6.2

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Acordei na manhã seguinte me sentindo estranho.

Um estranho bom. Eu acho.

Eu não sabia identificar aquela sensação enquanto permanecia sentado no trambolho de sofá-cama, olhando bobamente para o corpo jogado de Melissa na cama de casal. Era como se eu tivesse dormido por semanas, apesar de estar acordando no meu horário usual.

Esfreguei os olhos, sonolento, sentindo-me ineditamente descansado. Aquilo era novo. Eu gostei da novidade.

Só consegui acordar por completo depois de uma chuveirada, mal reconhecendo os traços inchados no reflexo do espelho do banheiro. Curioso, voltei para o quarto para encarar Melissa entre os lençóis à medida em que abria o armário e pegava qualquer roupa.

Ela ocupava a cama inteira, atravessada entre as cobertas. Seus cabelos vermelhos caíam pelo rosto e os lábios estavam partidos. Se eu me concentrasse, conseguia ouvir um ronco baixo escapando por sua boca. 

Apertei os lábios para não rir, aparentemente eu não fui o único a ter uma boa noite de sono. Só esperava que ela não babasse no meu travesseiro.

Distraído, desenrolei a toalha do quadril e esfreguei meus cabelos, continuando a olhá-la, buscando entender o efeito Melissa. Se acordada ela me trazia caos, dormindo Mel tinha sido uma fonte curiosa de paz.

Melissa resmungou sonolenta e eu me virei para o armário, procurando uma boxer para vestir, ciente que estava quebrando sua regra sobre nudez.

Eu estava passando a cueca entre as pernas quando ouvi um engasgo atrás de mim.

Harry!

Mordi o sorriso moleque e coloquei a boxer no lugar, ciente que Mel teve uma bela visão da minha bunda. Era o meu jeito de agradecer pela noite tranquila.

— Bom dia, Mel.

— Você está quebrando a regra número quatro! – sua voz estava abafada. Quando me virei, encontrei seu rosto coberto pelo lençol.

— Você não estava consciente, então não conta.

Vesti a bermuda e regata de corrida, sentindo-me estúpido por me dar conta que teria que tomar outro banho depois de correr. Mas não era como se meu cérebro estivesse funcionando corretamente, eu estava desacostumado a me sentir tão relaxado.

Quando peguei um par de meias e me sentei na beirada da cama para colocá-las, senti os olhos de Mel de volta ao meu rosto.

— Você está quebrando as regras... – censurou.

Apesar de resmungona, seu tom estava diferente. A ruivinha continuava marrenta, mas parecia brincalhona. Mais leve, de alguma forma.

— Eu só estava trocando de roupa, não esperava que você acordasse... O galo ainda não cantou – fui sincero, espiando-a pelo ombro.

Mel apertou os olhos para mim, suspeita, mas não demorou a ceder em um suspiro. 

— Eu vou deixar passar dessa vez – espreguiçou-se, deitando-se de lado para me assistir calçando os tênis. Ergui sutilmente as sobrancelhas, conhecendo-a o bastante para saber que ela era mandona o suficiente para adicionar algum aviso. — Mas espero que não aconteça de novo.

Ri e mordisquei o lábio inferior, adorando estar certo.

— É o mínimo que eu mereço depois de passar a noite naquele trambolho e ainda ter que ouvir você roncar a madrugada toda.

— Eu não ronco! – abriu a boca, mortificada.

— Como você pode saber? Estava dormindo – provoquei, começando a fazer o laço do cadarço.

Ela riu contidamente e balançou a cabeça, desacreditada.

Enquanto eu amarrava os tênis, senti o calor dos seus olhos em mim, analisando cada detalhe. Eu quase podia sentir o caminho do seu olhar nos meus cabelos, olhos, nariz, maxilar, boca, pescoço...

Se eu fosse tímido, estaria vermelho com aquele estudo descarado. Mas como era um cafajeste, apenas abri um sorriso convencido.

— É feio encarar.

— Eu não estava encarando! – mentiu.

Terminei o que estava fazendo e permaneci sentado ao seu lado, pousando os olhos nela.

— É feio mentir, também.

Mel ajeitou a cabeça no travesseiro e deu de ombros.

— Tanto faz, você está na minha cama. Posso te olhar se eu quiser.

Sua cama? – arqueei as sobrancelhas. — Já está chamando a cama de sua depois de uma noite... – estalei os lábios e me levantei, ajeitando os cabelos com as mãos. — Temos que trabalhar no seu jeito possessivo, Mel. Pode atrapalhar as coisas entre a gente quando começarmos a transar.

— Você está abusando, acabou de quebrar a regra número um – respirou fundo, fitando-me com uma estranha calma enquanto citava a regra "nada de provocações". — Se continuar assim, terei que pensar em punições.

Meu sorriso aumentou sem a minha autorização.

— Você parece diferente – observei.

Era quase como se ela estivesse me provocando de volta. Brincando comigo, relaxada pela primeira vez na vida.

Visivelmente incomodada, Mel franziu o cenho.

— Bom, você também parece diferente – apontou, defensiva.

No mesmo instante, eu soube que ela era como eu. Odiava ser analisada, descoberta. Melissa também se escondia atrás de uma máscara, e aquilo era tentador o suficiente para chamar a minha atenção. Para me fazer notar que ela não era a mesma desde que deixou de usar aquela correntinha dourada.

Buscando disfarçar e amenizar o clima misterioso que surgiu entre nós, Mel coçou a garganta e voltou a falar.

— Boa corrida, mas cuidado com as poças de lama... Ouvi dizer que são traiçoeiras – tentou brincar, mas ela não estava tão natural quanto antes.

Assenti e fui até a porta. Quando toquei na maçaneta, algo me fez parar.

— Quer vir comigo? – ouvi-me convidando.

Mel arregalou os olhos, surpresa.

Eu também não me entendi. A corrida era o meu momento sagrado do dia, quando eu me desprendia, era eu mesmo... O cara quebrado por trás do personagem.

Talvez fosse isso. Talvez eu esperasse que Mel também se libertasse naquele momento. Comigo. E eu finalmente conseguiria conhecê-la.

— Eu vou mais tarde – dispensou, incerta. — Ainda tenho uma hora antes que aquele galo acabe com a minha paz. E isso me lembra... O que você acha de galo assado para o almoço? — abriu um sorriso malicioso. 

Balancei a cabeça e ri da sua tentativa de se livrar do galo, abrindo a porta do quarto para sair. 

— Nem pense nisso. 

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Fuck Me [HS]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora