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- Deixe-me ver sua mão – pediu o médico.

Pietra estendeu a mão direita. O médico, um homem idoso de cabelo tão branco que chegava a doer na vista e com óculos de meia-lua empoleirados na ponta do nariz, segurou com delicadeza sua palma enfaixada. Desfez os curativos e Pietra soltou um gemido ao ver o que havia por baixo das ataduras: seus dedos, inchados e cortados ao meio. Pareciam salsichas gordas comidas pela metade.

- Caramba, isso não está nada bonito – ela comentou com um sorriso amarelo.

O médico limitou-se a estalar a língua, aproximando tanto o rosto dos dedos mutilados de Pietra que ela achou que o homem fosse mordê-los para terminar de comer as salsichas. Então ele se afastou e tirou os óculos, dando-lhe aquele sorrisinho tranquilizador que parecia ser um item básico no repertório de qualquer um com um diploma em Medicina.

- Já vi coisas piores – ele disse.

- Eu também – disse Pietra, pensando em Sophia que tivera toda a mão arrancada. Comparado àquilo, alguns dedos a menos eram brincadeira de criança.

- De qualquer forma, está melhorando – disse o médico. – Seus dedos já apresentam cicatrização, o que é ótimo. Tem dormido bem?

- Tenho. Tirei um ótimo cochilo depois do almoço. Revigorante.

Vamos brincar de verdade e mentira. Verdade: ela realmente tirara um cochilo depois do almoço. Mentira: não fora nada revigorante. Durante quinze minutos, Pietra se contorceu na cama, sonhando que entrava em seu trailer e descobria que o chão tinha se transformado em uma piscina. Ela caía, mas não em água. Mergulhava em sangue. E, em algum lugar naquelas profundezas vermelhas, um monstro marinho de olhos amarelos aguardava para devorá-la.

- Que bom. O sono é importante, Pietra. Ajuda no processo de cura – o médico falou, escrevendo alguma coisa na prancheta. Depois verificou a bolsa de soro, fez mais algumas anotações e disse: – Daqui a pouco a enfermeira vai aparecer para trocar seus curativos. Até lá, procure descansar.

- Pode deixar, doutor.

O médico saiu do quarto, não sem antes brindar Pietra com aquele sorriso de "você está na merda, mas prometo que tudo vai ficar bem". Ele mal tinha ido embora quando alguém bateu à porta. Pietra suspirou e fechou os olhos com força antes de dizer:

- Pode entrar.

Um dos enormes policiais responsáveis por mantê-la em segurança abriu a porta e enfiou a cabeça no quarto:

- Você tem visitas – ele disse.

- Adoro visitas. Quem é?

A cabeça do policial desapareceu, e o rosto que substituiu o dele à porta fez Pietra soltar um grito de alegria. Era um rosto que ela nunca mais achou que fosse ver novamente. Um rosto que lhe dera a força necessária para suportar as terríveis coisas que aconteceram naquele porão.

- Joanna!

A garotinha fez de correr até a mãe e atirar-se em cima dela, mas uma mão torta de artrite caiu em seu ombro e a impediu de voar para os braços de Pietra. Miranda entrou atrás da neta, segurando-a no lugar.

- Nada disso – disse Miranda. – Sua mãe está machucada, então nada de pular em cima dela, escutou?

- Deixa ela vir – Pietra sentara-se na cama, os braços abertos para a filha. – Vem.

A Voz da Escuridão.Onde as histórias ganham vida. Descobre agora