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- Fique aqui.

Chapman sentou-a na calçada, à sombra fresca de uma árvore, e ela ergueu o rosto para a manhã. A luz quente do sol, filtrada pela membrana das folhas, caía verde em seu rosto e Sophia fechou os olhos. Sentia-se estranhamente desconectada de si mesma. Havia alguma coisa seriamente errada no maquinário dentro de sua cabeça, e ela sentia isso também. Parecia que ela estava despedaçando.

A palma de Chapman pousou em sua bochecha direita. O toque era quente.

- Entendeu, Sophia? – ele disse, agachado à frente dela. Dava para cheirar o sangue que empastava a camisa que ele usava. – Fique aqui.

Ela apenas assentiu. Tinha medo de falar "está bem" e sair "vejo macacos voadores". As palavras ainda estavam distantes, e ela tinha que pescar cada letra em um lago que rodopiava no fundo de sua cabeça, encaixar na próxima e formar uma sílaba. Depois, repetir o procedimento para formar a sílaba seguinte. Era exaustivo.

Chapman levantou-se, deu uma última olhada nela e se afastou. Não havia mais nenhuma viatura na rua agora – todas estavam perseguindo um "Chevrolet vermelho dirigido por um indivíduo altamente perigoso", para citar a voz que saía dos rádios da polícia. O único veículo em frente à Cathedral Street, 900, era uma ambulância: suas portas traseiras se escancaram e dois paramédicos desceram com macas. Um deles empurrou uma das daquelas camas de metal com rodinhas prédio adentro e a outra ficou largada ali, abandonada debaixo do sol.

A garota viu Chapman parar no meio da rua e chamar o paramédico que não entrara no prédio, depois apontar para Sophia sentada na calçada. Os dois trocaram algumas rápidas palavras, e Sophia sentiu inveja do modo como eles conversavam: com facilidade, sem precisar pescar letra por letra em um lago escuro e frio, onde consoantes e vogais pareciam ter o mesmo som e formular uma sílaba era tão difícil quanto levantar um peso de cem quilos. Mais cedo, ela dissera ao japonês baixinho que sua cabeça estava embaralhada, quando a expressão que realmente buscava era confusa. Agora, via que embaralhada servia bem ao propósito: as coisas dentro dela eram como cartas de um baralho esparramadas no chão, algumas viradas para baixo, e Sophia tinha que colocá-las em ordem outra vez. Às com às, copas com copas, paus com paus. Formar a merda de um royal flush, se possível.

Pensou na coisa escondida nas estantes. Na garra podre retalhando sua mente. As lágrimas ameaçaram escorrer novamente por seu rosto.

- Oi – ela tomou um susto quando o paramédico com o qual Chapman conversara se ajoelhou à sua frente. – O agente Chapman pediu para eu dar uma olhada em você.

Ele usava um crachá que provavelmente anunciava o seu nome, mas Sophia não conseguiu dizer com certeza. As palavras ali não passavam de riscos que estavam além de seu entendimento.

- Está se sentindo bem? – o paramédico enrolara algo em seu bíceps e agora pressionava uma bombinha. Sophia sentiu a coisa apertar. – Sua pressão está boa.

- E-e-e-stou b-b-b – opa, volta aqui "e", seu fujão – bem.

O paramédico assentiu e segurou o braço esquerdo dela.

- Vou passar algo nessas queimaduras. Elas devem estar ardendo como o diabo – ele disse.

Queimaduras? Sophia baixou os olhos e só então viu as bolhas que se acumulavam em seu antebraço esquerdo, cheias de água e pus. Elas brotavam em uma paisagem feita de pele vermelha e irritada. Não doía antes, mas agora a queimadura tinha começado a arder, como se só estivesse esperando ser notada por Sophia.

- Como você fez isso? – perguntou o paramédico. Ele tirava da maleta um pequeno pote de metal e, àquela altura, Sophia tinha conseguido decifrar alguns dos hieróglifos no crachá do homem. Seu nome parecia ser Bruno. Parecia. Assim como parecia ser Bryan, Bobby, Brandon ou Neil Armstrong, porra. Olha lá a minha mente indo para o espaço também.

A Voz da Escuridão.Where stories live. Discover now