Capítulo VIII - Não Há Mais Lar [Parte 28]

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A gigantesca comitiva que levava o corpo do Rei de volta para Cáhida seguiu caminho em passos lentos, fúnebres e respeitosos. Depois de alguns sóis, finalmente se aproximava da cidade real. Sua chegada não era uma surpresa, batedores haviam ido em frente à galope com o aviso, e mesmo eles não surpreenderam a Rainha, que de alguma forma já tinha conhecimento da morte de seu marido e já havia ordenado que iniciassem os trabalhos para o velório.

Como resultado, Cáhida estava pronta para receber o falecido Rei, e quando Raquel cruzou os muros da cidade, as vias já estavam abarrotadas de flores brancas e pessoas de preto. Um sino tocou a distância, anunciando a notícia para os poucos que não estavam nas vias para ver. Raquel seguiu cavalgando, por entre todos aqueles que em breve seriam oficialmente seus súditos. Estava nervosa, triste, mas tinha Iago em um lado e Lorena no outro, além de Emanuel e Henrique vindo logo atrás, e a presença dos amigos lhe dava algum alento.

Uma canção começou a ser entoada, bem baixinho. Raquel não tinha certeza de qual era, soube apenas ser religiosa. A princípio estranhou, seu pai não era o maior adepto da religião, mas compreendeu que se recorre aos ritos, em momentos como aquele. O Rei era importante a qualquer um que vivesse em Cáhida e muito além de seus muros, todas aquelas pessoas precisavam de algo reconfortante para sanar seus diferentes níveis de dor ou tristeza. Ou simples angústia de um futuro incerto.

O maior alívio para Raquel veio quando cruzou os muros baixos do castelo e avistou a mãe e o irmão, de pé em frente à enorme porta de madeira.

Era a primeira vez que Valéria saía de seu quarto desde que havia pressentido a morte de Lázaro. Após ordenar que se preparasse o velório, havia se recolhido em seus aposentos, permitindo a entrada somente de Leonel. Queria seu tempo de luto, sem ter de lidar com afazeres, sem ter que pensar em ordens ou qualquer coisa do gênero. Agora, esperando em frente ao palácio, em seu vestido preto bordado com fios prateados e com um longo véu cobrindo o rosto, Valéria já tinha reunido mais forças para lidar com a morte.

Leonel, por outro lado, parecia ter acabado de receber a notícia. Vestia roupas de um azul denso e muito escuro, além de uma capa preta, mas o luto em seu rosto era ainda mais pesado do que o carregado em suas vestimentas. Sua expressão era marcada por um profundo pesar, os olhos estavam vermelhos e rodeado por olheiras enormes, incomuns ao rosto do jovem.

Raquel sentiu uma pontada no coração ao estudar o rosto do irmão. Desceu do cavalo e correu para abraçar sua família. Valéria envolveu os dois filhos em seus braços, como se ainda fossem pequenas crianças.

De um canto do pátio, padres vieram carregando um leito fúnebre, já preparado com flores brancas, e se aproximaram da carruagem decorada que trouxera o corpo do Rei. A troca foi feita, e a comitiva que viera de Lannuaine deixou a posição de destaque nos ritos fúnebres. Os elfos tomaram lugar nos fundos do pátio, e mantiveram-se próximos da família real apenas os soldados humanos e um elfo, Anluath, que permaneceria acompanhando a procissão como representante da floresta. Os cavalos foram levados, e o pátio se encheu de humanos vestidos de preto, que passaram a caminhar lentamente atrás dos padres, que levavam o corpo.

— Seu pai vai ficar na capela. — Valéria sussurrou para os filhos.

Não havia uma tradição específica, o reinado dos homens não era assim tão longo, mas esperava-se que o Rei Lázaro fosse enterrado na grande igreja de Cáhida, que ficava em frente à praça central. Era onde ocorriam os principais acontecimentos, e onde os reis anteriores estavam enterrados. No entanto, Lázaro e Valéria não sentiam qualquer conexão em especial com a igreja, e a Rainha determinou que seu marido descansaria na pequena capela, um lugar em que ele de fato apreciava, e onde sempre ia para pensar, arejar a cabeça. Lá, Lázaro conseguia paz, e era isso que a Rainha desejava para o marido em sua eternidade.

Livro 1 - A Elfa, O Homem e a Ordem [completo]Where stories live. Discover now