Parte 22

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Ghrèin surgiu com um novo nome, o que significava que tal pessoa deveria desaparecer. Ara não estava mais disposta a assassinar qualquer um que seu líder mandasse, sua confiança em Ghrèin havia de esvaído. Mas também não poderia simplesmente ignorar sua tarefa. Tinha certeza de que sua palavra, uma afirmação de que havia assassinado o alvo, não era suficiente para Zaras e a Virtude. Alguém estava conferindo o resultado de suas missões, mas Ara não sabia quem, nem como.

Então tinha que sumir com seu novo alvo.

Dessa vez era uma mulher, humana, e não parecia ser maga. Nem todos da lista de Zaras eram feiticeiros, pelo visto. O novo alvo era uma mulher que de feitiços nada conhecia, e talvez por isso mesmo apresentava ainda maior perigo. Segundo as informações que Ghrèin havia lhe passado, a humana era treinada nas mesmas artes que a elfa, o que deixava qualquer tipo de trabalho furtivo bastante complexo.

O nome era Iolanda, e acreditava-se que estava escondida em um casebre no alto de uma cidade anã nas montanhas, chamada Fjörik. Ara ignorou este destino e seguiu para Udalea. Anluath foi junto, tendo inventado uma comemoração de aniversário de cento de onze verões de alguma amiga, companheira de muitos anos, a qual não poderia perder. Stiùireadh não gostou nada daquela história, mas não conseguiu arranjar motivos para impedir a ida do arqueiro. Tomando cuidado para não chamar atenção, Ara e Anluath pegaram seus cavalos e deixaram a floresta em momentos bem próximos um do outro, se encontrando na fronteira.

Em Lannuaine, toda a comunicação necessária havia sido o olhar de Ara, após receber o nome, e o comentário despretensioso de Anluath sobre como visitaria uma velha amiga em Udalea. Foi só depois de meio sol viajando que palavras expressas foram ditas.

— A Virtude tem muitos olhos, Ara. Seja lá quem for essa pessoa, ela não pode continuar onde está, andando por Talmhainn como se nada tivesse acontecido.

A elfa assentiu.

— Eu já tinha pensado nisso. Mas o lado bom é que ela já está tentando se esconder. Precisamos só escondê-la melhor.

Anluath suspirou. Era esse o problema, a parte do melhor.

— Eu não tenho muitas ideias. Não é como se pudéssemos levá-la para Lannuaine.

— Por isso vamos até Maguí, não? — Ara perguntou.

O elfo concordou, fazendo um movimento com a cabeça. Não conhecia ninguém melhor para o trabalho, e por isso dirigiam-se à taverna do Corvo Branco.

A viagem não demorava muito, Udalea ficava a menos de dois sóis a cavalo de Lannuaine, e logo Ara e Anluath entravam na construção de madeira bem cuidada, cheirando a cerveja e carne assada, cheia de humanos, goblins, e todo tipo de criatura que se possa imaginar.

Não havia sinal da mulher que Ara havia conhecido em sua última ida à cidade, mas Maguí estava por ali em algum lugar. Anluath torceu o nariz, reconhecendo o adocicado do perfume floral.

— E o jogo é: qual desses bêbados maltrapilhos é na verdade uma mulher bastante sóbria?

Ara riu, perguntou:

— O perfume?

O arqueiro assentiu, em confirmação.

— Por que ela insiste em usar o mesmo perfume quando se disfarça, isso não atrapalha?

Os lábios de Anluath se torceram em um leve sorriso, mas o arqueiro não respondeu de imediato. Ara parou no meio do salão e olhou ao redor. Não havia ninguém óbvio para escolher, nenhum andarilho sozinho, sentado na mesa do canto e cobrindo o rosto com seu capuz. Era uma banda que tocava, não um só músico de habilidades duvidosas. Cada mesa ocupada tinha entre três e cinco seres, vários conversando animadamente, como se fossem conhecidos há anos. Um grupo de anões vestidos com armaduras surradas gritava em um canto, bebendo montes, parecendo comemorar algum feito. Um meio-orc e um draconato apostavam queda de braço em uma mesa, com uma torcida de humanos e goblins em volta. Outra mesa tinha cinco das pequenas criaturas esverdeadas, uns sentados nas cadeiras, outro de pé em cima da mesa, contando alguma história elaborada. Ara não tinha a menor ideia de onde a humana poderia estar, então fechou os olhos e se concentrou nos cheiros. Eram muitos, o azedo de cerveja caída no chão, o amargo de cerveja nova e saborosa sendo servida, linguiças, a carne assando, o suor de aventureiros, cheiros de terra, de plantas e bosta de cavalo, que trouxeram consigo e, disfarçado no meio de tudo, o adocicado de jasmim. Ara franziu o cenho, tentando identificar a direção de onde vinha o perfume.

— Maguí gosta de se divertir. — Anluath disse, com a voz mais alta do que o costume, com a intenção de que a humana também escutasse. — Ela não disfarça o cheiro, por que se não seria praticamente impossível encontrá-la. E ser boa demais não tem graça. Não é, amiga?

Ele não falava com ninguém em específico. Não ainda. Com os braços apoiados na cintura, analisava o salão. Quase ninguém deu atenção ao elfo, mas pôde descartar a possibilidade de Maguí ser qualquer um dos poucos que lhe observaram. Ela não faria nada do gênero. Anluth semicerrou os olhos, concentrou-se, então abriu um largo sorriso e andou em direção ao balcão da taverna.

— O que foi, conseguiu? — Ara perguntou, seguindo o amigo.

— Eu disse que ela gosta de se divertir. — foi a resposta do elfo.

Anluath pediu três canecos de cerveja escura no balcão, entregou uma para Ara e caminhou em passos decididos até a mesa onde o goblin explicava para os companheiros como ele havia terminado sua aventura viajando por dias no meio de um comboio humano, sem ser notado, até chegar à Udalea.

— Meu caro! Faz tempo que não o avisto por estas montanhas. — O elfo falou, colocou as canecas em cima da mesma mesa onde o goblin se apresetava, buscou a mão do pequeno ser e a apertou com entusiasmo. — Já encheu os ouvidos destes colegas com suas lorotas? Que tal nos acompanhar em nossa mesa, dividir suas aventuras também conosco? — ele perguntou, agora oferecendo uma das canecas ao goblin, que sorriu, mostrando malicioso seus dentes pontudos.

— Tenho histórias para todos! — o goblin disse, e, para seus companheiros — Esse aqui é um velho conhecido que merece minha atenção. Quem sabe não conversamos mais ainda mais tarde?

Com isso, saltou da mesa, demonstrando uma destreza impressionante ao não derrubar um gole sequer de sua cerveja no caminho. Guiou os elfos para uma mesa ao canto, com seus passos curtos e rápidos.

— O que é? Veio me repreender por recrutar sua amiga? — o ser esverdeado perguntou, com a voz esganiçada. Quase esvaziou o caneco com um gole.

Ara achou graça. Perguntava-se como Maguí conseguia ficar tão pequena, e concluiu que alguma coisa de magia deveria estar acontecendo. Agora que estavam próximas, o cheiro de jasmim era ainda mais evidente. Um goblin cheiroso. Ela riu consigo mesma.

— Essa aqui era minha aluna, tá? — Anluath disse. — E é sim nova demais pra você começar com suas artimanhas. Mas Ara não é uma elfa qualquer, então vou deixar passar. Não é por isso que vim, Maguí.

Ele fez uma pausa, calculando suas próximas palavras. Por fim, falou:

— Precisamos de sua ajuda. E você me deve um favor! Sabe disso.

O goblin deu uma risada.

— Te devo meio favor.

— Meio favor, e uma oportunidade para iniciar Ara. Acho que podemos chegar à um acordo.

O goblin não respondeu de imediato. Terminou sua cerveja com um segundo gole, os observou por um longo momento, e depois disse:

— Estou escutando.

Livro 1 - A Elfa, O Homem e a Ordem [completo]Where stories live. Discover now