Parte 29

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Ara dormia. Uma fase da lua já havia se passado desde que fora trancafiada naquela cela vazia, e qualquer distração que conseguia imaginar para si mesma perdia o sentido bastante rápido. Não deixavam que recebesse livros, um instrumento, o qualquer coisa que não fosse água ou comida, e só o que restava para distrair a mente da elfa era sonhar. Não se sentia culpada por sua suposta ofensa, e por enquanto ainda não fora acometida pelo terror da morte iminente, então o sono lhe vinha fácil, embalado pelo tédio extremo.

Acordou com o som de passos se aproximando. Era noite, escuridão tomava a prisão naquela lua nova, mas Ara soube quem chegava. Reconhecia os passos daquela que já havia considerado uma amiga, ainda considerava, mas algo lhe dizia que Gaoth não pensava o mesmo.

Gaoth destrancou a cela, segurou Ara pelo braço e, mais uma vez, guiou-a pelos corredores de Lúchairt. Dessa vez, não cruzaram com ninguém, tampouco Ara sabia para onde estava sendo levada. Conhecia a grande árvore e por mais que seguissem caminhos que Ara não estava acostumada, tinha noção da direção que tomavam. Com a mão livre, Gaoth abriu uma grande e alta porta de madeira, entalhada com figuras de animais e plantas, e entrou arrastando Ara.

A sala do trono era um espaço acostumado com o vazio. Amplo e sem mobília, ninguém passava por lá, não tinham o que fazer ali. Apesar de tudo, era um cômodo com certa suntuosidade, como se Ghrèin fosse realmente dono de algum título, das terras, ou dos próprios elfos. As paredes altas eram cobertas por pinturas e flores plantadas diretamente na madeira, do teto descia um enorme candelabro de ferro, suas incontáveis velas acesas naquela lua, uma raridade. Um trono esculpido na madeira ficava no alto, cinco degraus acima do chão, adornado com galhos pintados de dourado, flores e trepadeiras. Ara observou o assento e pensou que era bonito demais para ser usado por Ghrèin.

Em uma atitude exagerada, Ara foi acorrentada à uma argola de ferro presa ao chão, posta ali talvez exatamente por esse motivo. As correntes não eram longas, com a intenção de que mantivesse o corpo curvado, ou ajoelhasse. Ara escolheu por manter a coluna ereta, cabeça erguida, e não demonstrar submissão. Sentou-se de pernas cruzadas no chão, observando a irritação no rosto de Ghrèin e esforçando-se para conter um sorriso.

Gaoth deixou o salão, e Ara se viu sozinha, de frente para o elfo em seu trono.

— Achou mesmo que ia conseguir me enganar? — ele perguntou. — Você era uma nova recruta, Ara, nunca a confiaríamos por completo com qualquer tarefa que fosse. Precisava mostrar sua lealdade antes.

Ghrèin inclinou o corpo para frente, entortando o rosto um pouco para o lado, concluiu:

— Você não passou no teste.

Ara precisou se controlar para não bufar, tentou manter o rosto impassível, mas soube que ódio transbordava de seus olhos. Não disse nada.

— Te dei uma oportunidade, Ara. O reino está mudando, você poderia estar com os vencedores desde o começo — Ghrèin falou, agora mais sério. Não parecia desapontado, apenas irritado com o desperdício.

— O que aconteceu com Iolanda? — Ara perguntou.

Ghrèin riu.

— O que você acha?

Precisavam dela morta, morta está, Ara pensou, baixando a cabeça. Havia concluído o mesmo no momento em que fora presa, mas um restinho de esperança em seu ser ainda pedia pela confirmação. Torcia para que sua dita traição tivesse sido descoberta apenas quando Iolanda já estivesse no navio, em alto mar, longe dos tentáculos terrenos da Virtude. Ficara observando a embarcação partir sem perceber nada de errado. Sentia o peso de sua falha.

Sem ter uma resposta de Ara, Ghrèin suspirou, e disse:

— Bem, pedi para que a trouxessem aqui antes dos outros para deixar algo claro.

Livro 1 - A Elfa, O Homem e a Ordem [completo]Dove le storie prendono vita. Scoprilo ora