No inverno, muitos dos habitantes de Cáhida deixam a cidade real em busca de um clima mais ameno. O Rei, junto da Rainha e de sua filha, fez o que fazia todo ano e foi para a vila litorânea de Eledora, ao sul, onde tinham outro palácio.
Leonel ficou para trás. Gostava de Cáhida no inverno, sentia-se em alguma das histórias que sua mãe lhe contava quando pequeno, sobre feiticeiros, gigantes e dragões. A cidade parecia mais mágica quando coberta de neve, as casas sumiam por debaixo do tapete de branco, e as torres do palácio, com suas pedras rosadas, dominavam a paisagem. Os telhados, feitos de vidro em diferentes tons de verde, coloriam a neve com seus reflexos iluminados. No horizonte, tudo o que podia ver ao redor eram montanhas e mais montanhas cobertas de neve e uma fraca neblina. Leonel sentia-se isolado em uma terra distante. Em outras circunstâncias, Càhida era um dos lugares mais desprovidos de magia de todo o reino. No inverno, ela cintilava de uma forma que não poderia ser natural.
O príncipe sentava-se na varanda de seus aposentos, aconchegado em uma enorme capa de pele, bebericando vinho quente com gosto acentuado de canela. Distraía-se assistindo os flocos de neve dançando e perguntava-se o quão diferente seria sua vida se tivesse nascido em outro lugar, em uma vila habitada por criaturas místicas e misteriosas. Os humanos eram entediantes. Observava as montanhas ao longe e criava contos sobre gigantes e outros monstros em sua mente.
— Quando você era pequeno, vivia pedindo para conhecer as montanhas.
Zaras, seu tio, havia entrado no quarto sem se anunciar.
Leonel sobressaltou-se, ajeitou o corpo na cadeira para encarar o tio.
— E eu fugi e fiquei perdido lá por dois dias. — o olhar do jovem se perdeu novamente na paisagem. — Foi desesperador.
Também tinha sido uma das experiências mais libertadoras e excitantes de sua vida, até o momento em que sua comida acabou e a noite caiu. Começara com a maldita história dos ritos de passagens de jovens anões, de como passavam dias sozinhos pelas montanhas. Havia discutido tanto com Raquel que a irmã o convencera de que não havia grandes riscos, para uma criança treinada. E eu fui idiota e achei que minhas aulas de esgrima me tornavam pronto para o mundo, refletiu.
Zaras ocupou outra cadeira na varanda e serviu-se do vinho quente que estava em uma jarra, sobre uma mesa baixa no centro. Era anos mais novo que o Rei e bastante diferente em sua aparência física, com sua figura mais longilínea. Estava sempre vestido com uma túnica colorida, seus cabelos eram escuros e poucos fios cinzentos começavam a aparecer. Os olhos eram claros e atentos, o nariz pontudo, e os lábios finos carregavam um sorriso torto e sarcástico. Não era uma pessoa de aparência agradável, ou simpática, mas havia um charme incompreensível quando discursava. Leonel enxergava por além de tudo isso, e via no tio um homem capaz e inteligentíssimo.
— Nós o encontramos tremendo, assustado, escondido por entre arbustos. Você demorou três dias para voltar a falar. — Zaras rememorou.
Leonel ergueu as sobrancelhas e torceu os lábios. Não se lembrava daquele detalhe.
— Ainda culpo Raquel, com aquela história toda dos anões. — disse, tentando fazer graça.
Zaras sorriu e balançou a cabeça.
— Raquel pensa demais como seus avós.
— Ela parece esquecer que nossa família foi escolhida com um objetivo em mente.
— A questão é sobre qual objetivo estamos falando, meu caro. — Zaras brincava com o copo de vinho em sua mão, movimentando a bebida de um lado para o outro. Não tomou muitos goles, não gostava tanto de vinho quente, considerava doce demais. — Nossa família tem a missão de comandar, ou de apenas guiar os povos?
Uma brisa forte passou de repente, Leonel estremeceu com o frio, mas não se importou. Em verdade, abriu um sorriso, como se o vento fosse um abraço de um amigo que não via há tempo.
— De nada adianta guiá-los se não escutam nossos conselhos. — comentou, um tanto no automático e sem atentar às próprias palavras. Terminou o vinho de sua taça com um grande gole e bocejou.
— Bom, quando você for rei pode garantir que suas ordens sejam executadas.
Leonel gargalhou, e serviu-se de mais vinho.
— Tio! Eu nunca vou ser rei. Raquel vai viver cinquenta anos a mais do que todos nós, do jeito que é teimosa. Vai convencer a Morte a não levá-la. Eu nem sonho com essa possibilidade.
Zaras deu de ombros.
— Nunca se sabe. Vai ver ela se apaixona por um anão e resolve se mudar para uma montanha isolada.
— Parece até que você não conhece minha irmã. — Leonel falou. Continuava a rir, de tão louca que era a ideia. Raquel, se isolando em uma cidade com seu marido, em vez de assumir o trono. Não aconteceria nunca.
— Verdade, talvez não. Mas não faz mal sonhar.
— Você fica pensando no que faria se tivesse nascido primeiro?
O sorriso torto voltou ao rosto do homem.
— Eu ficava. Agora eu tenho a Virtude, então algumas das coisas eu posso fazer.
— Ah, sim. — Leonel disse, sem acreditar muito.
O tio falava de seu grupo religioso, uma organização que funcionava a base de doações e tentava devolver um pouco para a população. Leonel não acreditava que a Virtude tivesse poder para grandes mudanças, tinha a sensação de que tudo o que faziam era se reunir para banquetes, discutir inutilidades sobre a religião e depois dar o dinheiro que não foi embora com comida e bebida para alguma igreja. Deixavam que os padres fizessem o trabalho comunitário e auxiliasse os necessitados.
Zaras ignorou a ironia na voz do sobrinho, apenas colocou seu copo quase cheio na mesa e se levantou.
— Se não nascemos com poder, podemos criá-lo, Leonel. Pense nisso.
Leonel bufou, mas não respondeu. Quando o tiodeixou o quarto, sua mente já havia retornado para as monstruosidadesescondidas em profundas cavernas das montanhas geladas.
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Livro 1 - A Elfa, O Homem e a Ordem [completo]
FantasyLannuaine é um nome bastante conhecido pelos elfos de todo o reino. É mais antigo que o reinado dos homens, que as guerras e a posterior paz entre raças. Desde o início, desde que navios vieram do sul, sempre houveram elfos na floresta de Lannuaine...