Capítulo VIII - Não Há Mais Lar [Parte 28]

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A Rainha ergueu o corpo, desfazendo o abraço, e estendeu as mãos aos filhos. Os três caminharam juntos, abrindo espaço por entre a procissão, até estarem logo atrás dos padres que levavam Lázaro. Seguiram, circundando o palácio. Um canto se reiniciou, e logo estavam de frente à capela.

Não entraram na pequena construção, os padres abaixaram a cama fúnebre bem em frente, aos pés de dois homens: Zaras e outro religioso, de roupas mais suntuosas, carregando um livro sagrado. Valéria, Leonel e Raquel se posicionaram ao lado do cunhado e tio, e o religioso começou a falar. Nenhum dos três escutou com muita atenção, eram as mesmas palavras sempre usadas em funerais.

Valéria se preocupou em observar por uma última vez o rosto de seu amado, tomando cuidado para decorar cada traço, absorver de novo todos os detalhes que já estavam marcados em seu coração. Raquel tentou se recordar de bons momentos vividos ao lado do pai, pensou nele sentado em uma poltrona da biblioteca, contando histórias quando ela era pequena, lembrou-se dos banquetes, de como ele ria e se divertia com o falatório, e também de cavalgadas, do sorriso de Lázaro com a liberdade de galopar em campo aberto. A princesa desejou com todo seu ser que realmente houvesse um paraíso, onde seu pai poderia fazer todas essas coisas para sempre. Leonel, no entanto, estava horrorizado. Olhava do corpo do pai para o tio, e tremia.

Ainda outro alguém ignorava por completo a fala do religioso. Anluath, de pé poucas atrás de poucas fileiras de humanos, tinha a mente distante. Não lhe agradara nem um pouco deixar Lannuaine, Ara ainda não havia retornado — ao menos ele não tomou conhecimento de seu retorno — e qualquer coisa poderia ter acontecido com os planos da jovem elfa. Estava preocupado, mas recebera as ordens e tivera de deixar a floresta. Quase se arrependeu de ter passado tanto tempo com o rei e princesa, caso contrário, não estaria ali. Para piorar, como representante de Ghrèin, deveria esperar o fim de todas as cerimônias antes que pudesse retornar. Adquirira grande respeito por Lázaro no tempo que o rei havia passado em Lannionad, gostava de poder mostrar seu respeito, mas também preocupava-se com a amiga.

Foi com certa irritação que Anluath percebeu Blath se aproximando, acenando para ele. Afinal, se o filho do líder de Lannuaine planejava vir para o funeral, o que Anluath estava fazendo ali? Era um guerreiro, e relevante, mas não era um diplomata.

— Olá, Blath. — Anluath disse, quando o companheiro chegou perto o suficiente para ouvir um cumprimento em voz baixa.

Blath apenas assentiu, posicionando-se ao lado do arqueiro e mantendo a expressão carregada. Anluath estranhou a reação, não sabia que o jovem elfo sentiria tanto a morte do rei.

Depois de um tempo de falação do religioso, Blath disse:

— Já que não comentou nada, imagino que não saiba sobre nossa amiga. — a última palavra veio carregada de tanto veneno, que só poderia significar o oposto de seu sentido literal.

Anluath ergueu as sobrancelhas, incentivando Blath à continuar.

— Ara foi presa.

— O quê?! — o arqueiro mal conseguiu conter o volume da voz, algumas das pessoas ao seu lado lançaram olhares de reprovação.

Blath virou-se em direção à Anluath, encarando-o.

— Ara tentou envenenar meu pai, mas ele percebeu que o vinho estava estranho e não tomou. — Blath contou.

Anluath sentiu o corpo todo petrificar, esforçou-se ao máximo para nada transparecer em seu rosto. Sabia que era mentira, jamais acreditaria em tal acusação e soube que o mesmo seria verdade para Blath, não fosse seu pai a inventar aquilo. Compreendeu também que não poderia questionar o que o filho do líder lhe dizia. Não sem sofrer consequências similares. Era um recado cujo mensageiro sequer tinha consciência: este seria o tratamento dado àqueles que opusessem Ghrèin.

— Quando aconteceu? — o arqueiro conseguiu perguntar, com a voz controlada, demonstrando mero interesse.

— Faz três sóis. O julgamento será daqui a dois.

Então é uma mentira das mais descaradas, Anluath pensou. Fora o mesmo dia em que o Rei havia morrido e Ara não havia retornado para a floresta ainda. Mesmo que tivesse chegado, sua amiga não faria nada do gênero de forma tão precipitada e sem, no mínimo, pedir sua ajuda ou conselho.

Compreendendo que teria pouco tempo para retornar à Lannuaine, Anluath virou as costas, pronto para deixar aquele palácio e sair correndo daquela cidade. Blath segurou seu braço.

— Aonde você vai? — o jovem perguntou, o cenho franzido.

— Ara foi minha aluna. É minha amiga, e vou vê-la antes que seja morta. — o arqueiro disse, o tom grave, apesar do rosto ainda impassível. Retirou o braço da mão de Blath com um puxão.

Blath bufou.

— Ela não merece sua amizade. — disse, a voz baixa, porém forte.

Anluath se afastou dois passos, olhou fundo nos olhos do jovem elfo antes de partir, e disse:

— Talvez você que não mereça a dela.

Blath, tremendo de raiva, se viu sem ideia de como reagir, e apenas assistiu enquanto o arqueiro sumia por entre a multidão de humanos vestidos de negro. 

Livro 1 - A Elfa, O Homem e a Ordem [completo]Where stories live. Discover now