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 Pietra, que dera carona para Sophia do Days Inn até o aeroporto, esperava pela garota no estacionamento em frente ao saguão. Sentava-se ao volante de sua Toyota Corolla, o motor do veículo ligado e rugindo baixo, um barulho que soava tão impaciente quanto ela própria. Sophia saiu pelas portas automáticas e caminhou até o carro, franzindo os olhos diante do sol forte daquela manhã. Tinha a pasta que Lou Campbell lhe dera metida debaixo do braço direito. Quando Pietra a viu, começou a buzinar sem parar.

- Pra quê a serenata? – perguntou Sophia ao abrir a porta do carona.

- Você disse que não ia demorar – Pietra a fitava com curiosidade enquanto Sophia se acomodava no banco ao seu lado. – E então? Como foi?

- Bom, ele prometeu nunca mais tentar me eletrocutar até a morte.

- Que doce da parte dele.

- Uhum. De maneira geral, eu diria que a conversa foi bastante produtiva.

- E o que é isso aí?

Pietra apontou para a pasta no colo de Sophia.

- Nada importante – Sophia deu um tapinha na pasta.

Passou pela cabeça de Pietra insistir no assunto, mas acabou deixando para lá. Sophia era Sophia.

- Tudo bem. Qual é a próxima parada?

Sophia balançou a cabeça e deitou a nuca no encosto do banco. Seu rabo de cavalo amassou-se em uma espécie de travesseiro. Ela olhava para longe, para o céu azul de poucas nuvens, perdida em algum lugar distante. Antes, Pietra sabia como entrar em todos esses lugares estranhos que Sophia mantinha fechados para o resto do mundo. E, quando Sophia se recusava a abrir as portas, Pietra simplesmente tateava com calma pelo batente até encontrar uma chave reserva. Ou arrombava a fechadura. Mas sempre dava um jeito de acabar dentro da casa.

Agora? Agora, aqueles lugares estranhos dentro de Sophia estavam fechados para Pietra também. Todas as portas batidas, todas as fechaduras trancadas e reforçadas, todas as chaves escondidas. Pietra era uma forasteira, destinada ao frio das ruas e a dormir debaixo de pontes, e se perguntava se alguma vez chegara a conhecer de fato algum cômodo do coração de Sophia que não fosse a sala de visitas.

- Não sei – disse Sophia, os olhos verdes ainda perdidos no azul do céu. – Não tenho a mínima ideia de qual é a próxima parada.

Um enorme avião passou bem rente acima delas, na direção do aeroporto, cobrindo momentaneamente a Toyota com a sombra de sua barriga. Suas turbinas rugiam alto, fazendo tremer de leve os vidros do carro.

- Nesse caso – disse Pietra quando o avião desapareceu atrás do aeroporto, não sem antes deixar à mostra seus trens de pouso – vamos dar um passeio.

Ela girou o volante e levou-as para longe dali. Dirigir tinha se tornado uma tarefa um tanto complicada devido à sua mão direita, que continuava coberta por um casulo branco de aturadas. Quando o médico lhe dera alta, na tarde da quinta-feira, ele dissera para Pietra repousar o máximo possível e não forçar demais a mão mutilada. Na verdade, fora bem enfático quanto a isso.

- O repouso é essencial – ele dissera. – Não levante peso ou pratique exercícios. Tome seus remédios, limpe os pontos de manhã, de tarde e de noite, mantenha a mão enfaixada e longe de lugares sujos e tente não dirigir.

Diante de cada ordem, o médico erguera para ela um dedo da mão direita como que para reafirmar a importância do que dizia, e tudo o que Pietra conseguira fazer fora olhar aqueles dedinhos balançando no ar e sentir-se triste por não poder mais levantar os seus também.

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