Parte 14

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A Rainha Valéria tinha coisas para fazer. Deveria se encontrar com um grupo de senhoras da nobreza para discutir algum evento próximo, substituir o Rei em uma reunião com seu pequeno Conselho, sentar no trono enquanto recebia cidadãos de todos os cantos de Carstvo escutando suas queixas. Mas, não fazia nada disso, faltava-lhe o ânimo. Estava deitada na cama, ao lado de seu marido. Lázaro dormia, um sono instável prejudicado por tantos acessos de tosse. Valéria fazia cafuné nos cabelos ralos do Rei adormecido. Não queria deixá-lo, tinha medo de se virar por alguns segundos e voltar para encontrar seu corpo pálido, sem vida. Ainda não estava pronta para encarar essa dor, nem sabia se algum dia estaria.

O pior era não entender ao certo que mal acometia o marido. Lázaro estava exausto, não parava se tossir, o que muitas vezes vinha acompanhado de sangue, sentia dores no corpo todo e tinha dificuldades até mesmo para se levantar. Bardô não sabia do que chamar aquela doença, mas garantia que já havia visto antes e as chances do Rei se curar eram pequenas. Haviam testado sanguessugas, diversos feitiços, alguns tratamentos com ervas, e pouco parecia melhorar a saúde de Lázaro. Valéria gostaria de estar ao seu lado a todos os momentos, mas sempre tinham tarefas e mais tarefas a serem realizadas. Talvez pudesse pedir que algum conselheiro a substituísse, da mesma forma em que ela agora se ocupava dos deveres do Rei, mas sentia que seria desonrar seu cargo, a confiança posta nele.

Pensava no Lázaro de poucos meses antes, já com seu cabelo grisalho, mas sempre ativo, animado, de sorriso fácil. Faria de tudo para trazer aquele homem de volta, pelo menos por um pouco mais de tempo. Ao menos para que ele se despedisse da vida, de uma maneira mais adequada. Lázaro merecia.

Fazia tempo que não viajavam. Claro, eles iam para o palacete ao sul quando o inverno chegava, mas isso não contava, pelo menos a Rainha achava que não. Valéria tinha saudades de explorar as terras, conhecer os lugares dos quais tanto ouvia falar, e sabia que Lázaro sentia o mesmo. Na verdade, seu marido costumava se deliciar ainda mais com as viagens, provava comidas diferentes, bebidas novas, ficava tão emocionado ao vislumbrar algo que só havia visto antes em gravuras. Lázaro gostava de sair pelo seu reino. Valéria sabia que o marido gostaria de sair daquele castelo ainda mais uma vez. Talvez fosse por isso que dormisse tanto, tentava sonhar com outras cidades.

Se fosse eu, acho que gostaria de ficar no meu quarto, com todo meu conforto, e só ser mimada até o momento chegar. Comer tudo o que eu quero, a Rainha pensou. Não achava que teria forças de vontade para ficar horas em uma carruagem, se estivesse tão doente. Mas isso era ela. Acreditava que Lázaro seria diferente.

Ainda observando o Rei, e perdida em seus pensamentos, Valéria mal escutou a batida na porta. Ergueu o corpo ao ver Bardô se aproximar, o curandeiro tinha um sorriso no rosto e a Rainha não conseguiu evitar um aperto de esperança em seu coração.

— Boas notícias! — Bardô exclamou.

Sua voz despertou o Rei, que murmurou algo em resposta.

Valéria se levantou da cama, alerta.

— Diga! — falou, sem conter a animação de sua voz.

— Não é uma cura, infelizmente parece tarde demais para isso. — Bardô se aproximou da cama. Carregava uma bandeja contendo uma xícara de chá. — Eu enviei mensagens para mestres conhecidos por todos os cantos de Carstvo, a resposta de uma sacerdotisa de Ícarus acabou de chegar com uma caravana de mercadores.

Bardô ofereceu o chá ao Rei.

— É uma mistura bastante específica de ervas raras, uma delas parece só crescer na ilha, mas a sacerdotisa enviou uma boa quantidade. Não vai te curar, meu senhor, mas ela garante que irá amenizar os sintomas da doença, te deixar um pouco mais forte, e alongar por alguns sóis o seu tempo.

A Rainha suspirou, não era tudo o que esperava, mas trazia algum alívio. Talvez conseguisse pelo menos um adeus apropriado.

— Isso significaria que Lázaro conseguirá aproveitar seus últimos dias, certo? — ela perguntou.

Bardô assentiu, o curandeiro estava bastante animado, mas ainda havia um resquício de preocupação em seu olhar.

— Eu confio nas palavras da sacerdotisa Niliê, minha senhora, mas devo admitir que nunca utilizei das ervas e não posso dar minha garantia do resultado.

O Rei tomou o chá, fazendo careta pelo gosto amargo, e tossiu uma vez.

— Os elfos ainda estão aqui? — perguntou.

— Elfos? — Valéria não sabia do que o marido falava. O curandeiro também não, e ambos encararam Lázaro com olhar intrigado.

O Rei ergueu o corpo, com algum esforço, e conseguiu se sentar.

— Meu irmão tinha convidado elfos para visitar o palácio. Eles vieram da floresta? Sabe aquela? Eu sempre quis visitar.

A voz de Lázaro ainda soava fraca, mas a Rainha conseguia enxergar um novo brilho em seu olhar. Valéria sorriu, lembrava-se muito bem da tal floresta. Deveria ter mais de quinze anos desde que Lázaro tinha escutado uma descrição de Lannionad pela primeira vez. O Rei encantara-se com a ideia daquela vila, das construções em formato de flores e insetos, da árvore que era um palácio. Sonhava em viajar para a floresta, mas seus deveres nunca haviam o levado até lá — os elfos preferiam se manter isolados. E um Rei raramente pode se dar ao luxo de simplesmente ir visitar o local que deseja. Mas, agora, Valéria achava que o marido poderia fazer o que bem entendesse.

— Vou chamar as crianças. — A Rainha disse,ignorando, como sempre, que seus filhos já estavam muito mais perto de seremadultos.

Livro 1 - A Elfa, O Homem e a Ordem [completo]Where stories live. Discover now