Parte 07

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— Hoje a aula vai ser diferente? — Ara perguntou.

Seguia Anluath pela floresta, em direção ao que parecia ser a fronteira de Lannuaine. Era hora do treino com arco, mas se afastavam em muito do local comum para os exercícios. O dia estava ensolarado e fresco, o vento conseguia se esgueirar pelas folhas e acariciava o rosto da elfa.

— Bastante diferente. — Anluath falou, voltando-se para trás, para Ara, e piscando um olho. — Não conte para o Maighstir.

O elfo começou a escalar uma árvore, até sua copa e além, em uma altura da qual seria possível enxergar a distância. A floresta era cercada por uma planície extensa, de vegetação verde e rasteira, cortada por alguns riachos que cintilavam ao refletir o sol. Não haviam muitos seres morando por lá, e podiam-se ver poucos vilarejos, com casebres de madeira ou pedra, típicas moradias humanas. Ara reconheceu, nas construções maiores e mais altas, as igrejas. Havia uma em cada aglomeração de casas, assim como grandes áreas do campo com a terra trabalhada para a plantação.

— Muitos dos cereais que usamos em Lùchairt vêm desses humanos, compramos com o que fazemos do comércio de jóias e bebida, ou trocamos pelas frutas e vegetais que nós plantamos. — o arqueiro contou.

Ao leste, uma cordilheira se erguia ao longe, a pedra negra coberta pela neve. Anluath explicou que um rio nascia em um dos vales e seguia até desembocar do oceano, distante, ao leste, onde fora construída uma importante cidade portuária, chama Grande Chifre, que Ara algum dia conheceria. De Lannuaine, não se podia avistar um dos lugares mais importantes: Cáhida, a cidade real, que ficava escondida atrás da cordilheira. Ao sul, o elfo apontou para outra cadeia de montanhas, que abrigava uma cidade mineradora, onde se extraía ferro, e homens arrecadavam pilhas de ouro com a mercadoria.

— O que você sabe sobre o reino lá fora? — Anluath perguntou, olhando para sua aluna.

— Eu sei que existem criaturas más, que tentam atrapalhar nossa paz e matam os homens só para ganharem mais poder.

O mundo de fora só havia afetado a vida de Ara na ocasião da morte de sua mãe, qualquer outra coisa que soubesse vinha de livros, então sua resposta não tinha sido uma surpresa. E não deixava de ser verdade. As guerras entre as raças haviam cessado há mais de trezentos anos, porém existiam grupos sedentos de poder, que cada vez mais usavam de violência para alcançar seus objetivos. Nada daquilo era familiar à Lannuaine, que, por ser hostil às outras raças, era morada apenas para os elfos e não havia conflito. Grande parte dos habitantes da floresta sequer a deixavam em algum momento da vida, e tornava-se fácil se isolar dos problemas dos homens, anões e outras criaturas.

As missões de Anluath costumavam levá-lo para cidades importantes, como Grande Chifre e Udalea, onde discutia-se por todos os cantos sobre uma última batalha, a invasão de algum castelo, sobre as intenções do Rei. Falava-se das grandes ordens, que tentavam ganhar prestígio, e era relevante saber a qual delas seus companheiros se afiliavam.

— Vamos começar de forma simples, como se chama a terra onde fica essa floresta?

A jovem não tinha ideia. Os elfos a chamavam de Terra de Todos, ou de Talmhainn, mas Ara sabia que esse não era um nome usado por outros seres.

— Os homens a chamam de Carstvo, e o resto das criaturas passou a usar esse nome, desde a paz entre as raças — ele fez uma pausa. — Qual o nome do nosso Rei? — o arqueiro perguntou.

Ara fez uma careta, erguendo as sobrancelhas.

— Rei?! Ghrèin é um rei?

Anluath riu, balançado a cabeça em negativa. Era de fato surpreendente o pouco que uma habilidosa guerreira conhecia sobre o mundo.

— Não, Ara. Ghrèin é apenas nosso líder, por que precisamos de alguém para organizar a vida em Lannionad. Estou falando lá de fora, o Rei da Terra de Todos.

A expressão da jovem elfa deixava clara sua completa ignorância quanto ao reino. Uma careta revelou seus sentimentos quanto à necessidade de um rei para as Terras.

— Ele se chama Lázaro. — Anluath continuou. — É um homem e está no trono há mais de trinta anos, mas não é muito mais velho que isso. Tem uns cinquenta, eu acho.

— Mas ele é uma criança! — Ara interrompeu, sem acreditar que um rei pudesse ter uma idade tão próxima à sua. Mais novo, ainda.

— A idade dos homens funciona de forma diferente da nossa, eles vivem muito pouco, por menos de um século. O Rei de fato era uma criança quando foi coroado, mas agora está ficando velho. — Anluath explicou, e viu o olhar de surpresa em sua aluna. — Lázaro já é adulto, e inclusive já tem dois filhos.

O elfo contou sobre a família de humanos que os governava, começando com Lucius e Catarina, o casal que reinava quando Ara nasceu. Eles eram bons para todos os povos, tinham enorme respeito aos diferentes seres e sempre fizeram de tudo para manter a paz. Ghrèin costumava encontrá-los no palácio real, junto de outros líderes elfos e representantes das outras raças. Voltava para Lannuaine satisfeito com as perspectivas futuras, tranquilizando a todos com garantias de manutenção da paz. Era importante para Lannionad, muitos deles se lembravam da era das guerras, quando invasões poderiam acontecer a qualquer momento, humanos tentavam incendiar a floresta, anões arriscavam chegar até o vilarejo para destruí-lo, e nunca se sabia como seria o dia seguinte. Era uma época de pavor e insegurança, ninguém queria que retornasse, e os reis faziam de tudo para manter a nova paz.

Quando Lucius e Catarina passaram o reinado ao filho, houve um breve momento de tensão, enquanto todos ansiavam que Lázaro mantivesse a visão de seus pais em seu próprio governo. Anluath lembrava-se perfeitamente do discurso dado por ele, no palácio real, tinha acompanhado Ghrèin, por segurança. O Rei, um garoto de treze anos, havia declarado a extrema importância da paz, acima de tudo, do diálogo entre raças, do crescimento conjunto do reino, e os aplausos haviam sido gigantescos. Anluath se lembrava de comentários de como Lázaro era "fofo".

— Ele é um bom rei, gentil. — Anluath disse. Pensou no seu irmão mais novo, o Príncipe Zaras, mas não fez nenhum comentário.

— Melhor que o pai?

O arqueiro balanço a cabeça, em negativa.

— Lucius e Catarina governavam juntos, um controlava os excessos do outro, e as duas mentes trabalhavam unidas de uma forma muito eficiente. O Rei atual não é dos homens mais inteligentes e a Rainha não tem paciência para ajudá-lo. Ou ele não tem paciência de escutá-la. Não sei ao certo.

Ficaram em silêncio, observando a paisagem. O arqueiro não sabia mais o que lhe dizer, tinha dúvidas do que poderia lhe contar, sem enfurecer outros elfos. Comentou, apenas:

— Lá fora, Ara, nada é preto no branco. O mundo além das fronteiras de Lannuaine é cinza.

Ara não sabia o que aquilo queria dizer, mas Anluath a garantiu que compreenderia em seu devido tempo.

— Pronto, vamos descer, você tem que treinar aomenos um pouco com o arco.

Livro 1 - A Elfa, O Homem e a Ordem [completo]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora