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Creck-creck-creck dentro de sua cabeça. Dentes mordendo as paredes de seu crânio. Mastigando seu cérebro.

Ali, a menina. Aquela de rosa.

Ele baixou o livro que fingia ler e recostou-se no banco. Naquela tarde, o parque à sua volta se encontrava tomado por risos. Casais de namorados caminhavam abraçados, trocando beijos e dividindo sorvetes de casquinhas. Jovens gargalhavam e falavam alto nas filas da montanha-russa e do Twister. Famílias e turistas faziam poses para fotos. Crianças corriam para lá e para cá, puxando seus pais pelas mãos, pedindo "por favor, vamos naquele brinquedo ali, por favor". Um funcionário vestido com uma fantasia ridícula de cachorro de pelo amarelo dançava para um semicírculo de garotos e garotas que deviam ter uns cinco ou seis anos. Atrás deles, uma menininha de cabelos cacheados e blusa rosa passou correndo, sumindo dentro do banheiro.

Atrás dela.

Ele levantou-se. A freira de batina negra, a madre do convento que também era mãe de Pietra, continuou sentada no banco, ao lado de um urso de pelúcia e de uma gaiola dourada onde um pardal negro batia as asas e piava. A mulher tinha a cabeça baixa, as mãos tortas cruzadas no colo e os ombros subindo e descendo suavemente. Adormecera. Bom.

Ele caminhou com calma, embora quisesse correr. Tinha as mãos enfiadas nos fundos dos bolsos e olhava para baixo. Mesmo com óculos escuros, boné de beisebol e bigode falso, temia que reconhecessem seu rosto agora que seu retrato-falado estampava todos os jornais do país. Apesar do calor, usava um cachecol para esconder tanto a cicatriz de arame em seu pescoço quanto o ferimento à bala que quase o matara. Não podia fazer nada quanto ao corte que Pietra abrira em sua bochecha direita.

Você parece um cachorrinho andando com o rabo entre as pernas.

Então ele tinha sido reduzido a isso? Após tantos anos de trabalho, tanta preparação, tanto ensaio, ele agora não passava de um homenzinho assustado e com medo da morte, tremendo de febre e ferido? Não. Não. Estava a um passo de concluir sua obra final, a única que importava, e não iria abaixar a cabeça. Não agora.

Você é o Artista. Assim como Deus criou o mundo, você está próximo de criar sua obra perfeita e descansar no sétimo dia.

Descansar. Isso seria bom. Quando tivesse terminado, iria repousar em seu palácio mental para sempre, ao lado de todos aqueles que acordara. Danny Straub estaria lá, à sua espera. Seu anjo também. Pietra. E Sophia. Sophia, no alto das estantes, sentada à direita de Seu trono, lá no Infinito. Sua musa inspiradora ocupando seu lugar de direito ao seu lado. Era uma boa imagem para se ter.

Você está tão perto, meu amor. Não abaixe a cabeça.

Não, ele não iria. Que o mundo o visse. O reconhecesse. A hora das máscaras tinha acabado naquela casa amarela, no momento em que Sophia Manning batera à sua porta. Seus poros se dilataram, sua boca se abriu, seus olhos se arregalaram. Luz jorrou de seu corpo. A força imaginativa que ele colhera ao longo de sua existência corria em suas veias. Finalmente, ele podia mostrar seu verdadeiro rosto.

Arrancou o bigode falso, o boné de beisebol, os óculos escuros. Seus olhos amarelos faiscaram. Jogou tudo em uma lata de lixo, sem parar de caminhar. Tirou também o cachecol. Durante sua vida inteira, ele escondera o ferimento que o pai lhe fizera no celeiro enquanto o estuprava. Não mais. Percebia agora que aquela cicatriz em seu pescoço era algo bom. Lembrava-lhe da dor do passado. E a dor do passado, quando usada corretamente, é poder.

A Voz da Escuridão.Where stories live. Discover now