Oito

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Ser jovem é ter esperança.


Quando tudo o que você tem de mais importante se vai, você acaba se encontrando em um profundo questionamento interno, que lhe faz pensar em diferentes probabilidades para enfrentar a vasta e constante solidão. Eu conseguia identificar com clareza alguém que estava passando por isso, porque por treze anos eu estive assim e posso dizer que só consegui me livrar disso, quando encontrei pessoas que estavam dispostas a me tirar daquela situação.

Observar Gilbert demonstrava que sim, ele estava naquela situação e por mais que eu soubesse que precisava  ajudá-lo, eu tinha receio em ser invasiva demais, principalmente por conhecê-lo a pouquíssimo tempo; sobretudo suficiente para mostrar-me que ele não era egocêntrico e cheio de , como eu havia pensado, certamente um pouco mais seguro do que os outros garotos e sem dúvidas muito mais altruísta e bondoso.

Sim, Gilbert Blythe é o garoto mais especial que eu já conheci, não sei se o que lhe torna assim é o seu recente luto, ou se, o seu recente luto foi capaz de abrir meus olhos que estavam fechados incapazes de aceitar a verdade. Tudo me indica que desde o começo, quem não estava disposta a enxergar com clareza era eu.

O cheiro da tarde era de morte, e apesar de não estar vindo de minha parte, eu sentia como se estivesse. Como o luto dele pôde ter tanto impacto em mim que mal conseguia olhá-lo nos olhos?

— Está pensativa, Anne — Jerry entra em meu quarto.

Eu estava vestindo preto, e aproveitava para deixar a naturalidade realçar minha pele sardenta, eu não podia achar que um momento fúnebre era ideal para uma maquiagem, ainda mais porque eu sentia tanta dor dentro de meu peito, que se pudesse choraria o velório inteiro para aliviar um pouco daquele peso em meus ombros, o que não seria nada normal, pois eu nem sequer conhecia o cadáver... Mas eu sabia que boas árvores produziam bons frutos, o que me faz ter certeza que, o Sr. Blythe era uma boa árvore; vejamos por seu filho, possivelmente único filho, que sem dúvidas lhe trouxe muita alegria e satisfação.

— Jerry — o encaro — você já se sentiu a pior pessoa do mundo por ter tirado conclusões precipitadas e incoerentes a respeito de alguém?

— Mas é claro que sim — ele mexe em seu terno preto para o velório — já senti os dois tipos de dores — sua voz é fraca — tanto a de julgar quanto a de ser julgado, e tenho certeza que nenhuma dessas duas coisas valem a pena.

— Eu também — digo — durante toda a minha vida fui criticada injustamente principalmente por causa de minha aparência e minha forma de me expressar — torno a me olhar no espelho enquanto tento encontrar o fecho de minha  gargantilha — e agora, me sinto extremamente injusta em julgar antecipadamente alguém que não merecia.

— Está chateada por causa de Gilbert, não é? — ele me ajuda a fechar a correntinha e olha para mim através do espelho — sabe Anne, não se sinta tão mal por ter feito algo, só não faça de novo.

Sorrio para ele que retribui o sorriso.

— Tudo bem se você namorar Diana — brinco — você está se tornando um amigo para mim.

— Tudo bem se você namorar Gilbert — ele me encara — mesmo fazendo apenas dois dias que se conhecem eu diria que existe uma conexão inquebrável entre vocês.

— Ruby é apaixonada em Gilbert desde sempre.

— Quantas vezes terei que dizer que ele não dá a mínima para ela?

— Bom Jerry, se for isso, certamente iremos saber.

— E se não for, você não vai se entristecer, porque ele seria um tolo em trocar alguém como você.

Depois dessas palavras, Jerry sai do quarto. Deixando-me apenas com as terríveis questões sem respostas. Será mesmo que Gilbert prefere a mim do que a linda garota de cachos dourados?

. . .

Consequências, sempre há consequências quando você chega em um velório de um homem tão importante para a sociedade, e a minha consequência foi:

Ver Gilbert rodeado de garotas que o encaravam, como se ele fosse uma saborosa ovelha e elas lobos ferozes dispostas à fisga-lo.

Jerry, eu e Diana, caminhamos até o círculo ameaçador e Gilbert se levantou às pressas quando me viu. O lugar estava cheio, tão cheio que sequer dava para pensar nos passos, tínhamos que nos jogar sem se importar com o que estava a frente ou quem íamos atingir.

— Que bom que vieram — ele me encara — eu, bem... Eu...

Jerry me olhou e soube de imediato que eu não tinha noção alguma de como lidar com aquilo. Então ele abraçou Gilbert, o que me poupou de fazer em público, eu não poderia fazer isso, já que Ruby estava próxima o suficiente e também longe o necessário para pensar coisas inapropriadas de nosso abraço. Eu não poderia magoá-la, não sabendo que tinha um amor platônico e fervoroso desde sempre por aquele formoso garoto.

— Quem diria Gilbert — diz o garoto conhecido como Billy — trocou os amigos por novatos idiotas.

— Não é o momento apropriado para isso Billy — Diana que certamente já sabe como tratá-lo, interrompe o seu discurso ridículo.

— E já fez amizade com a vira-lata au au. — ele diz encarando-me.

O tempo de uma piscada, foi suficiente para ver Billy oprimido no chão diante das mãos de Gilbert.

— Nunca mais diga isso sobre ela.

Ruby me olha e olha para o chão, e todas as garotas fazem o mesmo. Billy aparentemente amedrontado leva a mão ao rosto enquanto Gilbert fecha o punho para atingi-lo. Jerry puxa Gilbert que se levanta rapidamente e Billy é socorrido por duas garotas.

— Jane e Prissy — Diana me olha — são irmãs dele.

Estou perplexa, estática, confusa demais para processar tudo o que havia acontecido.

— Me desculpe — Gilbert diz a todos que estão lá — eu não estou com cabeça para ouvir desaforos calado.

O caixão é fechado e levado para ser enterrado. A mansão é tão grande que tem covas para os familiares, e lá tem a lápide de sua mãe, e agora ao lado a de seu pai.

Cada passo é uma sensação diferente.

1. As pessoas um dia estão em sua vida, no outro não.

2. O coração pulsa tão forte, que é como se bombea-se dor.

3. As lágrimas já não são tão aliviadoras quanto antes.

4. Sua alma vai se esvaziando aos poucos a ponto de lhe deixar completamente oco por dentro.

5. O espaço deixado por aquela pessoa, jamais será preenchido. E a terra que bate no caixão, é sua consciência lhe dizendo que aquela pessoa nunca mais vai voltar.

Assim que a terra cobre por completo o caixão, Gilbert despenca no chão. E eu, não fui rápida o suficiente para tentar consolá-lo. Quando olhei, Ruby já estava lá, segurando em suas mãos e fazendo o que eu mais queria fazer, dizendo que tudo ficaria bem.

. . .

Anne With An E - Sec XXI (Concluída)On viuen les histories. Descobreix ara