa de sua boca, anexada a típica jogada de cabeça para trás.

— Vamos a uma sorveteria que minha mãe é co-fundadora, Chica's Sorbet, perto do bairro onde moro. Você vai gostar.

E dessa forma segui atenta ao trajeto, arvores, pinheiros, a música no fundo, o ato de me repreender em determinado momento ao estar sem o cinto de segurança.

A sorveteria apresentava um ar moderno com janelas de vidro e cores de creme e negro. Havia um ar requintado de bistrô, em meio ao gourmet por se tratar da conexão com alguém altamente premiado gastronomicamente. Além de sorbet's, haviam também outros tipos de sobremesas, e muita familiaridade com a culinária latina. Docinhos tipicamente cubanos — e sul americanos — estavam no cardápio, obviamente remodelados para ganhar uma originalidade absurda. No lado de dentro, senti-me abraçada pelo ambiente pouco movimentado devido ao horário, e fotografei cada detalhe possível, desde fotos na parede, troféus acerca da melhor sorveteria de Newcastle e reportagens do The New York Times em 2007, aparentemente, o ano de ouro do Chica's Sorbet, quando ganhou diversos prêmios incluindo a parabenização da Le Cordon Bleu, que exaltava Sinuhe Estrabao como ex-aluna.

Mágico, a mulher era simplesmente a lenda da gastronomia cubana.

Sentadas e acomodadas, Camila me informou que a dona não estava, restando no ambiente somente o gerente e seus funcionários sorridentes, fomos atendidas com cordialidade, e a educação era potencializada devido a estarem lidando com a filha da chefe.

Quando a mesma mexeu nos cabelos, notei de relance o relevo vermelho em seu pescoço, clarissimo, como se houvesse sido tapado com maquiagem. Os ombros cobertos pelo tecido escuro tornaram-se tensos e o rosto avermelhou-se em constrangimento puro.

— É alergia. — Pontuou séria, enquanto fechava a blusa de frio e jogava os cabelos para o lado.

Ajeitei-me no assento, compreendendo que talvez aquele assunto não fosse algo do qual a deixasse confortável, era nitido o constrangimento em sua face.

— Tudo bem. Desculpe reparar, não quis constranger você. — Rodeei a borda de meu milk shake, completamente envenenada pelo mal estar que aquele clima tenso proporcionara.

— Elas aparecem em dias quentes. — Deu de ombros. — Eu possuo alergia ao suor. — Sorriu gentil, levando-me a sorrir também.

Delicada...

Por que você mentiu, Camila?

— Entendo, deve ser horrível.

— Já está melhorando. — Olhou para o próprio pescoço. — Logo desaparece.

Envolvidas naquele ar impróprio, mal notamos a presença de alguém ao nosso lado.

— Querem fazer uma tour pelos sorvetes? Camila já experimentou todos, mas há alguns sabores novos que soam maravilhosos. — O gerente nos convidou, e roubando a atenção para si, estava completamente inerte ao clima tenso que amparava aquela mesa.

O agradeci mentalmente, e com uma olhadela de canto em minha direção, a ex-jogadora de vôlei aceitou.

A estatura mediana do homem que portava avental e touca na cabeça, guiou-nos para perto do balcão, onde os diversos sabores permaneciam expostos e aguardando que o público alvo escolhesse o seu preferido. Nos envolvemos por minutos em uma áurea divertida, onde ele ria acerca de nossas caretas e anima-se com elogios e sugestões de novos sabores. O extremo cuidado que o Chica's possuía acerca da qualidade com o produto deixava-me abismada ao compreender que buscavam fazer os sorvetes naturais com frutas livres de agrotóxicos, muitas dessas plantadas em fazendas que tinham co-relação com a marca e também com o restaurante estrelado de Sinuhe Estrabao.

Quando vi, já havia perdido a noção do tempo.

— Esse poderia ser meu sorvete preferido. — Apanhou a colherzinha e afundou no sorvete, esticando-o em direção a minha boca. — É de creme.

E... Bacon? Sim, bacon. Enquanto sentia o doce derreter e misturar lentamente junto a minha saliva, o salgado suave em tons defumados deixava nas entrelinhas uma estranheza deliciosa, atípica e exótica. Meus olhos descrentes pareceram causar a reação que ela esperava, já que seu sorriso gentil e bem humorado tomou conta de seu rosto tão bem cuidado.

— Mas você não come carne de porco. — Completei. Enquanto limpava o canto dos lábios com a ponta dos dedos.

— Exatamente. Eu costumava tomar esse sorvete quando criança, ainda não sabia bem a importância de todos os valores religiosos em minha vida e meus pais não eram severos a tal ponto. — Deu de ombros. — Deixei de toma-lo naturalmente, assim como o processo de abandonar todos os outros tipos de alimentos. — Pincelou meu nariz. — Você gostou?

— Gostei, é estranhamente gostoso, eu nunca fui fã de misturar salgado e doce na mesma receita, mas... ok, vocês ganharam nessa.

A latina simulou uma falsa careta convencida, enquanto seus dedos seguravam em meu pulso e continuavam a me arrastar pela sorveteria, a figura do gerente geral recolheu os talheres, enquanto sorria diante ao agradecimento que Camila lhe ofereceu, antes de dar as costas e deixar-me provar daquele ambiente natural, fresco e com ares diferenciados acerca de sorveterias quaisquer.

Realmente mereciam todo o reconheciam que tinham.

Não demorou muito para que eu pudesse entender na realidade tratar-se de um bistrô elegante, a especialidades era confeitaria, mas o salgado fincava suas garras de forma coadjuvante acerca de alguns pratos perdidos em mesas delicadas e organizadas. Uma, duas, três horas, de repente a falação era instantânea junto a crianças, casais apaixonados e até mesmo engravatados que tomavam um café rápido antes de retornarem a suas caóticas rotinas rumo ao trânsito inglês. A mistura de essências soava grandiosa, e eu sabia que a elegância em alguns clientes aparecia somente pelo nome do estabelecimento estar associado a uma chef premiada.

Conversamos bastante, tomamos muito sorvete, comemos rosquinhas, tortas e bolos, e o creme de pistacue com cachaça, acompanhado de um petit gateu me conquistou irrevogavelmente, e assim o ponteiro chutava as cinco da tarde, com raios dourados iluminando o ambiente.

— Venha, quero te mostrar uma coisa.

O choque de seus dedos em meu braço puxaram-me para os fundos, diante a um corredor restrito a funcionários e pessoas autorizadas. Ela era filha da dona, e sua educação carinhosa não deixava duvidas de que todos ali nutriam um afeto quase familiar por ela, bagunçavam seus cabelos, ofegavam seus ombros, perguntavam de Sinuhe, de Alejandro, de Sofia, a pequena garotinha já tinha namorados? Alejandro já estava ficando careca? Sinuhe havia perdido a mania de chegar duas horas antes de todos os funcionários e sair no mínimo quatro horas depois de todos eles? Era claro que não. A mulher aparecia ali quando podia, e seus atos nunca mudavam.

Eram perguntas como aquelas que me deixavam a par da humanidade na franquia, de como humanizavam seus funcionários e pareciam genuinamente conectados a eles.

Nos fundos do estabelecimento, encontramos um jardim imenso e uma plantação de verduras, frutas e legumes, distante, muito distante, pude notar uma garotinha perdida entre as folhas verdes, trajava uma jardineira azul e um boné jeans com bordados coloridos, diante a visão debilitada, não consegui captar tantas informações. Tão rápido quanto qualquer evento magestoso, uma mulher loira com o celular no ouvido surgiu em meio ao vislumbre da natureza, mas suas vestimentas de cores fechadas e recortes finíssimos destoavam da simplicidade no local, abaixou ao lado da criança, conversaram e conversaram, a mulher sorriu em meio a alguns gestos gentis que não condiziam acerca de sua base expressiva limitada e intimidante. Aquela era...

— Aquela é minha mãe e minha irmã mais nova. — Apontou discretamente. — Te apresentarei a ela num dia em que a mesma não esteja mal humorada e sobrecarregada, aconteceram algumas coisas no restaurante e eu sequer esperava vê-la aqui hoje, deve ter acabado de chegar. Foi uma coincidência. — Piscou cúmplice.

Concordei de praxe, talvez até aliviada, boatos robustos acerca da geniosidade presente na chef de cozinha deixavam em mim temores severos acerca de como a mesma agiria em minha presença. Gostaria de causar boas impressões, impressionar de alguma forma, mas seguiria as recomendações de Camila.

Aquele não era um bom momento.

— Você quer conversar com ela? — Escondi as mãos no bolso da jeans, mas antes que a latina pudesse abrir a boca, um grito juvenil tirou-nos a concentração.

— Mila! — A garota exclamou animada, acenando de longe, agora em pé, pude notar que sua estatura condizia facilmente com alguém de doze a quatorze anos. As feições infantis começavam a dar lugar a expressões mais adolescentes, mas havia uma doçura muito familiar em seu sorriso, era como...

Observar Camila há quatro anos atrás.

Senhora Estrabao não tardou a olhar em nossa direção, a distancia era grandiosa, colocou a mão sob a testa no intuito de potencializar o foco, a essa altura o celular de luxo não era mais usado, embora o aparelho estivesse preso em seus dedos adornados de anéis notados a quilômetros de distância devido ao brilho.

A mulher era o vislumbre intrínseco da elegância e luxu, a calça de corte reto anexada ao sobretudo ditavam nas entrelinhas um poder realmente facílimo de se captar. Karla Camila era sedutora e imponente como a mãe, havia herdado o charme da mesma, enquanto o bom humor hospitaleiro certamente devia muito a Alejandro Cabello, conhecido popularmente nos negócios da mulher como o homem do dinheiro.

Ele não cozinhava tanto quanto a esposa, e suas facetas estavam muito mais ligadas ao marketing e ao Business.

— Eu já volto, ok? — Sorriu tranqulizadora. — Fique a vontade para conhecer a estufa e o jardim, te encontro já. — Com um beijo cálido nos nós de meus dedos, a figura esbelta aproximou-se da mãe e da irmã em passadas largas.

Surpreendente, a mulher não pareceu curiosa acerca de minha presença, focou os olhos na filha mais velha e assim permeneceu por toda a conversa. Um estranho alivio e incomodo corroeu-me os ossos, como se de alguma forma estivesse... não sei, ignorando a presença de terceiros.

Nunca compreendi ao certo na época o que impulsionou tais ações não-hospitaleiras, o normal era ao menos que olhasse, observasse, julgasse, não era?

Não.

Não um mísero olhar sequer, mas o gesto que a mesma teceu na gola da blusa de Camila deixou-me curiosa, analisou por milésimos a alergia no pescoço da mais alta, e a mesma afastou-se desconcertada, finalmente focando o olhar em Sofia. Sinuhe então retrocedeu para uma careta séria, junto a um olhar preocupado intenso demais para algo que inicialmente compreendi somente como alergias banais, porque ela havia mentido para mim.

Você mentiu tantas vezes, Camila.

— Quer conhecer a estufa? — Sua voz gentil surgiu após alguns minutos de distância.

Por que você mentiu?

— Vamos. Está tudo bem entre você e sua mãe? — A preocupação e a insegurança por conta da mulher ter descartado minha presença colocou-me em paranóias, embora o ato não houvesse sido grandioso.

Por que você mente?

Sim, está tudo bem.

Ainda era cedo para se descobrir, mas... Estava óbvio 'Meu Eu do passado.

Você quem era cega demais, assim como todos os outros que a rondavam.




Às vezes as pessoas se prendem uma à outra por uma espécie de retroalimentação de inseguranças. — Autor Desconhecido.

______
N/a: Bom. Muitas informações nesse capítulo, espero que tenham apreciado o capítulo. Vocês sabem que eu amo escrever sobre algo real e tão pouco tratado com o devido cuidado. A história narrada em primeira pessoa só nos deixa cientes do óbvio:

De como abusadores fingem muito bem na frente de terceiros.

Até logo.

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