Parte 03

75 9 5
                                    

Blath corria de um lado para o outro do palácio de Lùchairt com mais liberdade do que deveria. Os elfos que trabalhavam na grande árvore precisavam se conter para não reclamar diariamente com Ghrèin sobre seu filho, que surgia do nada, e a toda velocidade, quase derrubando uma elfa levando potes de cereal, ou quase caindo por cima de uma carreta carregada com barris de vinho. Blath, por mais irritante que fosse, era uma criança ágil, e costumava se salvar dos encontrões no último segundo. Não causava muito dano, mas a toda hora deixava algum elfo desconcertado.

De pouco adiantava se queixar com Ghrèin, não que ele se recusasse a agir ou algo do gênero, mas sim por que já tinha bastante consciência dos hábitos de seu filho e era um dos que mais se irritava. Não era incomum escutar um grito dentro do palácio, seguido por um sermão de Ghrèin, vermelho de raiva, após Blath entrar correndo em seus aposentos, tropeçar em si mesmo e quase destruir uma tapeçaria que agarrou durante a queda. Mas, normalmente, era apenas a ameaça de causar um estrago. Nos seus setenta e cinco anos de vida, Blath só havia realmente quebrado uma garrafa de hidromel por entrar correndo em algum ambiente. No caso, tinha sido a sala de leitura de seu pai, e a garrafa continha um hidromel especial que havia sido presenteado à Ghrèin por Perin Ilphelkiir. Ghrèin tinha feito o filho carregar consigo três grandes sacos de farinha toda vez que saía de um cômodo a outro, por três dias inteiros, em uma tentativa de diminuir a velocidade de Blath. Os resultados foram pouco satisfatórios.

Depois de alguns anos, aqueles que frequentavam ou moravam em Lùchairt tinham se acostumado aos sustos diários que o filho de seu líder lhes causava, e foi com certa estranheza que notaram, nos dias que seguiram o velório, que Blath caminhava vagarosamente pelo palácio. Arrastava os pés, seus passos pareciam lentos até mesmo se comparado com o andar normal de um elfo. Encarava o chão e o longo cabelo preto azulado escondia seu rosto, sem disfarçar sua expressão triste.

Foi assim que entrou na grande cozinha do palácio e largou o corpo em uma cadeira alta, de madeira escura, próxima ao balcão onde um elfo cortava legumes. A cozinha ficava no espaço oco mais baixo de toda a árvore, o que fazia com que os deliciosos odores das sopas de cebola, tortas de carne ou dos bolos com calda de morango alcançassem muitos dos outros cômodos. Uma grande rampa a conectava com o solo da floresta e, por lá, elfos entravam arrastando carretas com barris de vinho, caixas com verduras e legumes, ovos, ou até mesmo animais, já abatidos, para serem preparados para refeições. Outros produtos chegavam naquela mesma abertura de uma maneira diferente, em um grande cesto de palha, preso a uma roldana lá no topo da árvore, que trazia sacos de fruta ou garrafas de hidromel, os produtos preparados nos níveis mais altos da cidade. Os elfos içavam o cesto até as elevadas pontes, colocavam ali o que era destinado à cozinha, e o desciam de volta. O cesto batia em um sino de vento quando chegava lá embaixo, assim os cozinheiros sabiam que teriam algo para recolher.

O ambiente estava sempre colorido, um grande número de caixas era empilhado no canto, com cenouras, berinjelas, alface e rúcula, maçãs, laranjas, limão, e todo o tipo de alimento. Em outra ponta, uma mesa era usada para o tratamento dos animais, e havia sempre algum pendurado por ali, um porco ou cordeiro, fora o balde cheio de peixes frescos, que era trazido por pescadores todos os dias. Aquela cozinha não alimentava só os moradores de Lúchairt, mas também uma grande parte do vilarejo. Os guerreiros, guardas, mercadores que lidavam com estranhos que não viviam na floresta. Todos os que não tinham tempo para preparar sua própria comida se alimentavam no palácio, então havia sempre elfos cozinhando na grande árvore.

Dìon era um desses, e um dos melhores. Sempre que cozinhava atraía alguém curioso, que havia sentido o cheiro a distância e queria ver o que era preparado. Sua torta de maçã deixava elfos com água na boca por Lúchairt inteira, geralmente precisava assar umas cinco por vez. Na tarde em que Blath sentou-se ao seu lado, picava cebola roxa e queijo para rechear uma torta. Dìon nada disse quando o jovem chegou, sabia que falaria em seu próprio tempo. Blath tinha sofrido com a morte dos três guerreiros quase tanto quanto seus familiares, era próximo de todos, por crescer no castelo. Não só por isso, era amigo de Ara desde que se recordava, e nutria um carinho especial por Dìon e Lórien. Blath sentia que havia perdido uma tia, sangue de seu sangue.

Livro 1 - A Elfa, O Homem e a Ordem [completo]Where stories live. Discover now