Capítulo VI - Novos Horizontes [Parte 21]

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Lannionad não era tão grande quanto Cáhida, e Lúchairt com certeza perdia em muito para o palácio real no quesito tamanho, mas, ainda assim, havia bastante para ver. Por mais que humanos e elfos fossem relativamente parecidos em aparência — se comparado com o restante das raças — seus hábitos e estilo de vida tinham uma diferença considerável. Lázaro estava extasiado, divertia-se em explorar os cantos de Lannionad. Em seu primeiro sol na vila tinha visitado, acompanhado da família, as famosas moradias élficas, cada uma com sua peculiaridade. Tinha escutado tanto daquelas construções na sua infância, ansiava em vê-las, e os elfos ficaram felizes em apresentá-las.

Havia virado motivo de competição até, qual casa era mais impressionante, na opinião dos humanos. Os elfos não paravam de questionar seus visitantes, qual seria a favorita? A colmeia, a dália, o lírio? Lázaro tinha afirmado, para a satisfação dos Onair, ter se encantado com a casa esculpida como uma serpente, que circulava o tronco de uma árvore. A Rainha tinha se apaixonado pelas flores, e os irmãos, em uma gigantesca raridade, tinham concordado que a preferida era a moradia em formato de lagarta, construída com vidro colorido.

Ao longo dos sóis seguintes, a família real assistiu cantorias, testemunhou os guerreiros em treinamento, e visitou os muitos cantos de Lúchairt.

O Rei estava feliz.

A Rainha não parava de sorrir.

O príncipe e a princesa cessaram com as brigas.

Lázaro continuava com uma tosse forte, mas conseguia andar, conversar, comer. Não sentia a doença que lhe acometia, por mais que tal mal permanecesse esgueirando. O Rei ainda tinha certas coisas a resolver, mesmo que poucas. Desde que ficara de cama, Valéria cuidava dos assuntos reais, respondia as cartas, lidava com os pedidos, organizava o que precisava ser organizado. Lázaro concentrava-se em aproveitar os últimos dias, mas uma preocupação não deixava sua mente.

Havia esperado o momento em que encontraria a filha sozinha e, durante um pôr do sol, encontrou-a só, sentada em uma das praças elevadas dos elfos. A princesa lia um volume que Lázaro não reconheceu, e imaginou que tivesse conseguido emprestado com algum de seus anfitriões. Tinham poucos livros na cidade, já que os habitantes preferiam a música, mas Raquel tinha talento em encontrar a literatura onde quer que estivesse.

O Rei sentou-se ao lado da filha, envolvendo-a com o braço esquerdo. Ela sorriu para o pai, sem dizer nada, e voltou sua atenção à história que lia.

— E então? Já está se acostumando com a ideia de reinar?

Raquel riu, olhou para o pai com olhos semicerrados, e apenas balançou a cabeça em negativa.

— Sua mãe pode ajudar. — Lázaro disse. Sorrindo, continuou — ela faz o trabalho melhor do que eu.

— Ela pode fazer todo o trabalho. — a princesa falou. — Enquanto eu aprendo, pelo menos.

Lázaro achou graça.

— Querida, o que você acha que estivemos te ensinando toda sua vida? Você cresceu sendo ensinada a ser rainha. Eu sei que você é capaz, o que quero saber é, está feliz com esse destino?

Raquel não respondeu de imediato, seu olhar se perdeu por entre as árvores, iluminadas em um lindo colorido de crepúsculo. Tochas começavam a ser acesas, vagalumes começavam a brilhar mais forte ao seu redor.

— Fico nervosa. Só isso. — falou, enfim.

— Bom, como primogênita é você quem herda o título real, e eu gostaria que fosse você a me substituir, mas detesto pensar que isso possa te fazer infeliz, filha. Leonel também foi ensinado, e tradições já foram quebradas antes.

A princesa encarou o pai, olhos arregalados, a boca entreaberta. Seja lá o que a perturbasse com a perspectiva de se tornar rainha, nunca, em momento algum, tinha considerado repassar a coroa ao irmão.

— Leonel não é o herdeiro. — ela disse, temor cruzou seus olhos por um instante, incerta do que seu pai estava tentando lhe dizer.

— Eu sei que não. E, com toda sinceridade, amo meu filho, mas não gostaria que ele governasse. — Lázaro falou, e pôde enxergar o alívio de Raquel em ouvir aquilo. — Só tem uma coisa que me preocupa mais do que Leonel como Rei, minha querida, e isso é a sua infelicidade. Afinal, mesmo que seu irmão tivesse a coroa, confio em você para não deixá-lo fazer muitas besteiras e cair na ladainha de seu tio. Só quero que me diga, filha: você quer ser rainha?

Raquel nunca havia considerado qualquer outra possibilidade. Nunca havia lhe parecido uma questão de vontade, mas apenas de dever, de destino, obrigação. Era o que o pai dissera, tinha sido criada para aquilo. Todos os momentos de sua educação, na infância, foram direcionados para que se tornasse uma boa líder. Reinar não tinha sido lhe apresentado como opção.

— Eu acho que sim — a princesa disse, tentando buscar em seus sentimentos a resposta sincera. Observou a praça elevada, parando para assistir ao seu irmão, que chegava conversando com dois elfos, os três com taças de vinho na mão. — Eu quero fazer isso.

Seu irmão. Tinha um bom coração, ela sabia disso, mas era tão facilmente influenciado por tudo e todos ao seu redor. Coberto de preconceitos e intolerâncias, pelo tanto que dava ouvidos a seu tio. Olhando para Leonel naquele momento, porém, era difícil de acreditar. Tinha se apaixonado pela cidade dos elfos e por seus habitantes. Passava o dia conversando e escutando as músicas, estava alegre. Esse era o Leonel que Raquel se lembrava de sua infância, o irmão que amava. Mas havia outro, aquele que acreditava na superioridade dos humanos, e esse não poderia liderar um reino.

E afinal, confraternizar com elfos era fácil, até mesmo Zaras não tinha tantos problemas com eles. Esses seres mágicos emanam tamanha força e magia, era difícil até para o mais convencidos dos humanos dizer que um elfo era seu inferior. Raquel duvidava que Leonel se comportasse da mesma forma em uma vila de gnomos, que ao certo teria tanta cantoria e bebida quanto Lannionad. Ela amava o irmão, mas não confiava nele.

— É minha responsabilidade. — Raquel afirmou.

Lázaro não sorriu, franziu o cenho, pensativo. Não era a resposta que queria, e a princesa logo compreendeu.

— E é o que quero fazer. Ficarei feliz, pai. — ela continuou. Talvez fosse verdade, Raquel só não sabia dizer, ainda. Mas não uma mentira, não por completo, e não faria nenhum mal em tranquilizar seu pai.

Funcionou, o Rei abriu um sorriso enorme com aquelas palavras. Ergueu o corpo como se um peso houvesse sido levantado de suas costas.

— Ótimo, querida! Mais um motivo para festejarmos com as estrelas! — ele disse, abraçando-a.

O sol se escondia, e a praça suspensa começava a se encher. Elfos chegavam por todos os lados, carregando comida e bebida, e já trazendo suas músicas. Cantavam todas as luas, mas aquela seria acompanhada de um banquete, já que Rainha e príncipe voltavam para a cidade real. Era uma decisão difícil, Valéria não queria se afastar de seu marido nos seus dias finais, mas deveres a aguardavam em Cáhida. Raquel se perguntava como caberiam todos na praça, mas os elfos não pareciam estar preocupados. Sua mãe chegou, o irmão se aproximou, e família reunida assistiu à cantoria.

Raquel reconheceu a guerreira de cabelos azuis chegando com um elfo vestido em um avental, que carregava um bolo nas mãos, decorado com diversos morangos. Viu o Duque Ghrèin chegar com filho e esposa, conversaram por pouco tempo. Não tivera contato com o Duque, que estava sempre ocupado. A guarda real humana também chegou, e os poucos que continuariam na floresta, sem uma noite de cavalgada em seu futuro breve, bem aproveitaram a comida, o vinho e o hidromel. Raquel também reconheceu elfos que haviam lhes mostrado suas casas, uns que haviam participado de um pequeno torneio de lutas com espadas, mais outros que haviam lhe contado histórias sobre a floresta.

Levantou-se e, junto de seus pais e irmão, ficou no centro da festa, conversando, rindo, cantando. Foi um bom momento, relaxante, e a família real teve sorte de ter criado essa memória, pois aquela lua seria a última que passariam todos juntos.

Com o nascer do sol seguinte, Lázaro e Raquel assistiram a carruagem levar Valéria e Leonel para longe, para fora da floresta.

Era um adeus. 

Livro 1 - A Elfa, O Homem e a Ordem [completo]Where stories live. Discover now