17

212 44 6
                                    


O olho esquerdo de Sophia encheu-se de sangue, e uma pequena piscina vermelha formou-se entre sua pálpebra e seu globo ocular. Ela pareceu nem perceber e continuou a falar:

- O Dr. Bowden concordou em ver Lizzy e o bebê depois que...

- Sophia... – disse Chapman.

A garota parou o que dizia e perguntou:

- O quê?

- Seu olho – ele apontou.

Antes que Sophia pudesse levar a mão ao olho esquerdo, uma lágrima escarlate escorreu e riscou seu rosto até o queixo. Ela tocou de leve a bochecha e depois afastou os dedos, que voltaram cheios de sangue.

- Ah, merda.

Levantou e correu para o banheiro, deixando Chapman sozinho no sofá. Ele recostou-se, olhando para a televisão sem nada ver e pensando no que Sophia acabara de contar. Desde que a conhecera, Chapman se perguntava se a garota sentia falta da família que a abandonara. Sempre achou que a resposta para essa pergunta fosse sim, mas agora começava a mudar de ideia. Sophia com certeza alimentava uma curiosidade masoquista acerca de seus pais biológicos, e ninguém podia culpá-la por isso, mas seu caminho foi pavimentado por pessoas que supriram qualquer saudade ou necessidade que ela podia cultivar deles. Ela fora adotada por Miranda, depois por Lívia e ele e então pelos Walker. Três famílias. Era como se o universo tentasse compensar por seu deslize. Como se Deus dissesse: "não posso voltar atrás e devolver você à sua família de sangue, mas aqui estão outras três. Faça bom uso, e desculpe pela pisada na bola, tá legal?".

É. Tá legal.

Sophia voltou do banheiro esfregando o olho esquerdo. Havia uma mancha de sangue em sua camisa.

- Eu realmente acho que devíamos levar você ao médico – disse Chapman.

- Já falei pra você: um médico não vai resolver o que há de errado comigo – ela tornou a sentar no sofá, e Chapman viu que não havia mais sangue em seu olho, embora a esclerótica estivesse vermelha e irritada. – Onde eu estava?

- Indo dormir – Chapman levantou-se e desligou a televisão. A única iluminação do quarto agora vinha dos postes no estacionamento do hotel, que projetavam luz pela janela aberta. – Chega de histórias por hoje.

- Mas...

- Você precisa descansar. Eu preciso descansar. Vamos começar cedo amanhã, e eu não quero nenhum dos meus agentes cansado demais para manter os olhos abertos.

- Não sou mais sua agente.

Chapman a ignorou.

- Pode ficar com a cama – ele ofereceu.

Irritada, Sophia esticou as pernas no sofá e cruzou os braços, olhando para o ventilador que girava no teto.

- Prefiro o sofá, se não se importa – ele estava voltando para a cama quando ela acrescentou: – Eu sei que você está preocupado comigo, Benny. Mas não pode ficar. Não pode ficar, porque isso vai me impedir de fazer o que eu tenho que fazer.

De costas para ela, Chapman perguntou:

- Que seria?

- Pegar o homem que quase nos matou hoje.

Ele suspirou fundo, balançou a cabeça e deitou na cama, sem se dar ao trabalho de tirar calça e a camisa. Sabia que iria se arrepender disso pela manhã, quando acordasse e descobrisse que sua única roupa de trabalho estava toda amarrotada em seu corpo, mas no momento sentia-se cansado demais para pensar no assunto. Programou o alarme de seu celular para tocar às seis em ponto, deixou o aparelho ao seu lado no travesseiro e fechou os olhos.

- Boa-noite, criança – ele disse.

Ela demorou um tempo para responder.

- Boa-noite, Benny.

***

Chapman acordou duas vezes naquela madrugada. Da primeira, despertou com um movimento ao seu lado na cama. Enfiou a mão debaixo do travesseiro, fechou os dedos na Glock, mas então percebeu que o pequeno peso no colchão era Sophia.

- Eu tive um pesadelo horrível hoje mais cedo – ela disse. – Posso dormir aqui com você?

Seus dedos relaxaram no cabo da Glock.

- É claro que pode.

Da segunda vez, ele acordou com o celular tocando. Era Grimmes ligando do hospital para dizer que Watson não tinha resistido.


A Voz da Escuridão.Where stories live. Discover now